terça-feira, 23/04/2024
Três jornalistas sergipanos contam um pouco de suas histórias

As histórias dos correspondentes

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Viver para contar. É assim, vivendo para contar histórias todos os dias, a lida dos jornalistas brasileiros.  Em outros tempos poderia até se dizer que, logo cedo, você, leitor,  ficaria bem informado quando o jornal, quentinho feito pão e com cheiro da rotativa, chegava a sua casa e era, digamos, um acompanhamento para o café da manhã. E ainda o  é. Só que hoje junto ao jornal impresso há os jornais na internet, que nunca dormem e são atualizados minuto a minuto, e os canais de TV que nunca desligam. São novos tempos e um fato que aconteceu lá do outro lado do mundo chega até você num piscar de olhos.

Mas em outros tempos,  que o protótipo de um “celular” só existia na sola do sapato do agente Maxwell Smart, do seriado de TV Agente 86, os jornalistas tinham que ter no bolso as fichas do telefone público para se comunicar com a redação, seja no Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. E ainda ter horário para mandar as matérias que, num passado recente, eram enviadas por telex, aparelho que hoje é uma portentosa peça de museu.

Para uma geração que só conhece, também, no  museu a máquina de escrever e outra que era veloz na datilografia,  o Só Sergipe convidou três jornalistas sergipanos para que contassem, em primeira pessoa, um pouco de suas histórias como correspondentes de grandes jornais brasileiros: Adiberto Souza, do extinto Jornal do Brasil;  Ofélia Onias, do Correio Braziliense; e Milton Alves, de O Globo. Eles atuaram numa época  em que  a tecnologia dava os primeiros passos e hoje são testemunhas oculares da evolução do jornalismo, integraram-se às novas ferramentas, enfim, estão totalmente antenados.

Se a internet e as redes sociais mudaram o mundo, a depender do uso,  para melhor ou para pior – que o digam as fake news – uma coisa não mudou: o  efêmero poder, que enfeitiça o homem desde que o mundo é mundo. Esses jornalistas contam como pessoas “poderosas” os perseguiram por não concordarem com as reportagens que escreveram e, como acontece ainda hoje, no século XXI,  foram até os donos dos jornais para pedir-lhes as respectivas cabeças. Ou seja, a demissão.

São por  essas histórias saborosas, cheias de coragem, perspicácia que você leitor vai viajar agora, como um presente para todos pela data especial para nós jornalistas.

Hoje, 7 de abril,  é o  dia do jornalista, instituído em 1931 pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em  homenagem ao médico e jornalista Giovanni Battista Líbero Badaró, morto por inimigos políticos poderosos em 1830.

O Só Sergipe se congratula com os cerca de 1 mil jornalistas sergipanos  – 700 deles sindicalizados – e todos os colegas do Brasil por tão significativa data.

 

A minha passagem pelo Jornal do Brasil

Adiberto Souza (*)

Ingressei no Jornal do Brasil em julho de 1987 para trabalhar como correspondente em Sergipe, substituindo o saudoso colega Paulo Barbosa, que havia pedido demissão. Eram outros tempos, sem as facilidades de hoje. Não havia celular nem internet. Meu contato diário

Orelhão

com o JB era via telefone convencional e telex, um aparelho enorme, instalado na casa de meus pais, onde eu morava. Pelo telex, eu recebia as pautas e repassava as matérias. Para enviar fotos só através do malote da Vasp, por onde também me chegavam as bobinas e as fitas do barulhento telex.

Como eu passava a maior parte do dia na rua, usava os orelhões para saber se havia chegado alguma pauta urgente pelo telex. Portanto, podia faltar tudo no bolso, menos as fichas telefônicas. O JB pagava um fixo mensal para bancar a gasolina do fusquinha, com o qual me deslocava para cumprir as pautas. O jornal também reembolsava o trabalho dos colegas repórteres-fotográficos, contratados para me acompanhar em determinadas pautas, tanto na capital quanto no interior do estado. Não havia pechincha, mas se cobrava resultados.

Tudo muito perto

Na década de 80 Aracaju era uma cidade pequena e tudo acontecia praticamente no centro da cidade. Ali estavam o Palácio do Governo, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, a Prefeitura, os jornais diários, as emissoras de rádio, o Tribunal de Contas do Estado, os cabarés, a casa do arcebispo, alguns hotéis, a Câmara de Vereadores – à época instalada em frente à Rodoviária Luiz Garcia, no mesmo trecho da Polícia Federal – e o Bar e Restaurante Cacique Chá, este no Parque Olímpio Campos. Ali ao lado da Catedral também ficava a banca de revista do amigo Careca onde, todas as tardes, eu retirava dois exemplares do JB, enviados do Rio exclusivamente para o correspondente: um charme!

