sexta-feira, 19/04/2024
Lepra

A lepra não pegou o poder público!

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Por Charles Albuquerque (*)

 

Na coluna anterior (A lepra ainda está no meio de nós), falamos da importância do autoexame no diagnóstico precoce da hanseníase.

Hoje, faremos justiça ao cidadão falando da importância do Estado no controle dessa endemia que silenciosamente mutila, principalmente, mãos e pés da classe menos abastada.

Por uma política passiva, o Brasil amarga uma triste estatística no cenário mundial quando o assunto é hanseníase. Nós somos o segundo país em número de detecção de casos de hanseníase no mundo, perdendo apenas para Índia que tem uma população absoluta 7 vezes maior que a nossa.

Para alguns analistas, o fato de ter uma grande detecção, mostra uma boa atuação do Estado e das políticas de saúde na sua capacidade de detectar a doença. Entretanto, outra leitura precisa ser feita. Uma delas aponta para o fato de os números de casos estarem aumentando a cada década: entre 2007 e 2017 foram diagnosticados em torno de 50 mil casos novos da doença. Recentemente, apenas em 2022, foram diagnosticados 17 mil novos casos e, em 2021, 18 mil novos casos. Outro dado de alerta, é o fato de um grande número de pessoas ser diagnosticado apenas quando as sequelas irreversíveis já estão instaladas.

Sabendo-se que o ciclo de transmissão da hanseníase é facilmente interrompido, bastando, para isso, detectar a pessoa infectante e iniciar o tratamento precocemente. Pronto! Acabou o risco de transmissão! É isso! Fácil assim! Então, por que o número de casos, e de casos graves, tem aumentado nas últimas décadas?

A resposta é simples: Depois do avanço histórico, no diagnóstico e tratamento precoce da doença, alcançado no final do século passado, as políticas governamentais e as instituições de ensino baixaram a guarda e a hanseníase voltou ao anonimato acadêmico e à negligência histórica.

Dos 193 países que se comprometeram com a OMS (Organização Mundial de Saúde) a reduzir os casos de Hanseníase (para 1 caso a cada 10 mil habitantes) apenas quatro ainda não conseguiram, e o Brasil é um deles, ao lado de Moçambique, Congo e Nepal, países que não gozam da mesma primazia financeira que nós, nem de longe, da mesma estrutura de saúde e de saneamento básico.

 

O Controle da hanseníase, é de responsabilidade do SUS através dos estados e municípios. É preciso que os poderes públicos acordem para a necessidade de colocar essa doença sobre responsabilidade de todos. A descentralização de ação e de recursos é fundamental para que essa doença saia, rapidamente, do mapa das endemias silenciosas que ancoram o ‘Brasil na idade média’ quando se trata de eficiência no controle dessa endemia. Embora exista portaria ministerial regulamentando todas as ações que precisam ser implementadas para o diagnóstico e tratamento precoce da hanseníase, infelizmente, as letras mortas não pulam do papel para executarem as ações nelas impressas: na vida real o bacilo está ganhando.

A política de saúde passiva – aquela que aguarda o paciente suspeitar da doença em si para buscar, voluntariamente, um serviço saúde e investigar uma manchinha suspeita (ou seja, o sistema de saúde é passivo na detecção dos casos), precisa ser, rapidamente, renovada não só através de campanhas regulares de conscientização, mas também, de buscas ativas no perímetro domiciliar de cada caso novo diagnosticado (como norteiam as diretrizes do Ministério da Saúde), o chamado rastreio de contactantes, essa é a única forma de retirar com eficiência a hanseníase de circulação.

Só a detecção precoce pode interromper esse ciclo tão silencioso quanto nefasto de um mal que vive entre nós desde os tempos remotos. Um ciclo que pode ser interrompido já nos primeiros quatro comprimidos. Só pacientes com a forma avançada da doença podem transmitir o bacilo de Hansen, entretanto, essa forma grave leva cinco a dez anos para ser desenvolvida. Ou seja, uma pessoa que está transmitindo a hanseníase, agora, está com a doença sem saber há, pelo menos, 5 anos. Como assim? Pode ser? Por que, doutor? Perguntas que não deveriam ficar sem respostas.

A resposta é simples, esses casos só estão transmitindo a hanseníase porque o Estado não cumpriu a tarefa de casa, porque não está sendo capaz de fazer a detecção precoce que ele se comprometeu a fazer.

E o pior é saber que o nosso Sistema de Saúde Municipal já tem todo aparato para essa abordagem. Sendo a hanseníase, uma doença de notificação compulsória, basta que as notificações sejam realmente realizadas e repassadas aos municípios afetados. As próprias equipes de Saúde da Família podem ser acionadas para realizarem a busca ativa ou o rastreio de contactantes a partir do caso índice notificado.

Decisão política é nome da chave que abre essa abordagem.

Consciência epidemiológica é nome da energia que move os profissionais.

Amor por uma causa é nome da força que nos faz superar os obstáculos para alcançar objetivos maiores que nós.

Na última coluna, desejei a você, leitor, que tirasse o melhor proveito das informações. Hoje desejo que o Estado e o Município tirem um excelente proveito dessas informações para que os cidadãos usufruam do direito de não terem um paciente grave transmitindo, desnecessariamente, a hanseníase no seio da sociedade. Afinal, viver à flor da pele não é uma opção, é uma condição.

 

O Dote de Letícia

“…O Brasil presidencialista continua tão sequioso pelos recursos imediatos dos impostos quanto o era a Coroa Real do Brasil Colônia. Por isso, não há espaço nem sentimento patriota para se abrir mão de recursos do presente a fim de construir o país do futuro. Não há massa encefálica para isso. As cabeças pensantes do Brasil foram instruídas para servirem ao Estado – guloso, pseudocapitalista, imediatista, desumano e falacioso – em vez de serem preparadas para liderar o país…” (Trecho de O Dote de Letícia – Pág. 90)

 

 

Um grande abraço.

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Sobre Charles Albuquerque

Charles Albuquerque
Médico, expert em feridas.

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