Nilton Santana (*)
É interessante conversar com alguém que é reflexivo. Alguém que sempre está averiguando as suas ideias e também considera aquilo que o outro diz. Preferível conversar com o reflexivo a conversar com alguém que possui ideias dogmáticas, alguém que não aceita novas ideias, pensamentos ou visões de mundo.
Necessário ter maneiras de proceder em conversas com pessoas dogmáticas porque são a imensa maioria dentre os humanos. Pessoas dogmáticas são a regra, pessoas reflexivas são a exceção. Conversar com as pessoas reflexivas é necessário e prazeroso; já conversar com as pessoas dogmáticas é somente necessário. Não há como nos fecharmos em bolhas para que apenas as pessoas reflexivas adentrem; o mundo obriga uma interação para com os dogmáticos também.
Portanto, o prudente toma alguns cuidados ao conversar com pessoas dogmáticas, já que muitas vezes os dogmáticos encaram como afronta pessoal discordâncias de qualquer natureza. Mesmo que você não rebaixe ou ridicularize a opinião do outro, mesmo que você não desdenhe e seja altamente respeitoso, pode acontecer do dogmático sentir-se pessoalmente atingido com a voz discordante.
Então, como proceder? Não existem aqui garantias de sucesso, existem apenas maneiras de aumentar a sua possibilidade de ser seriamente compreendido. A primeira coisa a ser feita é notar se o “dogmático” é você. Isso sempre requer um exercício de ponderação constante. Se quero ser reflexivo convém sempre estar analisando suas próprias concepções. Eu sei que isso dá trabalho, por isso que poucos se aventuram. A boa notícia é que pessoas reflexivas dominam mais a si mesmas, são menos passíveis de serem manipuladas. A plantação do reflexivo é trabalhosa, mas o seu fruto é mais saboroso.
Depois de observar você mesmo, e identificar que o próximo é dogmático, a segunda coisa a fazer é abrir mão de toda e qualquer intenção de “convencer”. Aliás, quando temos essa postura estamos comunicando com muita arrogância que aquilo que o outro pensa é inútil, não serve, não presta. Ora, cada ser humano possui o seu caminho, e o caminho do outro pode levá-lo a lugares que você mesmo ainda não chegou. O outro pode estar errado agora, mas no futuro caso a sabedoria da experiência bata na porta da sua consciência, poderá sim se tornar um ser reflexivo. As experiências equivocadas não são totalmente inúteis, elas nos dão repertório para a vida.
Após seguir o primeiro e o segundo passo, qual seria a melhor forma de conversar com uma pessoa dogmática? Qual a maneira mais efetiva? Lembro outra vez que não há garantias, apenas formas de aumentar as possibilidades de ser compreendido. Para aumentar as possibilidades de ser compreendido, geralmente, eu digo: “olha, penso de outra maneira. Posso estar errado, mas vamos observar os fatos?”
Essa é a maneira mais sutil de se contrapor a alguém. Lembrando que você também deve estar aberto para novas ideias. E vamos deixar de lado a ideia de “acabar com o oponente”, “mostrar a ele que está errado”, isso somente afaga a nossa vaidade.
Dale Carnegie nos ensina bastante sobre isso. Ao admitir sinceramente que pode estar errado, abaixamos a defesa da outra pessoa, e a outra pessoa pode ficar mais confortável em admitir que pode também estar errada.
E, aliás, estar errado não é nada demais. Estar errado significa apenas que temos que ajustar nossas ideias ou percepções. Só isso! O erro é altamente natural e necessário para o amadurecimento. Não existe maturidade sem erro! Deseje acertar, mas normalize o erro. Uma pessoa que sempre quer estar certa, é sempre uma pessoa infantil.
Curiosamente, quem sempre quer estar certo é a pessoa que no final das contas mais erra. A pessoa que admite que pode estar errada é sempre mais prudente, compreende que a realidade possui várias nuances e se dispõe a analisar antes de chegar a alguma conclusão. Conclusão que pode se modificar caso sejam apresentados novos fatos ou novas visões de mundo.
O dogmático apega-se à sua conclusão, então toda e qualquer conversa se baseia no ato de confirmar a sua conclusão. Já o reflexivo analisa as premissas para chegar honestamente a uma conclusão.
A pessoa reflexiva compreende que pode estar errada e está bem com isso! Essa pessoa é adulta o suficiente para aceitar o seu próprio erro e abraçar uma visão mais abrangente da realidade. A pessoa reflexiva sempre tem a postura de dizer a si mesmo: “Ah, eu estava errado sobre tal assunto, e tudo bem com isso.” O fato de não aceitarmos o erro em nós, faz com que não aceitemos o erro do outro. É a projeção da sombra referida por Carl Jung.
Aceite que você pode errar! E para acertar sempre veja as várias visões, sempre veja os fatos sobre vários ângulos e reflita sobre os vários tipos de pensamentos que por aí rondam. Como falei acima, tudo é uma questão de ajuste. Primeiro erramos, e depois acertamos. É o que acontece conosco desde quando éramos crianças. Aceite isso com naturalidade.
No final de tudo, o dogmático transforma-se em uma pessoa reflexiva quando aceita com naturalidade a possibilidade de estar errado. Quando aceitamos que podemos errar, a sabedoria é convidada para habitar em nossas concepções.
___________________
Referências
CARNEGIE, Dale. Como fazer amigos e influenciar pessoas. 45ª Ed. São Paulo: Editora Companhia Nacional, 1995.
JUNG, Carl. Civilização em transição. Petropólis: Vozes, 2013.
Parabéns do nosso irmão Nilton, pela clareza. Simplicidade e leveza em sua concepção e análise da matéria, feliz ao citar Platão “Não existe verdade absoluta”, parabéns a nossa revista por trazer sempre artigos tão importantes e que nos ajuda a refletir nosso dia a dia.