O Cacique Chá era o “escritório” dos correspondentes de Sergipe. Nos fins de tarde, eu, Eugênio Nascimento (Folha de S. Paulo), Milton Alves (O Globo), Ofélia Freire (Correio Braziliense) e José Andrade (Estadão) nos reuníamos para discutir como foi o dia, trocar informações, avaliar futuras pautas e, naturalmente, beber umas cervejas. O saudoso colega Jurandir Santos (Diário de Pernambuco) nunca participava destas reuniões, pois neste horário fechava as páginas de esporte do Jornal de Sergipe. Outros e outras jornalistas também frequentavam a animada roda de conversa, que sempre entrava noite a dentro.

Não recordo quantas matérias emplaquei no Jornal do Brasil, muitas de página inteira, como a que assinei, juntamente com o editor do JB, Marcelo Pontes, sobre os assassinatos de menores no centro de Aracaju por policiais civis custeados por comerciantes, que queriam “limpar a área”. Outros garotos também só não foram mortos graças ao juiz de menores José Rivaldo, que os mandou pra fora do estado. Essa reportagem teve um box assinado pelo jornalista Tim Lopes, posteriormente assassinado por traficantes no Rio de Janeiro.

Queixa rendeu um estágio

Na foto, Adiberto (com irretocável barba)  entrevistando para o JB o então deputado federal José Genoino (PT), acompanhado pelo saudoso ex-vereador de Aracaju, Gilvan Melo (PT), no Hotel Parque dos Coqueiros, na Praia de Atalaia Foto: Geraldo Santos

Outra matéria que repercutiu muito foi uma sobre o Projeto Califórnia, em Canindé do São Francisco, considerado, à época, o projeto de irrigação mais caro do mundo (US$ 18 milhões). Levei três meses entre a coleta de dados e o texto final. Lembro que o então ministro do Interior e ex-governador João Alves Filho não gostou da reportagem contra a obra de seu governo e foi pessoalmente reclamar de mim na sede do Jornal do Brasil. Como “castigo”, o JB me convidou para um estágio de dois meses no Rio de Janeiro.

Lembro de ter conseguido um generoso espaço – com charge e tudo – na página de Comportamento do JB graças a um simples anúncio nos classificados do Cinform com o título: “Precisa-se de mulher feia”. Fui ver de que se tratava e me deparei com um circo de horrores, onde pessoas fantasiadas de monstros assustavam os espectadores. Interessante que para serem contratadas, as dezenas de candidatas ao emprego admitiram que realmente se achavam feias, horríveis. E nem precisava disso, pois elas atuavam usando máscaras de monstros.

Ser correspondente do JB foi a melhor experiência que tive como jornalista. Nesse período, aprendi a enxergar Sergipe de fora pra dentro, separar um fato jornalístico de uma pendenga paroquial sem importância. Também precisava ser sucinto, pois não era fácil conseguir um espaço no Grande Jornal do Brasil. Como trabalhava sozinho, me aperfeiçoei em todas as áreas. Eu tinha que produzir matérias de política, polícia, esporte, sociedade, economia, comportamento, etcetera e tal. Era pau pra toda obra!

No governo de Fernando Collor de Melo a imprensa do Sudeste entrou em crise financeira e começou a dispensar os correspondentes. Recordo que eu estava no Cacique Chá quando um dos garçons veio à mesa me dizer que tinha alguém no telefone querendo falar comigo: era o editor do JB para me comunicar, todo sem jeito, que eu estava sendo mandado embora. Como já esperava por isso, pois outros colegas do Nordeste já haviam sido dispensados, retornei e continuei bebendo a minha cerveja. Ora, vão-se os anéis, ficam os dedos. Foi assim a minha passagem pelo Jornal do Brasil!

(*) Foi correspondente do Jornal do Brasil e atualmente é CEO do site Destaque Notícias e colunista da Infonet.

Minha experiência como correspondente do Correio Braziliense

Ofélia Onias (*)

A minha passagem pelo Jornal Correio Braziliense se deu no início de 1988, com a redemocratização do país. Buscando expandir sua atuação, o CB, sediado em Brasília e tendo o foco principal de notícias o Planalto Central, viu a necessidade de ampliar os horizontes e criou uma página com notícias diárias de todos os estados do Brasil, exigindo a contratação de correspondentes. Meu nome foi indicado pelo sergipano e um dos mais importantes jornalistas de Brasília, Armando Rollemberg.

Eu tinha como obrigação diária enviar duas notas sobre os principais fatos ocorridos no estado. Os demais colegas também enviavam e assim era fechada essa página nacional. Mas isso não me limitava, porque, além das notas, fatos relevantes tinham destaques garantidos, assim como pautas especiais eram executadas.

Fac-símile do Correio Braziliense com matéria de Ofélia Onias

Cobri para o Correio Braziliense fatos importantes da política sergipana, a exemplo do impeachment do então prefeito Jackson Barreto pela Assembleia Legislativa de Sergipe. Somente jornalistas credenciados e os deputados tiveram acesso ao plenário. Quando a sessão se encerrou, a Praça Fausto Cardoso estava lotada de gente, um trio elétrico com políticos se revezando em discursos pela defesa de JB. O cenário assustou aqueles que precisavam sair da Assembleia, como nós jornalista. Saí junto com Milton Alves, correspondente de O Globo, se esgueirando na calçada, até chegarmos à Rua João Pessoa. Todos os correspondentes conseguiram manchete nesse dia.

Outro episódio que me marcou foi uma manifestação de professores que a polícia do então governador Antônio Carlos Valadares usou de violência para dispersar a multidão. Dentre os manifestantes agredidos estava o ex-governador Marcelo Déda, naquela ocasião sem mandato. Consegui manchete de página com matéria assinada e chamada na primeira página. Quase perco meu emprego no Estado por tal matéria.

A história de Zé do Baião, o dono de um bar na praia do Abaís que manteve um “harém” até a sua morte, também teve destaque no CB. Consegui meia página e a ilustração com uma bela charge, já que não dispunha de fotógrafo. Foram várias as reportagens que consegui destaque especial com chamada na primeira.

O Correio Braziliense não me ofereceu a estrutura dos demais correspondentes, a exemplo de Adiberto Souza, Milton Alves e José Andrade. Num tempo em que não tinha celular nem internet, as matérias eram enviadas diariamente pelo telex da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Tinha que fechar até as 16h30 porque, às 17 horas, os Correios encerravam o expediente.

Nos fins de semana quem me socorria era Adiberto Souza que dispunha de um telex em casa. Ele era correspondente do Jornal do Brasil. Durante a semana, quando a apuração da notícia não nos permitia fechar antes das 17 horas, usava o telex da Secom. Os secretários de Comunicação autorizavam essa cortesia para os correspondentes. Com a posse de Fernando Collor os jornais entraram em crise e o Correio Braziliense encerrou as correspondências em quase todos os estados.

(*) Foi correspondente do Correio Braziliense e atualmente é assessora da Secom e produtora dos programas de rádio e TV do Sebrae

O “esquerdismo da Igreja” e  a visita do papa João Paulo II

Milton Alves (*)

O mundo virou profissionalmente. Em setembro de 1978, já atuando na imprensa de Sergipe há nove anos, minha Carteira Profissional foi assinada pelo O Globo – Empresa Jornalística Brasileira Ltda. As pautas mudaram de conteúdo, os textos ganharam dimensão nacional e fatos coloquiais raramente se tornaram indicativos de textos. A atenção das fontes se tornou mais abrangente, diante da possibilidade de ser notícia nacional, em O Globo ou na Agência O Globo que distribuía o material para seus assinantes.

Foram 15 anos a me apresentar como correspondente de O Globo. Cresci profissionalmente, até pelo dia a dia convivendo com profissionais muitos deles professores nas maiores Faculdades de Comunicação do Brasil. E essa convivência me fez, também, ampliar a minha visão sobre o Estado de Sergipe nos campos político, econômico e social. Nem tudo foram flores: no Dia do Soldado, em 1985, o então arcebispo de Aracaju dom Luciano José Duarte fez um pronunciamento no 28° Batalhão de Caçadores e se queixou do que classificou “esquerdismo na Igreja” e defendeu uma cruzada nacional anticomunista.

Crendencial para ver o papa

O Globo deu destaque, e logo o arcebispo escreveu uma carta para a redação do jornal desmentindo o fato e nas entrelinhas pediu a minha demissão. Fui obrigado a voltar ao 28° BC para repercutir o discurso. Gravei entrevistas com oficiais, que confirmaram o discurso se distanciando da pregação do religioso com a justificativa de que era o pensamento dele, e encaminhei a fita à redação da sucursal em Salvador. O jornal na seção cartas publicou resumo do texto de dom Luciano Duarte e em negrito observou que a matéria havia sido correta.

Três dias depois desse episódio, dom Luciano Duarte foi convocado pelo Papa João Paulo II para um encontro em Roma. Ao chegar à Arquidiocese me identifiquei e a funcionária, uma madre atenciosa, pediu-me para esperar. A espera para ser atendido por dom Luciano Duarte durou das 8 horas da manhã às 17 horas. A entrevista foi concedida, com um detalhe: foram três perguntas que ditei para o religioso, que usando uma máquina de escrever copiou e as respondeu. Ele e eu assinamos o documento, publicado integralmente com uma nota de abertura.

Em julho de 1984, dia 14, morreu o ex-governador Leandro Maciel. No velório, o então presidente nacional do PDS Augusto Franco declarou para O Globo que “ou o partido vai para as ruas catar votos em favor de Paulo Maluf ou perde a eleição no Colégio Eleitoral para Tancredo Neves”. Tancredo Neves, PMDB, se elegeu presidente da República. Essa declaração valeu manchete de primeira página em O Globo. Em julho de 1980, fui escolhido a compor a equipe de jornalistas de O Globo que cobriu a visita do Papa João Paulo II a Salvador – foi minha experiência internacional. No Dia do Jornalista, meu fraterno abraço a todos!

(*) Milton foi correspondente do Jornal O Globo e  hoje é diretor industrial da Segrase.

 

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Sobre Antônio Carlos Garcia

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