quarta-feira, 24/04/2024

 COVID-19 e a importância de “pivotar” seu negócio

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Thiago Noronha (*)

Esta vai ser, talvez, a coluna mais difícil de escrever dos últimos tempos. Em plena pandemia da COVID-19, conciliar a enxurrada de notícias, o home office, e as questões pessoais têm sido uma tarefa hercúlea quase todo santo dia. Mas ‘cá’ estamos para mais uma coluna do Empreendedorismo & Inovação (E&I) aqui no Só Sergipe. Mês passado, trabalhamos o conceito de inovação (se você não leu, clica aqui!) e hoje a tarefa é trabalhar o conceito de pivotar.

É meio óbvio, mas se trata de um aportuguesamento do verbo em inglês “to pivot” que significa “mudar” ou “girar”.

Imagine que sua empresa é um navio e que você é o timoneiro/capitão deste navio. Imagine que sua empresa tem o nome de Titanic e que há, ali na frente, um iceberg. Você tem a opção de trocar de rumo (pivotar) ou permanecer sabendo do risco que há mais adiante. Como sabemos da história toda, certamente tomaríamos a mudança de rumo. Porém, sem saber exatamente o que nos espera adiante, mudar de rumo pode ser uma decisão arriscada e, por isso, é um tema tão complexo. Lembre-se do exemplo da Kodak que demos na coluna anterior.

Engraçado como  este tema veio à tona e casou com o momento atual. Afinal, o mundo está sofrendo com uma pandemia provocada por um vírus de alto contágio e, sem uma vacina ou um tratamento preciso, a melhor solução é fazer com que as pessoas fiquem isoladas em suas casas no período de incubação do vírus para evitar a disseminação do contágio e a eclosão de casos mais graves que pode levar os sistemas de saúde em todo o mundo ao colapso (vide Itália e Espanha, por exemplo).

Costumo dizer que “toda crise gera oportunidade, para aqueles que sabem aproveitar”. Certamente o fechamento dos negócios não-essenciais pela maioria dos governos trouxe muitos empresários para a reflexão. Assim como a continuidade de determinados negócios de forma remota (teletrabalho/home office), em que pese uma inovação incremental, trouxe mudanças em muitos negócios.

Isso quer dizer que esta atipicidade provocada pelo coronavírus forçou muitos negócios a pivotar. Contudo, é preciso compreender que pivotar não é meramente uma escolha momentânea ou pontual; pivotar é refletir sobre seu negócio e, talvez, mudá-lo completamente daqui para frente. O biólogo Átila Iamarino, que se tornou uma das referências sobre a COVID-19 no país, em recente entrevista no Roda Viva trouxe a seguinte reflexão: “Para o mundo que a gente vivia não vamos poder voltar”.

Da mesma forma, “os modelos de negócios que muitas empresas tinham, não serão mais aplicáveis”. Ao menos, não num curto prazo.

Pensem em quantos negócios tiveram e terão de reinventar daqui para frente? O judiciário, por exemplo, já tinha várias inovações incrementais que estão sendo forçadas a viverem uma realidade mais cedo, de forma forçosa, por conta da crise. Aplicativos, até então despretensiosos, como o Rappi, o James e o Ifood estão se tornando grandes potências pela mudança no hábito de consumo em casa que a quarentena força. Tem gente, por exemplo, criando soluções para que motoristas do Uber e 99 continuem a fazer suas corridas, criando “bolas de proteção” (clica aqui).

Companhias de tecnologia, como o Google e o Facebook, têm em seu DNA a ideia de “dinamitar seu modelo de negócio e reconstruí-lo rapidamente”. Isso é ter a matriz da pivotagem dentro do negócio. Não ter medo de mudar e começar do “zero” (na prática, nunca é do zero porque sempre há um aprendizado do modelo de negócio anterior).

Em momentos de incerteza, abraçar a mudança e se adaptar a ela é, talvez, a principal lição a ser dada no meio dessa crise. Próximo mês, vamos trabalhar a ideia de trabalho remoto.

Até lá! 🙋‍♂️

INDICAÇÃO DE LIVRO

Na coluna temos um livro como indicação. A ideia é estimular a leitura de conteúdos transformadores e que alicerçam o conhecimento empreendedor. O livro desta coluna Sprint: O  método usado no Google para testar e aplicar novas ideias em apenas cinco dias.

Essa coprodução dos autores Jake Knapp, John Zeratsky e Braden Kowitz mostra o método usado para “quase tudo” no Google, “aperfeiçoamento do mecanismo de buscas ao Google Hangouts, com o foco em desenvolver e testar ideias em apenas cinco dias”. A grande vantagem é que o Sprint serve para todo tipo de empreendedor ou empresas, das startups às grandes companhias.

