sábado, 20/04/2024
Marco Aurélio Góes pede que as pessoas mantenham o distanciamento social

“A melhor forma de lidar com a Covid-19 é com imunização”, garante Marco Aurélio Góes, diretor de Vigilância em Saúde da SES

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O infectologista Marco Aurélio Góes, diretor de Vigilância em Saúde (DVS) da Secretaria de Estado da Saúde (SES), acredita que se o Ministério da Saúde tivesse encarado a ciência, o conhecimento científico e o entendimento de que “a melhor forma de lidar com a Covid-19 é com imunização, ou seja, com o uso da vacina: “a imunização seria bem mais rápida”.

No entendimento de Marco Aurélio, o ideal seria que o Ministério da Saúde tivesse feito vários acordos com laboratórios que fabricam as vacinas, para agora “não estar correndo atrás”, pois o mundo todo quer a imunização.

Para ele, o importante seria que a vacina estivesse em todos os postos de saúde, pois aconteceria mais rápida a imunização das pessoas. “Como não temos vacina para isso, precisamos ir aos lugares imunizar as pessoas, o que tem gerado dificuldade em ser rápida”, afirmou.

Marco Aurélio disse, ainda, que embora a situação de Sergipe não seja igual a da Bahia, onde foi decretado toque de recolher na última sexta-feira, as autoridades de saúde sergipanas estão em alerta sobre o que acontece no Estado vizinho. E destaca a necessidade de “encarar essa doença, não olhando apenas para o nosso umbigo, não só para o que acontece na nossa casa, nosso bairro, nossa cidade”.

Formado em Medicina pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), com doutorado em Ciências da Saúde também pela UFS, e mestrado em Saúde e Ambiente pela Universidade Tiradentes (Unit), Marco Aurélio começou a trabalhar na SES em 2002, no Hospital João Alves Filho. No dia 8 de maio do ano passado, ele assumiu a Diretoria de Vigilância em Saúde.  Nessa sexta-feira, ele conversou com o Só Sergipe. Confira.

SÓ SERGIPE – Que análise o senhor faz, hoje, da situação da Covid-19 em Sergipe?

MARCO AURÉLIO – Passamos por um momento de estabilização nas curvas. Estamos numa segunda onda, mas com queda no número de casos e óbitos, nos últimos 15 dias, e partindo para a estabilização.  Do mesmo jeito, temos mantido uma internação hospitalar que não tem ultrapassado os 65% de forma geral, mas sentimos que na rede privada, principalmente, teve um aumento de internações. Isso demonstra que, de fato, a pandemia é muito instável. Medidas que tomemos, elas podem refletir rapidamente no controle ou descontrole da pandemia. Se os gestores e a população não tomam medidas de maior restrição no período, podemos acabar tendo um reflexo imediato em duas ou três semanas no aumento do número de casos. Com relação a outras semanas, hoje nós passamos por um período de queda no número de casos, mas de grande alerta porque vemos o que está acontecendo em outros locais do país e do mundo. Uma doença infecciosa como a Covid-19 apresenta um cenário muito instável. Sempre estamos observando o que está acontecendo em nosso território, com os nossos vizinhos, e ao redor do mundo. É uma doença que, apesar de ser um único vírus, tem uma capacidade de mutação muito grande e com isso a gente tem as novas linhagens, as variantes que trazem aspectos novos nessa pandemia e podem favorecer uma disseminação muito rápida.

Marco Aurélio: de olho na Bahia

SS- Quando o senhor se referiu aos vizinhos, um dos mais próximos é o Estado da Bahia, que na sexta-feira, passou a ter toque de recolher, das 22 horas às cinco da manhã. Essa medida acende um sinal de alerta para as autoridades de saúde aqui de Sergipe?

