sábado, 27/04/2024

Vidas negras importam para a formação em Direito?

Compartilhe:

Por Gabriel Barros (*)

 

O título é uma alusão à tese de doutorado de Alexis Pedrão, formado em Direito, professor universitário e Doutor em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. O questionamento se dá em face de buscar saber se existe ou não educação de ralações étnico-raciais no curso de direito da UFS e nas escolas das carreiras jurídicas de Sergipe, a saber, a Escola do Judiciário de Sergipe – EJUSE, Escola do Ministério Público de Sergipe – ESMPSE e Academia de Formação de Polícia – ACADEPOL.

O professor destaca que a pesquisa conclui que a educação das relações étnico-raciais possui uma baixíssima inserção na formação jurídica em Sergipe, o que contribui diretamente para o aprofundamento do genocídio da população negra.

O trabalho é fundamental para levantarmos a temática racial também na aérea jurídica, que, sem dúvidas, colabora bastante para os números que resultam num verdadeiro genocídio da população negra.

É que, conforme o autor, reside na seara jurídica diversas discussões que envolvem diretamente esse processo de extermínio, a exemplo do encarceramento em massa, da suposta guerra às drogas, da execução de corpos negros – condenados ou inocentes – e todas elas envolvem diretamente profissionais do sistema de Justiça como delegados, promotores, defensores, juízes etc.

Nessa perspectiva, é notória a falta de interesse dessas instituições (não só as suas escolas) com o tópico racial, pois o que se percebe é que, no máximo, existe uma abordagem dentro de outras disciplinas, a exemplo de Direitos Humanos, mas em que pese termos números alarmantes no Estado, a educação étnico-racial não é tratada como uma disciplina específica por nenhuma dessas instituições.

Fora perguntado o seguinte: considerando o genocídio da população negra, como a educação das relações étnico-raciais está inserida na formação jurídica, a partir do currículo do curso de Direito da UFS e das escolas das carreiras jurídicas de Sergipe – EJUSE, ESMPSE e ACADEPOL?

Para uma compreensão completa do que foi dito por cada instituição, fica o convite a leitura atenta das respostas. O que interessa nessa reflexão é alertar para o negacionismo existente no nosso sistema de Justiça, sobretudo no plano acadêmico. Com a grande dificuldade de reconhecer algo que é facilmente percebido e vivenciado pela população negra, atesta-se o caráter elitista e de absoluto distanciamento da realidade dessas instituições.

Obviamente que as respostas não foram as mesmas, mas diante da dificuldade de admitir um processo real, e não inserir no seu ensino uma disciplina específica que trate das relações raciais, significa ignorar a realidade não só de Sergipe, mas de todo o Brasil.

Debater o racismo existente na nossa sociedade é questão urgente, e jamais pode ser tratado como um assunto acessório, como se fosse algo lateral dentro de outra disciplina. Hoje em dia temos uma vasta produção intelectual de autoras e autores negros que discutem o assunto em todas as aéreas de conhecimento, e o Direito não pode se afastar disso, mormente diante da sua grande parcela de culpa nesse processo aqui denunciado.

O trabalho corrobora que as escolas das carreiras jurídicas não reconhecem a situação de genocídio, seja por não caracterizar do ponto de vista jurídico-formal (o que é comprovado pelo professor) seja por se esquivar do tema, tratando-se  como mera polêmica que deve ser evitada. Pontuo que o que deve ser evitado é a morte de pessoas negras por parte do Estado brasileiro, tendo em mente que é uma questão até mesmo de psicanálise, onde nós temos que qualificar o sujeito a partir daquilo que verdadeiramente é. Em outras palavras, temos que apontar e dizer as coisas pelos nomes que de fato são.

Razão pela qual é dito que: “Em síntese, encontramos por meio da observação dos documentos e das entrevistas do curso de Direito da UFS e das escolas das carreiras jurídicas, um exemplo concreto do ângulo cultural do genocídio (FLAUZINA, 2006). Isto é, a dificuldade permanente em avançar com a educação das relações étnico-raciais no interior do processo educacional. O não lugar do pensamento negro, das teorias negras na formação jurídica, contribui diretamente para o processo de apagamento da história e cultura negra no Brasil, e, dessa forma, sustenta epistemologicamente o ângulo do extermínio, mostrando que o genocídio da população negra é um processo amplo, complexo e articulado”.

E conclui magistralmente que “ao não tratar das questões étnico-raciais de forma aprofundada e permanente, o curso de Direito da UFS e as escolas das carreiras jurídicas de Sergipe estabelecem uma formação ideológica, que omite, escamoteia a realidade, operando uma relação de distanciamento entre a formação jurídica e a realidade da população negra – maior parte da população brasileira e sergipana. Regra geral, o curso de Direito e as escolas das carreiras jurídicas analisadas se apresentam, então – ainda que não tenham intenção – como executor de uma função/forma/ângulo ―ideológica do genocídio, que se relaciona diretamente com a forma ― extermínio.”

Importante ressaltar que o índice de pretos e pardos segundo o IBGE em 2021 foi de 77,7% da população total do nosso Estado, ao passo que de acordo com o Atlas da Violência de 2021, Sergipe ficou em segundo lugar na taxa de homicídios de negros no ano de 2019. Fica evidente a urgência do debate e faceta ideológica do negacionismo. Sem contar que não existe dados oficiais que meçam o impacto da violência policial sobre o povo negro aqui no estado.

É por isso que só posso concordar quando o professor termina por dizer que, respondendo à pergunta que dá título à sua tese, enfatiza que, do ponto de vista político e dizendo de forma direta, as vidas negras não importam para a formação em Direito! Eis uma triste realidade que necessita ser superada. Sigamos na luta.

Referencias: Jesus, Alexis Magnum Azevedo; “VIDAS NEGRAS IMPORTAM” PARA A FORMAÇÃO EM DIREITO? A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO CURSO DE DIREITO DA UFS E NAS ESCOLAS DAS CARREIRAS JURÍDICAS DE SERGIPE. Tese (doutorado em educação) Universidade Federal De Sergipe-2023.

Compartilhe:

Sobre Gabriel Barros

Avatar photo
(*) Advogado e graduado em Direito Público

Leia Também

Calçada da Fama

A tormentosa viagem de uma ideia ruim

Por Luciano Correia (*)   O jornalista Aparício Torelly, o célebre Barão de Itararé, dizia …

WhatsApp chat