Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Em que pesem as suas esquisitices, manias e polêmicas, como a de se calar e ter sido omisso durante a Ditadura Militar no Brasil ou bater boca com fã em show, passados tantos anos de vida e de carreira, seu legado segue tendo uma especial atenção e importância. Com 84 anos de idade, ainda em plena atividade artística, Roberto Carlos Braga (Cachoeiro do Itapemirim-ES, 1941) está entre os maiores cantores do país, atravessando o tempo com um talento singular e um repertório que ainda inspira e diz muito ao nosso tempo.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, o que seria uma tarefa árdua, hercúlea e impossível, o presente artigo quer revisitar a obra de Roberto Carlos a partir de cinco eixos temáticos: Rock and roll; romantismo; mulher(es); religiosidade Católica; pessoa, lugares e outros temas. Em cada um deles, há canções-símbolos que marcaram épocas e se tornaram atemporais. Há, também, um esforço do artista em resistir e, ao mesmo tempo, dialogar com as demandas dinâmicas da existência humana e do mercado fonográfico brasileiro. Seja na produção anual de novos LPs, CDs, DVDs, seja através de seus especiais realizados na TV Globo, e a disponibilização de seu vasto e rico repertório nas plataformas digitais.
Um dos grandes nomes do movimento Jovem Guarda, anos 60, na onda dos Beatles, Roberto Carlos, ao lado de Erasmo Carlos (seu principal parceiro) e Wanderléa, sacudiram a juventude brasileira com hits como “Splish Splash“, “É proibido fumar” e “O calhambeque”. Nesse embalo, também fez sucesso com o filme “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968), com canções como “Eu sou terrível”, “De que vale tudo isso” e “Quando”. Ainda na toada do rock nacional, destaque para “As curvas da estrada de Santos” (1969) e a minha predileta “120… 150… 200 km por hora” (1970), famosa também na voz do cantor sertanejo, Leonardo. Amante de carros e da velocidade, Roberto Carlos, em 1971, protagonizou o filme “Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora”.
Quando o assunto é romantismo, Roberto Carlos, ao lado de Erasmo Carlos, é um dos maiores e consegue imprimir em suas canções sentimentos não somente de décadas anteriores à nossa, mas também de todos os tempos. Um romantismo clássico, mas também algo que lembra muito o que chamamos hoje de “sofrência”. Nessa pegada, poderia aqui enumerar diversas delas, mas, darei destaque a algumas que eu considero modelares ou até mesmo icônicas, algumas delas regravadas por vários outros artistas brasileiros. Nesse sentido, para além de “Amada Amante” (1971), “Detalhes” (1971), “Outra vez” (1977) e “Café da Manhã” (1978), destaco “Evidências”, composta por José Augusto e Paulo Sérgio Valle em 1989, sucesso também, no ano seguinte, com Chitãozinho e Xororó. Sem falar em “Esse cara sou eu”, de 2012. Para mim, a síntese do tipo ideal de homem que ama uma mulher.
E por falar em mulheres, Roberto Carlos está entre os artistas que melhor a traduziram, com o respeito e a atenção que elas merecem. Tendo sido casado com três delas (Cleonice Rossi, Myriam Rios e Maria Rita), esta última o grande amor de sua vida (falecida em 19 de dezembro de 1999, aos 38 anos, em razão de um câncer de útero), Roberto imprime em suas canções, além de muito romantismo, como já vimos, a essência da mulher brasileira. Em 2009, lançou um projeto em homenagens a algumas mulheres, cantando, ao vivo, com algumas delas, a saber: Hebe Camargo, Alcione, Daniela Mercury, Luiz e Sisi Possi, Fafá de Belém, Wanderléa, Fernanda Abreu, Marina Lima, Adriana Calcanhoto, Ivete Sangalo, Marília Pêra, Sandy, Rosemary, Paula Toler, Mart´nália e Nana Caymmi. Entre seus sucessos, tendo a mulher ou mulheres como tema, destaco: “Pra ser só minha mulher” (1977), “Lady Laura” (1978), em homenagem à sua mãe, Laura Moreira Braga, “Mulher (sexo frágil) grande sucesso com Erasmo Carlos – 1981”; além de uma sequência de tipos diferentes, fora do padrão, como “Mulher pequena” (1992), “O charme dos seus óculos” (1995) e “Mulher de 40” (1996) e, a mais recente, “A mulher que eu amo” (2012), da qual ressalto o trecho “A mulher que eu amo é o ar que eu respiro e nela eu me inspiro pra falar de amor…“.
Mariano incondicional e apaixonado, A Virgem Maria é a grande inspiração de Roberto Carlos para a sua seara de sucessos católicos. Nesse sentido, “Nossa Senhora” e o “Terço” são hits primorosos. Sem falar em sucessos outros como “Força Estranha”, “Fé”, “Estou aqui”, “Ele está para chegar”, “Aleluia”, “Jesus Salvador”, “O Homem” e o clássico “Jesus Cristo”, de 1970. Afora “Todos Estão Surdos”, de 1971, que embora possa ser inserida na categoria rock in roll, é uma canção religiosa, uma das minhas favoritas de seu repertório, da qual ressalto o seguinte verso que diz: “Meu Amigo volte logo / Vem olhar pelo meu povo / O amor é importante / Vem dizer tudo de novo”, numa clara referência a Jesus Cristo, sobretudo quando ele diz “um cabeludo falou’.
Por fim, do eixo temático pessoas, lugares e outros temas, dou especial atenção à música “O portão”, de 1974. A letra é uma tradução perfeita de um retorno, de uma volta para casa. Poderia ser atribuída à volta do filho pródigo, mas também de alguém que retorna de viagem com saudades de casa e por aí vai. Mas nada se assemelha ao verso “meu cachorro me sorriu latindo”, expressão esta que volta a ter novo sentido em “Nível de carência”, de Pablo, 2015, no trecho “É que eu estou, num nível de carência /Que se meu cachorro late, eu escuto eu te amo”.