MA – A proximidade nos faz ficar mais alerta, mas temos que lembrar que esse vírus não é somente a distância que pode impedir a transmissão. Tanto que os primeiros casos surgiram na China e rapidamente se espalharam pelo mundo inteiro. Porém quando isso está perto da gente, merece mais atenção. No Estado da Bahia tem esse aspecto, agora, de ter isolado, também, essa variante do Reino Unido, que tem maior transmissibilidade. Alguns estudiosos aconselham, em algum momento, o lockdown mais severo. O Brasil não foi adepto de lockdowns, mas medidas restritivas como essa da Bahia são importantes porque impedem, principalmente, atividades naqueles horários em que as pessoas saem de casa, circulam mais de forma recreativa. Não impede totalmente uma transmissão, mas impede a transmissão recreativa, que não é aquela na qual a pessoa faz algo obrigatório, necessário.  Essa restrição é de coisas mais fáceis de serem restringidas, pois nesse momento recreativo é quando se usa menos máscara, se bebe, fala mais alto, conversa próximo das pessoas, circula em ambiente que não são o do seu dia a dia, aumentando o risco de transmissão. Sergipe fica de olho nisso, embora o cenário seja diferente do da Bahia. Tivemos períodos, no início da pandemia, que tomamos medidas um pouco mais rígidas. E este momento é de observação, de verificar o que está acontecendo, e como se dará esse final de semana.  Nós acompanhamos a pandemia diuturnamente, observando os dados laboratoriais, hospitalares, o que está acontecendo perto da gente e no mundo, para que consigamos, a tempo, tomar as medidas mais adequadas.

SS – Como está ocorrendo a vacinação contra a Covid-19 aqui no Estado?

MA – Temos que entender que a vacina, agora, não foi distribuída para toda a população, mas para idosos que residem em asilos, os trabalhadores da área da saúde, para aqueles que na última campanha da gripe se vacinaram, então é uma estimativa desses trabalhadores, e para a população que tem de 90 anos ou mais, e os índios aldeados. Portanto, a vacina só veio para essas pessoas até o momento.  Há estados com um número bem maior de profissionais de saúde, por isso conseguem taxas maiores. E Estados que receberam mais doses, como o Amazonas, que está em plena crise,  provavelmente terão uma cobertura vacinal mais rápida. Acredito que no começo houve dificuldade para vacinar o profissional de saúde, justamente por ser difícil diferenciar quem era prioridade, dentre eles.  Não foi entregue 100% das vacinas para os trabalhadores: inicialmente, 34%, depois mais 27%, em seguida mais 6%, então tivemos uma entrega gradativa para eles. Muitos queriam ser vacinados no começo, mas não eram prioridade, porque não atendiam pacientes de Covid-19. Então houve dificuldade, a questão de furar fila, sendo necessária a ação da Secretaria de Estado da Saúde e Ministério Público, para orientar estes municípios onde ocorreram esses fatos, e isso gerou um certo medo na hora de escolher quem vai vacinar. Não indicamos que fossem vacinados grupos que não estão na lista de prioridade. Alguns Estados usaram a segunda dose para vacinar outros grupos, conseguiram vacinar mais gente e agora não têm a vacina. Usamos as doses para os grupos certos, estávamos com dificuldade em alguns municípios que decretaram feriado no Carnaval e não tinham terminado a vacinação de idosos e hoje todos adiantaram bastante essa vacinação.

SS – Com estão os estoques de vacina no Estado?

Vacinação em Aracaju Foto: PMA

MA – Todas as doses foram enviadas para os municípios. Temos no estoque, ainda, o resíduo de 5% que o Estado precisa ter para intercorrências e uma perspectiva de neste final de semana receber do Ministério da Saúde um novo cronograma de entrega para que, de fato, durante as próximas semanas, consigamos avançar em mais algum grupo. Não sabemos ainda em que grupo conseguiremos avançar, porque depende da quantidade de doses. O ideal é que pudéssemos vacinas pessoas de 80 a 89 anos se a dose for suficiente para eles. Se recebermos uma dose menor, talvez, tenha que ser 85 a 89 anos.  As segundas doses estão sendo aplicadas.

