Por Antônio Carlos Garcia (*)
Sergipe já integra, com protagonismo, a vanguarda científica nacional na transição energética global. Pesquisadoras do Núcleo de Energias Renováveis e Eficiência Energética (Neeres) do Sergipe Parque Tecnológico (SergipeTec) desenvolvem linhas de pesquisa voltadas à produção e certificação do hidrogênio de baixo carbono — uma das apostas estratégicas da economia verde.
A engenheira química Fernanda Nayara Rodrigues Pereira Santana, mestra e pesquisadora, coordena uma das frentes do SergipeTec. Ela atua ao lado de Samia Maciel, doutora em Engenharia de Processos, e de Amanda Gonçalves, doutora na mesma área.
Juntas, buscam soluções técnicas e econômicas para viabilizar o uso do hidrogênio como fonte energética sustentável. A maior parte do hidrogênio atualmente disponível é produzido a partir de gás natural, por meio da reforma do metano — processo intensivo em carbono. A ideia das pesquisadoras é romper essa lógica.
“O hidrogênio já é usado desde muitos séculos atrás”, mas majoritariamente é obtido a partir de fontes fósseis. O desafio é manter as aplicações da molécula reduzindo drasticamente as emissões de gases de efeito estufa”, explica Fernanda Nayara.
Duas rotas para um mesmo futuro
As pesquisadoras trabalham com duas rotas tecnológicas alternativas: a eletrólise da água, alimentada com energia renovável, e a biodigestão anaeróbica de resíduos agroindustriais.
A eletrólise, apesar de conhecida há décadas, ganha nova perspectiva ao ser alimentada com energia solar ou eólica. “Se o eletrolisador for alimentado com energia limpa, o processo se torna sustentável. O desafio é reduzir o custo desses equipamentos, que ainda usam eletrodos de alto valor”, afirma Fernanda.
Já a biodigestão utiliza resíduos como a vinhaça, subproduto da cana-de-açúcar. O objetivo é interromper o processo antes da produção de metano, capturando o hidrogênio como produto final. “É preciso um controle rigoroso para parar a reação no ponto certo. Estamos trabalhando nisso”, explica.
Segundo Amanda Gonçalves, há uma dimensão ambiental e social importante nesse modelo de produção: “Sergipe tem potencial para usar resíduos da produção de cana para gerar hidrogênio. Podemos dar nova utilidade ao que antes era descartado e contribuir com a diversificação energética local.”
A rota da certificação
A certificação do hidrogênio de baixo carbono é outro pilar do trabalho. Fernanda Nayara atua diretamente nessa frente, cuja importância estratégica é reconhecida por governos e empresas no Brasil e no exterior.
“Como comprovar que o hidrogênio é realmente limpo? A resposta está na pegada de carbono, que mede os gases de efeito estufa emitidos durante toda a produção. Precisamos estabelecer critérios confiáveis para essa medição”, explica a pesquisadora.
Essa análise exige padronizações internacionais. “Alguns países já definiram um número e o também Brasil está desenvolvendo seus parâmetros. Enquanto isso, pesquisamos metodologias de certificação que possam atender às exigências globais”, complementa.
Conhecimento como ponto de partida
As entregas científicas previstas pelo SergipeTec seguem até 2027, mas o olhar está voltado para 2030, prazo estabelecido por acordos internacionais para a redução drástica de emissões de carbono.
“Não se trata apenas de gerar um produto pronto. O conhecimento técnico acumulado serve como base para futuras inovações e aplicações industriais. Isso também é entrega”, reforça Fernanda.
Segundo Sâmia Maciel, embora os projetos estejam em fase de desenvolvimento, o impacto já começa a se desenhar. “O Brasil tem vantagens naturais e climáticas para se destacar na produção de hidrogênio. Com planejamento e pesquisa, podemos garantir nossa soberania energética e tecnológica no futuro.”
A pesquisadora destaca ainda a importância de iniciativas como a do SergipeTec para fortalecer a presença do Estado nesse cenário. “Estamos conectados com uma agenda internacional. É gratificante fazer parte dessa construção desde aqui.”
Hidrogênio como realidade
A aplicação do hidrogênio como fonte de energia já é real em diversos países e setores. Fernanda cita veículos a hidrogênio que utilizam a célula a combustível – tecnologia que transforma a energia química do hidrogênio em eletricidade, emitindo apenas vapor d’água. “No Rio de Janeiro já circulam ônibus movidos a hidrogênio. O futuro já começou, mas ele precisa ser mais limpo.”
Além dos transportes, o hidrogênio é usado em indústrias e residências. Na produção alimentícia, por exemplo, participa do processo de hidrogenação de margarinas. Em países frios, serve para aquecer casas. “O potencial de aplicação é enorme. Nosso papel é garantir que ele venha de uma fonte limpa”, diz.
Da pesquisa local à transição global
As cientistas reconhecem que estão inseridas em uma disputa internacional por protagonismo tecnológico. “O mundo quer consumir hidrogênio limpo, e o Brasil tem potencial para ser líder nessa produção. Só que precisamos correr”, afirma Fernanda.
“A gente acredita que o que está sendo feito aqui em Sergipe pode mudar o mundo. E é motivo de orgulho que seja conduzido por pesquisadoras comprometidas com a sustentabilidade”, finaliza.