sexta-feira, 06/12/2024

O mágico, o fantástico…

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Por Léo Mittaraquis (*)

 

Há muito tempo imaginei um conto fantástico, à maneira de Leon Bloy: um teólogo dedica toda a sua vida a refutar um heresiarca; ele o derrota em polêmicas intrincadas, o denuncia, o queima; no céu ele descobre que para Deus o heresiarca e ele formam uma única pessoa.

Jorge Luís Borges – Obras Completas

 

A dica para este artiguete me veio pela pena elegante da querida amiga pesquisadora, escritora e memorialista Acácia Rios. Ufa…!!! Salvou-me a pele. Estava eu a dar tratos à bola assuntando de qual assunto iria produzir as linhas pro sábado este, dia 9 de novembro. No seu belo texto publicado no Só Sergipe, Acácia citara o escritor Humberto de Campos, mestre do realismo mágico/fantástico. Ontonce eu disse aos meus botões: Opa! Já sei! Vamos de realismo mágico ou realismo fantástico, como queiram. Este gênero literário me pegou de jeito quando, próximo aos dezoito anos, li mediante coleção da Abril Cultural, a “Literatura Comentada”, sobre a obra do escritor Murilo Rubião. Antes disso, tinha lido pouca coisa de Borges, e não entendera bem que tipo de literatura era aquela. Certo que, desde uns onze anos, já era familiarizado com a produção contística e novelística de Edgar Alan Poe, na linha do horror e do policialesco. Há quem inclua Poe entre os escritores que se valem do realismo mágico/fantástico, mas é um equívoco.

Ah, Julio Cortázar (e seu “Bestiário”), o próprio Humberto de Campos (“O Monstro e outros contos”), Adolfo Bioy Casares (“A Invenção de Morel”), Borges (“O Aleph” e “O Livro de Areia”) et ali…

E pra não ficar a incorrer nesta frescura mágico/fantástico, optarei pelo primeiro adjetivo. O improvável leitor que se sinta à vontade para classificar como quiser.

Vamos de Rubião, de primeira: após saber da respectiva existência, pelo fascículo dedicado a ele, na coleção “Literatura Comentada”, catei, um tanto sôfrego, pela obra completa. Não demorou muito, estava eu com a cara enfiada em seus livros. Apaixonado, maravilhado com forma tão peculiar de narrativa.

Lido o “O Ex-mágico da Taberna Minhota” seguiu-se a supracitada e resumida lista de autores e títulos.

Jorge Luís Borges, detentor de extensa obra, operou com destreza pelos campos do realismo mágico. Adquiri, primeiramente, a coleção publicada pela Globo. Li toda ela em menos de três dias. “O Aleph”, “O Milagre Secreto”, “A Morte e a Bússola”, “O Livro de Areia”, “O Informe de Brodie” são alguns dos contos borgeanos que releio.

Julio Cortázar: como no caso de Borges, teria eu lido, aqui e ali, um conto ou outro, durante a década de setenta. No início dos anos 90, chegou-me, mediante a coletânea, em capa dura, na coleção “Mestres da Literatura Contemporânea” (Edições Record – Altaya), intitulada “Todos os Fogos o Fogo”. Outra experiência do maravilhar-se. Entre os contos desta coletânea, o meu preferido é o primeiro do livro: “A Autoestrada do Sul”. Ao leitor desavisado, parecerá um mero relato sobre congestionamento de trânsito num domingo à tarde, que envolve dezenas de motoristas e respectivos passageiros na volta de Fontainebleau para Paris. Bem, Cortázar é o autor…

E Bioy Casares? Seu “A Invenção de Morel” ou “A Invenção do Senhor Morel” foi dedicado a Jorge Luís Borges. Em 1932, Victoria Ocampo apresentou Casares a Jorge Luís Borges, que a partir de então tornou-se seu grande amigo e com quem escreveu diversas histórias policiais sob vários pseudônimos, sendo o mais conhecido “Honorio Bustos Domecq”.

Terá o leitor, com toda certeza, percebido que não estou a proceder com análises detalhadas e nem a eivar o texto de várias referências, vários aportes. Motivo? Preguiça fidumaégua a acossar-me por esses dias. Ando vadio, tardo na ação…

Quem sabe se, para não ficar de todo mal na foto, possa eu acrescentar algumas linhas, em nada originais, sobre o gênero mesmo, sem ir a fundo na produção de cada autor.

Pois bem: no interior de uma obra reconhecida como pertencente ao realismo mágico, nosso mundo continua ainda fundamentado no mundo real. Contudo, elementos fantásticos são incluídos. Tais elementos não provocam surpresa, espanto, terror, nos personagens, pois, são considerados normais nesta concepção de mundo.

A expressão (que se tornou definição, classificação) “realismo mágico”, até onde sei, provém do primeiro terço do século XX.  Viria, creio da expressão “magischer realismus”, que foi “traduzida” como “realismo mágico”. A expressão foi usada, pela primeira vez, aparentemente, em 1925 pelo crítico de arte alemão Franz Roh, em seu livro “Nach Expressionismus : Magischer Realismus” (algo como “Depois do Expressionismo: Realismo Mágico”).

A expressão se referia mais às artes plásticas do que à literatura, em razão do aparecimento da “Neue Sachlichkeit”, ou Nova Objetividade, estilo de pintura que se tornou popular na Alemanha, sendo visto como alternativa ao romantismo do expressionismo.

Há, também, quem afirme (não tenho motivo para objetar) que o termo realismo mágico, direcionado de forma técnica e teórica à literatura, é uma designação relativamente recente, utilizada pela primeira vez na década de 1940, pelo romancista cubano Alejo Carpentier, que reconheceu essa característica em grande parte da literatura latino-americana. Alguns estudiosos postularam que o realismo mágico é um resultado natural da escrita pós-colonial, que deve dar sentido a pelo menos duas realidades separadas — a realidade dos conquistadores e a dos conquistados.

Ora que seja!

Em 1955, o crítico literário Angel Flores valeu-se do termo realismo mágico num ensaio, afirmando que aquele combina elementos de realismo mágico e realismo maravilhoso. Flores nomeou o autor argentino Jorge Luís Borges como o primeiro “realista mágico”, com base na coletânea de contos (os quais não se assemelham a contos como estava eu, até então, acostumado a considerar), “Uma História Universal da Infâmia”, publicada pela primeira vez, se não me falha a embolorada memória, em 1935.

Um dos textos me chamou muito a atenção. Intitulado “O Fornecedor de Iniquidades, Monge Eastman”, do qual a morte descrita me encanta sempre: “Em 25 de dezembro de 1920, o corpo de Monk Eastman foi encontrado em uma das ruas centrais de Nova York. Ele havia sido baleado cinco vezes. Um feliz estranho até a morte, um gato de rua, tipo comum, andava ao seu redor com certa perplexidade”.

Aí está este arremedo d’artigo.

Santé!

 

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Sobre Leo Mittaraquis

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Léo Mittaraquis é graduado em Filosofia, crítico literário, mestre em Educação. Mantém o Projeto "Se Comes, Tu Bebes". Instagram: @leo.mittaraquis

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