SS – Mas o senhor tem a vacina para atender até que dia exatamente?

MA – Os municípios que já vacinaram todos os seus idosos e trabalhadores já não têm estoque de vacina. O que possui é apenas para aplicar a segunda dose no idoso. Já cumpriram o que deviam fazer, que era vacinar essa população. Mas existe município que já usou todas as doses e  não vacina mais a primeira dose. Ele aguarda receber novas doses.

SS – Doutor Marco Aurélio, se vivêssemos num país mais organizado, essa distribuição de vacina não seria mais célere? Se fosse um país desenvolvido de fato, não teríamos outras vacinas, além da CoronaVac e da AstraZeneca, aumentando o leque de opções e a população seria vacinada com mais rapidez? Esse meu raciocínio está correto?

MA – Com certeza. Se o Ministério da Saúde tivesse encarado a ciência, o conhecimento científico e o entendimento de que com este tipo de doença a melhor forma de lidar é com imunização, provavelmente vários acordos que estão sendo feitos agora com laboratórios, já teriam ocorrido com antecedência.  Talvez não tivéssemos todas as vacinas do mundo, porque não dá para ter, pois todos os países estão com dificuldade, mas para um país como o nosso, com um Programa Nacional de Imunização que é reconhecido há mais de 20 anos como eficiente, que sempre traz as vacinas para a população de forma gratuita, com toda experiência que temos em imunização, se tivesse vacina atenderíamos bem mais rápido. Se a vacina pudesse estar nos postos de saúde, pois temos eles distribuídos em todo lugar, seria rápido.  Como não temos vacina para isso, precisamos ir aos lugares imunizar as pessoas e isso tem gerado dificuldade em ser rápido.  Se a vacina estivesse num posto de saúde, com certeza o brasileiro recebendo uma boa informação, sendo estimulado, entendendo a gravidade, estaria se vacinando com muita rapidez. Faltou planejamento.

SS – O senhor fala do Brasil, mas vamos lembrar que Sergipe tem expertise em campanhas vacinais que sempre foram bem sucedidas.

MA – Quando falamos do Brasil, refiro-me ao Sistema Único de Saúde (SUS), aqui em Sergipe também.  Temos uma cobertura de atenção primária das mais altas do país. Sergipe é um estado com distâncias mais curtas e isso facilita para que possamos ir a todos os lugares e vacinar todo mundo. O Programa Nacional de Imunização sempre trouxe novidades de vacinação para o Brasil. Toda a ciência e os gestores do SUS sentem essa falta, porque demoramos de planejar e agora é correr atrás mesmo.  Uma dificuldade que o Brasil tem enfrentado com a indústria da vacina é essa. Não fez muitos contratos prévios e a gente tem que correr atrás, porque o Brasil é um país continental e precisa de muita vacina.

SS – A SES  detectou algum caso de profissional de saúde que tenha simulado vacinar uma pessoa?

MA – Não identificamos nenhum e nem recebemos denúncia sobre isso. É muito importante que se alguém sabe de algo assim faça a notificação, avise à Ouvidoria da Saúde, porque é uma atitude criminosa. A grande orientação dada é que a vacinação é um importante momento para aqueles que têm sido vacinados. Então, mostre o frasco e como está sendo injetado. Simular vacinação é uma atitude criminosa, não tem como qualificar e merece todo o processo administrativo e criminal pelo crime de saúde pública.

SS –Vi que num Estado, as autoridades de saúde guardam por um tempo os recipientes que vêm as doses para depois comparar com as aplicadas. Há rigor na contagem de doses da vacina? Como vocês fazem esse controle?