 

 

 

ENTREVISTA: FELLIPE TAVARES, Design Thinking e Pivotagem

O design thinking  Fellipe Tavares

Uma das pessoas mais geniais e trabalhadoras que conheço (sem falsa modéstia), Fellipe Tavares, é um empreendedor fora da curva.

Ele é Mestre em Mobilidade Urbana e Veículos Elétricos pela Rede ParisTech (2014). Trabalhou na linha de frente em projetos de pesquisa e inovação na Bosch France S.A. (remodelagem de processo de montagem de motores), no Laboratório Navier (École des Ponts, Paris-França) e na Renault Technocentre (sede em Paris).

Ao voltar ao Brasil, em 2014, empreendeu em paralelo ao seu trabalho como engenheiro de desenvolvimento de produto e foi  responsável por remodelar novas soluções para cálculos de probabilidade de acidentes em plataformas do pré-sal, na Technip do Brasil. Fundou a Zee Social Technologies em 2015, congelando o projeto em 2016 e iniciando um novo empreendimento tecnológico no mesmo ano. Encerrou suas atividades na Technip por conta própria e, em 2017, cofundou a Grand Designs (GD) Consultoria em Inovação e, em 2018, a Bytes Fritos Soluções Digitais, o seu atual empreendimento. Ele também é Head de Inovação da Fasm e sócio da Sinapse Venture Builder.

Empreendedorismo & Inovação (E&I) – Como o design thinking (DT) ajuda na hora de tirar uma ideia do papel? Numa escala de zero a dez, o quão importante é utilizar as ferramentas de DT para promover a maturação do que vai ser testado?

Fellipe Tavares (FT) – A questão principal é esta: com DT, a gente não tira ideia do papel, a gente entende que problemas estão presentes naquele nicho específico e consegue ter ideias de soluções que são muito mais próximas do que realmente resolverá o problema e atingirá outros critérios, como rentabilidade financeira, se for o caso, como é na maioria das vezes. O objetivo nunca deve ser achar uma ideia e tirá-la do papel e sim entender bem o problema e aplicar qualquer solução, de qualquer nível tecnológico. O importante é você saber o que se está verificando: calibrar. O que muita gente faz é igual a ligar a luz no escuro em uma sala que você nunca entrou. Todos sabem que o resultado é ter a luz ligada. Mas quanto tempo e quantos tapas na parede você vai dar até lá? Imagine que cada tapa vale 6 meses e R$ 2.000,00 (dois mil reais). Se for 6 tapas, é muito tempo e dinheiro. Vale a pena? Cada um pode ter sua opinião, mas uma coisa é certa: sem DT, você vai gastar muito mais tempo e dinheiro. Se “sua opinião” é melhor assim, é um “problema seu” e uma “solução minha”. Muito obrigado, de nada! De zero a dez, eis aí o porquê de eu dar dez para o nível de utilidade das ferramentas de DT para maturar uma ideia. Sem ela, é como a tentativa de ligar a luz. Não se sabe nem o que utilizar entre o 1° e o 2° tapa para se aproximar mais rápido do interruptor. Com DT, eu sei que o interruptor está no meio da sala, na parede da direita e não próximo da porta.

E&I – Quais as principais ferramentas utilizadas para testar a viabilidade de um negócio inovador?

FT – Até me peguei agora tentando listar na mente as ferramentas que mais utilizei recentemente. Mas é um erro!

Não existe “as principais ferramentas”. O bom designer deve desapegar das ferramentas e conseguir criar as suas em função do contexto. Logo, haverá infinitas ferramentas e, por consequência, não haverá principais. Quanto mais ele praticar e conhecer, melhor.

Apenas uma coisa nunca muda e precisa ser considerada: respeitar o processo. Quando alguém da equipe visualiza “trabalho demais” ou que “ferramenta tal poderia ser pulada”, caso ele diga “eu acho”, pule fora e siga o processo ou o resultado será mais tapas na parede e, se você for o responsável pelo processo de DT, você poderá facilmente ser o culpado. Eu vou explicar por quê: o problema não é que o DT é infalível. Na verdade, essa qualidade nem lhe cabe. O que precisa ser esclarecido à equipe que utiliza o DT e às equipes que serão afetadas pelo trabalho da primeira equipe (colegas, sócios, clientes, fornecedores, gestores, comitês etc.) é que todo problema envolve pessoas. Mesmo aqueles totalmente técnicos, pois eles foram projetados por pessoas para ajudar alguma tarefa para pessoas. As pessoas são subjetivas, então se você tentar modelá-las, vai falhar. Elas se comportam de forma mutável e é impossível estabelecer a frequência dessa mutação. Por isso, o DT se torna a melhor arma para reduzir esse erro, pois você consegue entender o comportamento daquele momento e as justificativas mais honestas e claras sobre o porquê das pessoas estarem fazendo isso e não fazendo aquilo. Se você sabe o que está fazendo, conseguirá quantificar a viabilidade de um negócio inovador e, claro, a avaliação servirá apenas para aquele momento. É por esse motivo que processos demorados, como planos de negócio, planos de marketing não cabem aqui. Cabem em outro momento, para commodities perfeitamente. Inclusive é aí que o DT não cabe muito bem. Para negócios inovadores NÃO. Os riscos não são possíveis de serem estimados sem o reestudo do contexto atual do nicho.

E&I – Para você, qual o conceito de “pivotar”? E qual a importância desse processo numa startup?

FT – Criar uma proposta de valor (solução) que ninguém quer, está em primeiro lugar na lista de motivos por que as startups quebram. Pivotar é o que faltou nessas startups. Pivotar é entender que é hora de mudar a direção do negócio. Mas, como saber a hora de mudar (pivotar)?

É justamente esse o maior perigo: não ter critérios para saber o momento de pivotar. O processo de desenvolvimento de negócios centrado no cliente deixa isso bem claro quando diferencia métricas de crescimento das métricas de vaidade. Isso também é falado em vários livros, como o Lean Startup, que por sinal já está relativamente defasado.

Ter esses critérios (ou métricas) é mais importante que o próprio sonho do empreendedor. Sem isso, você pode estar morrendo (ou até morto já) e nem sabe.

Pivotar é diferente de desistir e deve ser NATURAL. Isto é, não tem por quê ser doloroso, se é justamente a saída de um negócio que não vai dar tão certo quanto o novo, para onde está pivotando.

Pode ser um ajuste fino ou uma mudança drástica. Lembrando que drástica não é sinônimo de dramática.

E&I – Existem métodos para conseguir compreender quando se errou o caminho e que é preciso mudar o rumo do negócio?

FT – Há vários métodos para tal. Mas todos têm um fundamento já consolidado no mundo da administração: o PDCA. Sim, aquele “blá blá blá” teórico é o que pode salvar a vida de uma startup hoje. Porém, antes do P de “Plan” vem o também consolidado conceito de 5W2H. Não posso me alongar aqui nesses conceitos. Mas posso falar em outra entrevista sobre eles. O 5W2H é representado no BMG Canvas, no Value Proposition Canvas e no Mapeamento da jornada do cliente. Após isso, você tem os pontos de teste de seu negócio, chamados de premissas ou hipóteses. Estes se transformam em testes, com itens mensuráveis e com critérios, por exemplo “a diferença de tempo entre o trabalho feito pelo meu cliente com e sem a minha solução”; “a taxa de conversão de clientes que aceitaram o meu modelo de receita e os que se interessaram mais não o aceitaram”; “pessoas que se interessaram pela solução mas não conseguiram fazer X dentre as Y tarefas as quais a solução se propôs a melhorar”. Perceba que não coloquei aí nenhuma métrica sobre “quantas pessoas baixaram o meu app”. Isso se chama métrica de vaidade, pois ela não fornece informação útil apenas para amaciar o ego do empreendedor. Não dá para fazer conclusões honestas com isso. É perigoso.

O processo é este: conseguir expressas quais são todos os 9 aspectos do modelo de negócios (vide aspectos ou partes do BMG Canvas), levantar todas as premissas que sejam honestamente importantes para quebrar o negócio ou permitir o negócio dar certo, criar indicadores, as metas de sucesso de cada um deles e estabelecer a frequência de verificação desses indicadores e a duração máxima para entender que deve pivotar. É o que chamamos de meta de fracasso. É preciso deixar tudo bem claro desde o início e, por esse mesmo motivo, métricas de vaidade não terão outra utilidade senão amaciar o ego da equipe, se seus números forem altos, ou criar discussões infrutíferas sobre “acho que devemos pivotar” e “acho que não devemos pivotar”. Normal. Esses dados não dizem nada mesmo e, por isso, fica impossível de tomar decisões.

E&I – Quais são as maiores dificuldades do ecossistema de inovação em Sergipe para a área de Design Thinking e User Experience (UX)?

