segunda-feira, 22/04/2024
transtorno mental
O fato de o transtorno não ter uma parte visível lesionada, agrava a crença de que existe um problema real Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por que os transtornos mentais ainda são um estigma social?

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Petruska Menezes (*)

Estamos cansados de ouvir que os transtornos mentais são um estigma para a sociedade, mas a verdade é que ainda estamos muito longe da verdadeira compreensão do que é saúde e doença mental. Com exceção dos psiquiatras e de muitos poucos psicólogos (infelizmente), tanto as demais especialidades médicas quanto os psicólogos, principais protagonistas para a percepção do adoecimento, não têm a menor condição de compreender, de fato, o que sente e o que passa uma pessoa com a mente fragilizada. Existe um olhar de autoexclusão, como se o profissional da saúde que o recebe esteja numa realidade muito longe do paciente.

A verdade é que, estatisticamente, até estes profissionais sofrem dos transtornos mentais tanto quanto seus pacientes, mas o que mais acontece é o que, na Psicanálise, chamamos de negação ou desmentido. É quando consciente ou inconscientemente a pessoa nega sua autopercepção pela dificuldade de reconhecer seus limites ou até pelos próprios limites dos transtornos. É necessária uma alta capacidade de autopercepção ou de muita Psicanálise (e particularmente, nesse ponto até o diagnóstico, lamento informar, que só a Psicanálise tem a capacidade de buscar o autoconhecimento a partir do inconsciente) para poder perceber seu modelo de funcionamento e buscar os cuidados necessários para sua melhora.

A grande maioria das pessoas costuma usar frases que mais atrapalham do que ajudam como:

Tenha força que você consegue, você é inteligente e vai se curar disso, se você quiser realmente você sai dessa, por que você não aceita ajuda? Levante e vá fazer alguma coisa que você melhora, isso é psicológico, não tem sentido ficar assim, você tem tudo para ser feliz, não entendo por que está desse jeito, a culpa foi sua de chegar aonde está, por que não muda seu jeito de ser para resolver isso? Isso é falta de Deus no coração, se você orar, irá melhorar logo. Recebe um passe, uma bênção, o Espírito Santo etc., que todo o mal que está encostado em você sairá e você se sentirá melhor.

E ainda: Essas doenças são somente psicológicas, não têm influência genética, portanto é uma situação isolada, não compromete a família. Sou médico, mas não sou psiquiatra; entretanto vou te passar um antidepressivo e isso vai resolver sua situação e se sentir ansiedade, use “esse” ansiolítico. Você está rindo, se divertindo… como pode estar com depressão?

Frases como essas de médicos, familiares, amigos e colegas de trabalho mostram o quanto de desconhecimento existe sobre os transtornos mentais. A Ciência já nos mostra hoje que 90% dos pacientes bipolares trazem isso da sua genética. Pacientes esquizofrênicos normalmente possuem algum parente com comportamento similar. Os avanços neurocientíficos a cada dia mostram que há alteração química cerebral nesses tipos de pacientes, então não é falta de vontade, falta de terapia, preguiça ou ausência de Deus que os levaram a essa situação, mas uma série de variáveis que começam com o componente genético e podem ou não ser desencadeadas pelas dificuldades inerentes à vida. Lutos, perspectivas irreais, excessiva autocobrança ou cobrança dos próximos, entre muitas outras coisas, podem desencadear os processos.

Outra falsa crença é confundir emoção com humor. As emoções são passageiras. Aparecem e em curto período desaparecem. O humor é algo constante que pode perdurar por vários dias ou meses. Assim, uma pessoa depressiva pode ir à praia, ao barzinho com os amigos, trabalhar como humorista (como Robin Williams) e ser profundamente depressiva.

O fato de o transtorno não ter uma parte visível lesionada, agrava a crença de que existe um problema real e, muitas vezes, o comportamento do doente arredio, agressivo, isolado ou irritante só agrava mais a dificuldade dos demais de perceber que tais comportamentos estão ligados aos transtornos.

Poucos profissionais estão realmente preparados para lidar com situações mais graves e muitos não têm o autocuidado de fazer análise/psicoterapia e consultas regulares ao psiquiatra, para se manterem saudáveis a fim de lidar com os problemas em seus consultórios.

Infelizmente, ainda estamos muito longe de acabar com este estigma, mas quem sabe se aumentarmos o trabalho de informação e conscientização como o deste texto, poderemos ter pessoas mais preparadas para a compreensão da área mais nobre da alma humana, daquilo que nos faz humanos e distintos dos animais.

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(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe, tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit) e em curso Gestão Empresarial pela FGV.

 

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