quinta-feira, 14/11/2024
Padre Zezinho Foto: Site Católicos

Padre Zezinho, memória musical e Maria de Nazaré

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Em 2015, tive a alegria de mergulhar em sua vida e discografia, ouvindo cada canção com atenção e também entusiasmo, posto que sou fã dele desde criança, há pelo menos quarenta anos. Na ocasião, publiquei pela Revista Práxis Pedagógica, da Faculdade PIO X (Aracaju-SE), um artigo científico intitulado: “Padre Zezinho, um cidadão do infinito: canções e reflexões – uma análise sócio teológica e histórica”.

Naquela ocasião, dediquei-me a compreender a evangelização engajada e comprometida do artista da fé católica mais popular do Brasil, até a presente data. Possuia sua criatividade em anunciar, mas também a sua coragem de denunciar, por meio da música religiosa, inclusive em meio ao regime civil-militar dos anos 60 até os anos 80 do século XX.

Padre Zezinho, um ícone da Igreja Católica
Foto: Arquivo pessoal

Nascido no dia 8 de junho de 1941, em Machado, Minas Gerais, José Fernandes de Oliveira descobriu sua vocação para o altar em tenra idade, sendo coroinha aos 7 anos. Com passagens pelos seminários de Lavras (Minas Gerais) e de Corupá (Santa Catarina), firmou passos largos e sedimentados rumo ao sacerdócio, cuja ordenação aconteceu em dezembro de 1966, pela Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus.

A partir daquele momento, ele passou a entender que precisava levar Jesus Cristo e fazê-lo alcançar o coração e a sensibilidade da juventude, entendendo que as Missas deveriam ser mais atraentes para ela e também o uso da música como instrumento de evangelização e conversão. Vale salientar que o Brasil já começava a experimentar os primeiros efeitos revolucionários do Concílio Vaticano II (1962-1965): a Igreja se abria cada vez mais para os apelos e demandas do mundo.

Em 1968, ele iniciou sua carreira com o single “Shalom (ou Canção da Amizade)”, pela Edições Paulinas Discos-gravadora. Com 83 anos, segue lúcido, produzindo, evangelizando e sendo reconhecido pelas novas gerações de cantores católicos, leigos ou não, com regravações de seus sucessos que marcaram seus 56 anos como artista, fugindo e se esquivando da peja midiática e performática de alguns do mesmo gênero.

Este ano, na esteira das celebrações dos 50 anos do LP “Histórias que eu conto e canto”, pela Paulinas Comep, faz-se memória a um de seus maiores hits, “Maria de Nazaré”, talvez entre os mais tocados de todos os tempos. E, nesse sentido, vale dizer, antes de qualquer análise ou reflexão, que é uma canção atemporal e que resiste ao esquecimento, dada à sua profundidade teológica e à sua capacidade de tocar fundo em crianças e adultos de várias idades.

Lançado no final do ano de 1974, “Histórias que eu conto e canto” é composta por dez faixas, sendo cinco no Lado A e mais cinco no Lado B. Eu, particularmente, gosto muito de todas. Para além de “Maria de Nazaré”, uma atenção especial para “Jesus Cristo me deixou inquieto”, da qual destaco o seguinte verso: “Nunca mais eu pude olhar o mundo, / sem sentir aquilo que Jesus sentiu”.

Em “Distração” (faixa 1), no preâmbulo da canção, Padre Zezinho narra:

“Às vezes, no buliço do mundo, no vai e vem do cotidiano, é preciso tomar tempo, parar um pouco e deixar que fale o coração; alguns falam por carta, outros em diário, outros ainda em livros e revistas; e dou graças a Deus porque existe que não guarda para si, apena, a riqueza de sentimentos que o mundo foi trazendo até eles; eu nunca sonhei em ser cantor, poeta e nem compositor; quis e tão somente quero ser gente, cristão e padre; mas, foram os jovens que me disseram que o importante não era um Padre Zezinho músico, cantor ou artista e sim Padre Zezinho que lhe falasse de um jeito que eles entendem”.

E muito disso está em todas as suas canções. “Maria de Nazaré” foi e é uma canção cativante, que assim como Nossa Senhora “fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”. É um convite à oração, uma ode à Mãe do Céu, uma canção de ninar, uma declaração de amor, singela e assertiva, sem idolatria, com afeto filial. É uma canção leve, profunda e ao mesmo tempo simples, de acordes que embalam sonhos, esperanças e renova a alegria juvenil da gente.

Isto, por si só, a característica de “Maria de Nazaré” se manter ainda um sucesso, já se diz muita coisa, sobretudo se considerarmos o tempo em que vivemos, pautado pela cultura da valorização do chulo, grosseiro, descartável e artificial, incluindo aí a própria “inteligência”. A propósito, em sua nova encíclica, o Papa Francisco adverte: “Na era da inteligência artificial, não podemos esquecer que a poesia e o amor são necessários para salvar o humano. O que nenhum algoritmo conseguirá abarcar, por exemplo, aquele momento de infância que se recorda com ternura” (Dilexit nos – Amou-nos).

E assim, nessa toada de “Maria de Nazaré”, me pego pensando e escrevendo novamente em Deus: “De novo pensando em Jesus Cristo (…) / E novamente volto a ser quem sou”; um homem livre, que às voltas com mil perguntas, chorando e enxugando as lágrimas, tal qual Padre Zezinho, “Sou a consciência que examina tudo
/ Tudo que a ciência põe na minha mão”; no meu caso, em particular, as palavras e suas ordenações poéticas, provocantes e inquietantes.

 

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Referências

https://discografiapadrezezinho.blogspot.com

SANTOS, