domingo, 21/04/2024

Um colóquio com minha psicóloga

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Por Luiz Thadeu Nunes (*)

 

Sexta-feira, final de tarde, de um dia corrido. Desses dias que falta hora para tantos afazeres. Para relaxar, abro uma cerveja, ligo para Rita de Cássia. Rita é minha irmã, a primeira das mulheres. Embora tenha cursando apenas o 2° grau, é minha psicóloga. E, das boas; tem solução para todos os problemas. Tudo para ela tem solução; o que não tem, solução está dada.

Fazia dias que não falava com ela. Fiz uma viagem longa, para o Havaí e o Alasca, nunca mais tínhamos conversado.

Ela havia chegado do supermercado. Enquanto falávamos, colocava os produtos na dispensa. Rita tem um hotel, que administra sozinha.

Me fala do novo inquilino, um gato, que encontrou a porta aberta e se aboletou por lá. O gato virou o xodó dos hóspedes. Logo me envia a fotografia do gato refastelado em uma cadeira. Penso que gostaria de ter nascido gato, sem preocupação com boletos.

Desde a separação, há vinte e tantos anos, Rita não se interessou mais por ninguém. E, quem se interessa por ela, faz questão de descartar logo, para não criar vínculos. Certa vez, um hóspede começou a puxar “conversa mole”, querendo saber por que ela vivia sozinha, “já que era uma mulher jovem e bonita”.

– Moço, não entre nessa seara, eu gosto é de mulher.

Ela me contou rindo.

– Tu não tens medo de ele falar para as pessoas daí de tua cidade, e tu ficares mal falada?

– Eu, não. Todos que me conhecem sabem que não sou ‘sapatão’, o que eu gosto é de minha paz. Dessa não abro mão. E, tem mais, hoje sapatão está na moda, são é respeitadas.

Entre tantas coisas divertidas, ela me diz que está pensando em entrar para a política.

– Por quê?

– Tu já prestastes atenção como os políticos vivem muito?

– Não.

– Presta atenção. A rainha Elizabeth foi quase aos 100 anos, morreu por descuido.

– O Sarney tem quase 100 anos e está melhor do que nós dois. O Lula tem quase 80 anos, está aí fud……com a gente tudinho. Não é só com a Janja, não.

– Aquele presidente americano, está gagá, mas não larga a política, quer até ser reeleito.

– Então, meu irmão, o segredo da longevidade é a política.

– Mas há muitos políticos que morrem cedo, resolvo contestá-la.

– Ah! Esses são políticos fracos, esses não contam.

Rita é farsista, gosta de entremear suas falas com frases originais, que só ouvi dela.

Uma das melhores frases que ouvi, foi que o verdadeiro amigo que ela tem “é o ortobom”.

– Quem é ortobom? Perguntei eu, em minha santa ingenuidade.

– Ortobom, a marca do colchão, que eu deito em cima, quando estou cansada. Ele nunca reclamou. Deito e durmo, o sono dos justos.

Rita nunca foi de reclamar, sempre se adequando às intempéries da vida.

– Quando não gosto de algo, simplesmente me mudo. Não são os incomodados que se mudam? Então, pronto. Não gostei, sigo em frente.

Rita me diz que vai procurar um otorrino, está ficando surda.

Em uma conversa recente com um hóspede, que ela achava esquisito, perguntou:

– Desculpe te perguntar, mas tu trabalhas com que mesmo?

– Com asfalto.

– Faz tempo?

– Três anos.

– Tu não tens medo?

– Não, já estou acostumado.

Rita foi mudando a fisionomia, e o jovem hóspede notou.

– O que foi, dona Rita? Por que a senhora está fazendo essa cara?

– Rapaz, vou encerrar tua conta, já pensou se a polícia sabe que hospedo um assaltante?

– Dona Rita, eu trabalho com asfalto, o que a senhora entendeu?

– Valha-me Deus, eu entendi assalto, pensei que você fosse assaltante.

A conversa terminou em risadas e pedidos de desculpas de Rita para o hóspede.

A conversa estava longa, me despedi de Rita, agradecido pelo hilário colóquio. Lembrei do nosso velho e saudoso pai, que dizia: “A pessoa está no lucro, quando toma mais cerveja que remédio”.

Abri outra cerveja, essa mais gelada. Bem aventurados os que têm quem lhe escuta.

 

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Sobre Luiz Thadeu Nunes

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Eng. Agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da Terra. Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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