terça-feira, 23/04/2024
Ansiamos por encontrar nossa “alma gêmea”

A pandemia pode acabar com o AMOR?

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Petruska Menezes (*)

O isolamento necessário para a continuação da vida, em um mundo onde quem está “reinando” só é possível ser visto pelo microscópio, tem causado graves estragos nas relações afetivas. Nosso mundo Ocidental, acostumado com processos de individuação, luta por igualdade de direitos e busca pela felicidade no hoje, sofre com a dificuldade de compartilhar, dividir e lidar com os outros.

No nosso mundo, os pais que têm condições moram em casas com muitos quartos, para cada criança possuir o seu. Gosto de acreditar que isso auxilia na construção da identidade e no processo de individuação, necessários durante a fase de crescimento. Contudo, pessoas que não estão acostumadas a dividir e compartilhar ambientes e coisas terão mais dificuldades de fazê-lo quando adultas. Concordam?

Ansiamos por encontrar nossa “alma gêmea”, a pessoa que possa dividir a vida conosco e ajudar a suportar o vazio existencial que nos habita. Que também possa compartilhar os momentos bons e estar junto nas dificuldades, dando-nos força para continuarmos nossa trajetória e concluirmos os objetivos traçados. Mesmo com essa grande ligação, ainda damos muita importância e prioridade ao individual, em detrimento do coletivo. Se isso é bom ou ruim, somente vivendo é que podemos descobrir.

Os pequenos grandes conflitos dentro de casa Foto: Marcelo Camargo\Agência Brasil

A questão é que a pandemia nos colocou em uma situação única: unidos em casa o máximo de tempo possível e evitando sair para não adoecermos. Muito mais do que ter de desenvolver novos hábitos, temos de passar mais tempo com a nossa família nuclear em ambientes cada vez menores (comparemos as casas de nossos avós com os apartamentos de hoje). Isso pede maior capacidade de renunciar a atividades ou hábitos individuais em função de atividades em grupo, coletivas. Só que estar muito tempo ao lado do outro exige tanto o uso da criatividade e da fantasia quanto o desenvolvimento da paciência, para convivermos com discordâncias, novas ou diferentes formas de pensar. Como alguém que foi criado para pensar e fazer tudo por si pode, de repente, abrir mão de si para ter de construir algo em conjunto?

Este está sendo o maior desafio de muitos casais, principalmente os mais novos. O amor, para sobreviver à realidade, precisa ter como suporte a paciência, a criatividade/fantasia e o amadurecimento. É necessário estar com o outro por inteiro, com suas qualidades, mas também seus defeitos e, para dar certo, o cálculo precisa ter como maior peso aquilo que é sentido como “qualidade”.

Quando se passa muito tempo juntos, aqueles pequenos defeitos e comportamentos irritantes que, normalmente, são suportados no dia a dia, se tornam mais frequentes e, consequentemente, aumenta o desconforto, exigindo maior capacidade de contenção de diferenças incômodas. Não são os grandes problemas que destroem a maioria dos casamentos e das relações. São fatos pequenos, muitas vezes irrisórios que, somados, corroem as ligações amorosas.

Estamos diante do aumento de pequenos fatos, assim, percebe-se que muitos casais estão tendo dificuldades para sustentar sua união, pelo desafio de mudanças de comportamento que precisam ser implementadas por uma maior benevolência com atritos matinais, vespertinos e noturnos. Com criatividade e inovação para fantasiar e rever o espaço de confinamento em que se transformaram os lares pode-se modificar o ambiente, de forma a dar maior conforto aos moradores.

Quando isso não acontece, ainda existe uma “fuga” da residência, contrariando as orientações sanitárias de não sair de casa, para tentar melhorar a saúde mental do casal. Por isso, vemos muitas pessoas ainda frequentando bares e restaurantes, mesmo sabendo que agora temos uma variante do vírus já presente no País e muito mais letal e mais transmissível que o primeiro tipo de vírus identificado.

Em resumo: a pandemia está pondo em xeque o amor! Ouso dizer que não o amor maduro e desenvolvido com o tempo. Ela desafia o amadurecimento do casal, a partir do eixo de cada um. A vivência individualista predominante em nossas vidas – tanto pela cultura capitalista como pela cultura familiar – precisa ser substituída ou alterada por uma prática altruísta (se é que isso é possível – alguns acreditam que até o mais altruísta parte de interesses pessoais de prazer para ajudar os outros, mas esse é assunto para outro artigo).

Então, Petruska, você está dizendo que não existe amor forte o suficiente se as pessoas não puderem ter desenvolvido suas habilidades sociais? Respondo: Mais ou menos. É o amor que auxilia nosso crescimento. Desde o ventre, o amor materno é muito importante para a criança se desenvolver de forma saudável. Em um segundo momento, depois de recebermos algum tipo de amor da forma que nossa mãe e família podem nos dar, é que passamos a desenvolver a capacidade de amar. Essa capacidade pode continuar sendo desenvolvida por nós, em nós mesmos e para os outros, ou ser sucumbida, por outras questões e afetos.

O ponto em questão é que o isolamento pede uma reorganização mental individual, em um funcionamento mental que Freud chama de fase genital, para que possamos nos relacionar com os demais. Não é que o amor tenha acabado, mas ele está passando por uma “prova de fogo”, por um grande e imenso teste, que pede que o casal possa reaprender a estar junto, e mais do que nunca aprender a lidar com as diferenças e desenvolver a flexibilidade de pensamentos e ações para fortalecer o amor, as relações e o vínculo.

Fica mais fácil quando a criatividade dá a sua contribuição, pois amar é colocar um filtro nos olhos e ver um mundo que é cinza, colorido. Podemos pensar sobre isso e rever nossas ações com quem amamos? Não é fácil. Mas você quer vir para a vida e ser “café com leite”? Ou quer aprender, crescer e se tornar uma pessoa melhor? Não faço apologia à convivência com sofrimento, como muitas avós viveram, tendo de permanecer em um casamento por falta de opção. Estou convidando-o para pensar na possibilidade de poder viver bem com o outro, superando todas as dificuldades e acreditando que ainda vale a pena!

(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe, tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit) e em curso Gestão Empresarial pela FGV.

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva da autora.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

 

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