Primeiro ponto é a escassez de profissionais especializados nessa área. Segundo ponto, bastante relacionado com o primeiro, é a novidade do tema, o que torna seu valor percebido ainda muito intangível e traz à tona aventureiros, que não sabem muito bem ainda como aplicar isso e nem como vender. Em consequência, chegamos ao terceiro ponto: não há consenso entre prestadores e tomadores de serviço acerca

– do valor desse trabalho;

– de como receber esse trabalho e

– o pior deles, das fronteiras das responsabilidades das partes.

Isso pode até ser visto como uma oportunidade, mas ao meu ver afasta muita gente espetacular, pois se há outras regiões mais aceleradas nas respostas a essas questões, é preciso ter fatores pessoais fortes para segurar os talentos por aqui. Depender disso é péssimo para o ecossistema, pois aumenta a complexidade para aqueles que se importam em manter os talentos.

Já trabalhei muito prestando esse tipo de serviço aqui e para outras regiões. No geral, não conseguimos realizar um trabalho em que as decisões estratégicas consideraram os insumos obtidos do Design Thinking e/ou das análises de Experiência do Usuário. Normalmente, chegamos a um ponto em que as crenças dos sócios pesam mais que os dados obtidos.

O contexto de trabalho para outras regiões é diferente. A responsabilidade de obter insumos para as tomadas de decisões é o principal ponto de motivação da contratação e, se não obtivermos isso, nunca mais nos chamarão.

Podemos tomar como exemplos um evento recente, confidencial, mas que pode ser facilmente utilizado para ilustração. Um trabalho que realizei para uma startup tinha o seguinte objetivo: transformar 3 semanas de contato da solução com o mercado em dados e conclusões que deverão desenhar os próximos passos de três departamentos: marketing, TI e comercial.

O relatório teve mais de 10 conjuntos de dados quantitativos e qualitativos a serem analisados e serviu para balizar mais de 30 decisões estratégicas.

Obviamente, o interesse do cliente foi crucial para esse sucesso. Ele entendia perfeitamente o tamanho do trabalho e a sua responsabilidade. Nem preciso falar em relação ao valor financeiro desse trabalho, que foi verdadeiramente ganha-ganha.

E&I – Quão a visão de outros estados da federação sobre Sergipe em termos de inovação? Isso te incomoda? E, por fim, quais seriam possíveis caminhos para superar isso?

Não temos referências em inovação e, por isso, não há ainda uma frequência de acontecimentos (cases) que “carimbe” na mídia a nossa presença. Temos cases de sucesso? Óbvio. Mas não há destaques (ainda).

A quantidade de iniciativas surgindo na capital e o envolvimento de entidades públicas e privadas no Movimento Inova+ Sergipe, por exemplo, demonstram que esse não é um tema que deve ser levado como secundário. Ele é prioritário e é dele que virão os resultados, não o contrário. Porém, é normal que tenhamos reconhecimentos tímidos no momento, pois ainda estamos na infância, quiçá na adolescência, definindo que referência ou referências vamos carimbar como selo de nosso ecossistema.

E, sim, isso me preocupa porque impacta nas ações internas e externas de cada startup que surja daqui. Nosso país possui cultura que valoriza muito mais os relacionamentos que os resultados, então dependemos sim da nossa imagem para termos chances, de modo menos difícil, de demonstrar nossos resultados.

Os possíveis caminhos têm relação exatamente com os princípios de inovação:

primeiro: não reinventar a roda, isto é, estudar muito e com profundidade o que é inovação e como foi feito em outras regiões;

segundo: estudar com profundidade e com números honestos as reais necessidades de cada tipo de ator em nosso ecossistema;

terceiro: planejar ações conforme a experiência aprendida no ponto 1, porém sem nunca deixar de verificar se o caminho percorrido está respeitando a bússola, que corresponde ao aprendido no ponto 2. Sem um dos pontos, o outro é mero trabalho. Só servirá para demonstrar que muito trabalho foi feito, mas os resultados não serão efetivos. Assim como numa inovação, numa startup, numa empresa, não adianta produzir algo perfeito e moderno, mas que ninguém quer.

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Thiago Noronha Vieira | E-mail: thiagonoronha@acnlaw.com.br

Advogado. Sócio do Álvares Carvalho & Noronha – Advocacia Especializada (ACNLaw). Pós-Graduado em Direito Empresarial pela PUC/MG. Presidente da Comissão de Direito Privado e Empreendedorismo Jurídico da OAB/SE. Diretor Jurídico do Conselho de Jovens Empreendedores de Sergipe (CJE/SE).

Siga-me no instagram @thiago.nvieira

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