segunda-feira, 18/03/2024
Chiquinha Gonzaga e a partitura de Gaúcho (corta jaca)

O antigamente, o hoje e a história

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Valtênio Paes (*)

Este primeiro quinto do século XXI, a todo momento, o saudosismo do “antigamente era bom” e o “ fato passado é inaceitável”, opondo-se, estão presentes no cotidiano das pessoas. Até radicaliza-se tanto para conservar como para excluir, quase sempre a partir de juízos e valores individuais. Excluindo a seara do sentimental, de que maneira avaliamos o passado pelo olhar do passado ou pelo olhar do presente?

 Um vídeo com a cantora Lysia Condé interpretando “Gaúcho” popularmente conhecido como “Corta-jaca” de Chiquinha Gonzaga e Machado Careca, circulando nas redes sociais, permite reflexão, mormente quando a intérprete historia uma apresentação de Chiquinha Gonzaga do início do século XX. Nele, a cantora relata como Rui Barbosa, ícone da oratória brasileira da época, fazendo coro com demais conservadores, criticava o presidente da república por ter convidado a intérprete para cantar um maxixe, estilo musical oriundo da cultura negra. No final deste texto, assista a Lysia Condé cantando “Gaúcho”.

Rui Barbosa, derrotado nas eleições presidenciais pelo Marechal Hermes da Fonseca, atacara sem ressalvas o vencedor. Dia 26/10/1914 era a primeira vez que o estilo músical adentrava aos palácios habitados pela elite brasileira. Do legislativo “O Águia de Haia” afirmou:

 “A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o “Corta-jaca” é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria! ’

Em tempos de confinamento ou isolamento, permite-se uma boa conversa, como o olhar do presente vê o passado? Rui Barbosa estaria certo à época? Estaria errado? Como vemos tal fato hoje? Paixões e costumes radicalizados levam ao desequilíbrio nos diálogos tão necessários à boa convivência humana, em especial, no momento atual. Pais e filhos como veem o antigamente?

As Revoluções Francesa (1789) e Russa (1917), dentre outras, destruíram muitos monumentos símbolos de suas monarquias. No Brasil, tudo que lembrasse monarquia deveria ser substituído por república nos monumentos públicos após 1889. Em Sergipe, recente, nomes dos generais presidentes do período militar, em prédios públicos, foram substituídos por orientação governamental. A tentativa de apagar a verdade histórica por governantes de plantão no poder não pode negar a historicidade científica pela irracionalizada, em nome de um olhar histórico presente. Coragem e competência política se estabelecem por ações administrativas firmes, jamais pela negativa da história com o uso do olhar limitado pelos desejos presentes.

Pelos idos dos anos setenta do século passado, o professor frei Florêncio Pecorari dera uma lição que não esquecemos. Na sua aula de História Medieval, discorria sobre a Igreja Católica e um aluno rebelde interpelou o professor: –“chato! Toda hora fala da igreja, a igreja, a igreja! O que a igreja fez com Joana d’Arc?” E o professor responde: – Você tem que “olhar para a história com os olhos da história, jamais com os olhos do presente…”. Como bom discípulo o aluno recolheu-se, rendendo-se à sabedoria do mestre.

À mesa, no sofá, no chão, em lugar qualquer da casa, eis um bom tema para famílias debaterem a relação do passado com o presente. Respeito entre pessoas, hábitos alimentares, religiosos, esportivos, diferenças tecnológicas, escola, relação homem mulher, política, filmes, música, etc. Como é visto o antes e o hoje, nas visões do passado e do presente? Cada dia é possível uma pauta nova para compará-los.

As Revoluções Francesa e Russa, dentre tantas, tentaram apagar a história com o olhar do presente. O discurso de Rui Babosa lembrado no vídeo, despertou preconceito contra estilo musical, principalmente com olhar presente. O saudosismo, por vezes, desperta oposições de quem usa o olhar do presente, porém a ciência histórica, como disse o professor Florêncio Pecorari, municiou-se com o olhar do passado. Hoje, pelas circunstâncias do momento, familiares no interior de suas casas, têm oportunidades de aprofundarem o tema.

Pode-se não gostar da verdade histórica, mas jamais deve-se apagá-la. Considerar presente e passado com imparcialidade histórica contribui para harmonização das relações. O “antigamente” e o “hoje” são faces de uma única moeda, a vivência humana.  O fato tratado no vídeo, visto de um olhar atual, pode não ser aceito, mas com o olhar da ciência histórica, pode ser compreendido, pelo viés da ponderação e tolerância no cotidiano, e acatado, no plano científico.

(*)Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.

Nota:  Show de lançamento do CD “Lysia Condé”, ocorrido no dia 15 de fevereiro de 2014, na Casa da Ribeira, Natal, RN. Viabilizado por lei de incentivo municipal através do “Programa Djalma Maranhão”, Prefeitura do Natal.

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Sobre Valtenio Paes de Oliveira

Coditiano
(*) Professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada-Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.

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