quinta-feira, 20/11/2025
Bodega vinho no copo
Na minha bodega, o vinho é servido em copos — e a conversa flui à vontade

Seja livre para beber a Vida como você quiser

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Por Léo Mittaraquis (*)

 

“O vinho não é apenas um objeto de prazer, mas um objeto de conhecimento; e o prazer depende do conhecimento.”

Roger Scruton

 

Há coisa de pouco mais de mês, creio, concedi entrevista a dois conceituados veículos de comunicação: este, o Só Sergipe; e, aqueloutro, o JL Política.

Assunto: a inauguração e, dali por diante, o funcionamento, do meu estabelecimento, do meu bar de vinhos — a Bodega Vinho no Copo.

O nome está fundamentado no conceito característico do lugar: serve doses de 150ml de vinho no copo.

Vinho copoEm ambas interlocuções, defendi minha percepção mediante a qual, vinhos, inclusive os melhores [adjetivo instável, quando se trata desta bebida], podem ser, sim, bebidos em copos, notadamente, em copos que são considerados, inclusive por sommeliers, taças sem haste.

Foi o bastante, para que os fundamentalistas se manifestassem. Na concepção destes heráldicos defensores do graal de cristal, verter um bom vinho no copo e, ainda mais grave e inadmissível, beber no copo, configura-se no sacrilégio dos sacrilégios, na blasfêmia das blasfêmias.

Um dos indignados, com ares de vestal cuidadora dos pétreos e herméticos princípios enofílicos, metido a intelectual [quiçá, até mesmo, filósofo moralista], chegou ao ponto de afirmar que devemos, somente e tão somente, beber vinho em taças porque Demetrius (qual deles mesmo? Há várias figuras na antiguidade, com existência registrada, com este nome), assim o disse.

Ora, qualé véi, vá catar minhoca no asfalto quente!

O prócere [mal] citado é um destes indivíduos, que viveram a era clássica, fizeram parte desta como fator humano influente, do qual, e dos quais, as informações carecem de total exatidão.

Exorto a você, que, travestido de pompa e circunstância, valeu-se do pobre Demétrio, provavelmente do de Falero, a apresentar provas para que não se alie aos aleivosos.

Ou seria Demétrio, o Retórico, que escreveu “Sobre Estilo”? Até onde sei, cita coisa ou outra sobre vinho, mas não há referência à taça.

Porém, posso estar equivocado. Se for o caso, se o indignado intelectual e enófilo comprovar frase e fonte, reconhecerei minha atroz ignorância em público e manifestar-me-ei grato pela lição recebida.

Esclarecendo a estes revoltados e iluminados espíritos, portadores do embandeirado lema  “Veritas lux mea” , não sou contra taças. Bebo em taças também; faço gosto por mesa bem posta, com taças de cristal, toalha de mesa em linho, guardanapos de tecido devidamente acondicionados em prendendores individuais de madeira ou aço. E por aí vai…

Mas estou à frente, como proprietário e atendente, de uma bodega, oh, cabrunco da peste do raio da silibrina!

Numa bodega, tal como nas osterie, trattorie e nos bares mais populares, onde o vinho da casa (vino della casa) vem em jarra e é servido em copos pequenos, às vezes até de água.

Nos bistrots e cafés tradicionais, pedir um “verre de vin” significa receber o vinho em copo de vidro simples.

Empresário e intelecutal Léo Mittaraquis

Em tempo: nunca fui à Europa, sou pobre. Mas tenho a honra de privar de generosa amizade com pessoas às quais devoto imensa admiração intelectual e espiritual, e que estiveram em diversos lugares do antigo continente. E, nas nossas agradabilíssimas conversas em torno de garrafas de vinho [muitas vezes bebidos em copos], fiz questão de destacar este ponto.

Mas vou, amiúde, a São Paulo, a Curitiba, por exemplo.

Em Sampa, o Paloma, restaurante e bar localizado na base do edifício COPAN, serve vinhos em copos.

Ou seja, militantes do idealismo bojudo, transparente e fino, vós sois detentores do direito de beber somente e tão somente em taças. E eu defendo esta condição como princípio básico da boa convivência.

Certamente, nunca irão à minha bodega. Pois lá vinho é em copos servido. Não nutro ressentimento algum quanto a isso. Há quem não coma, de maneira alguma, de marmita; há quem não beba cerveja, a não ser que esteja tão estupidamente gelada, que anestesie sentidos e sentimentos. Há quem prefira a bebida alcoólica obtida por meio da fermentação do malte de cevada, ou de outros cereais, e aromatizada com flores de lúpulo, quase à temperatura ambiente. Ou seja: gosto é gosto, e é como soalho pélvico, cada um tem o seu.

A bodega está, aos poucos, lentamente, formando sua clientela. Homens e mulheres que querem, sim, beber vinho no copo, ouvir música de vinil na vitrola, conversar, rir, refletir, viver a experiência que harmoniza elegância e simplicidade.

Há espaço, em Aracaju, em Sergipe, no Brasil e no Mundo para quem só beba vinho em taças e para quem bebe tanto em taça como em copos a depender do lugar e do contexto.

E que bom, muito bom que seja assim…

Bem, é isso. Agora vou beber uma boa garrafa de vinho com minha imperatriz e com amigos leais.

Quanto a você, estimado leitor, desejo que seja livre para beber a Vida como bem quiser.

 

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Sobre Leo Mittaraquis

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Léo Mittaraquis é graduado em Filosofia, crítico literário, mestre em Educação. Bodegário da empresa Adega 7 Instagram: @adega7winebar

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