MA – Há sempre uma orientação para esse controle. É importante o registro. O frasco que vem com 10 doses, nem sempre tem essa quantidade. Às vezes  se consegue fazer 11 doses. Existem perdas em algum momento. Num frasco de 10 doses, por exemplo, pode ser que sejam aplicadas oito, devido à falta de duas pessoas para completar as 10. Nós orientamos os municípios para que, antes de abrir o frasco, os responsáveis confiram se já existe o número correto de pessoas, pois não podemos perder doses. Estamos controlando, fiscalizando e orientamos que informem à SES sempre que ocorrer algo inusitado.

SS -A SES já detectou em Sergipe casos das novas cepas da Covid-19?

Vírus da Covid-19

MA – O vírus da Covid-19 apresenta muita mutação. Já isolamos aqui oito linhagens diferentes, que não são essas variantes com características específicas, como a do Reino Unido, a de Manaus, conhecida com variante brasileira, e a da África do Sul. Até agora, o que se conhece bem delas, é que tem capacidade de transmissão mais veloz, facilidade de o vírus entrar no nosso organismo mais rápido e com isso haver transmissão mais intensa. Isso faz com que a curva que está caindo comece a aumentar e explodir casos. Sempre tem que ter muito cuidado com as novas variantes. Nessa vigilância laboratorial, nenhuma das variantes identificada em Sergipe são dessas, mas só linhagens, que não trazem aspecto diferenciado para o vírus.

SS – Por que não vacina os adolescentes?

MA – Quando estamos fazendo estudos com vacinas e novos medicamentos, há grupos que consideramos especiais, tipo gestantes, crianças, adolescentes. Porque são pessoas que para participarem de um estudo precisam de um consentimento, precisam ter a segurança do imunobiológico, ter a segurança avançada em várias etapas. Como estes testes são em voluntários, eles estão acima dos 18 anos, isso na produção do insumo da vacina, do medicamento. Depois que estiver sendo utilizado em larga  escala, observando os efeitos adversos mais comuns, aí sim é começado a fazer testes em outras categorias, outras faixas etárias. Como hoje a gestante não é uma contraindicação absoluta, ela deve conversar com seu médico e fazer a escolha, se vale ou não a pena. O adolescente tem começado a ser testado para ver a segurança e a capacidade de resposta imunológica. Por isso temos reforçado que nessa fase muitos pais falavam que os filhos só voltariam para a escola depois de vacinados. Essa estratégia para hoje não é possível, pois não temos vacinas para crianças e adolescentes disponíveis no mundo. Mas provavelmente com a prática no uso delas teremos, como já aconteceu com muitas outras vacinas.

SS – O senhor que vem acompanhando a pandemia desde o início, que orientação dá para a população?  Já tivemos avanços em um ano, mas o vírus continua fazendo vítimas fatais.

MA- Acho importante encarar essa doença não olhando apenas para o nosso umbigo, não só para o que acontece na nossa casa, nosso bairro, nossa cidade, precisamos ver o que acontece em outras áreas de positivo ou negativo, pois poderá estar acontecendo com a gente. Se há aumento de casos na região, temos que ver o que fazer para que este aumento não ocorra em nosso meio. Não fiquemos simplesmente de braços cruzados esperando aumento da onda ou terceira onda. Temos, nesse momento, algumas armas contra a Covid-19 ou disseminação delas, que são as já conhecidas, mas que precisam ser aplicadas de forma correta. São elas: o distanciamento social, higienização das mãos e da superfície que você toca, além do uso constante de máscara. E agora, associado a isso, uma imunização que consiga, inicialmente, proteger o indivíduo, mas que avance muito para poder proteger a sociedade. É isso que esperamos. A decisão dos gestores é muito importante, porém o controle da pandemia depende da decisão da sociedade em aderir, acreditar e se convencer dessas medidas, e não procurar respostas fáceis, tratamentos milagrosos. Temos um ano de pandemia e nenhum dos milagres prometidos funcionou. Tudo conseguido de bom foi com luta, muito esforço e dedicação.

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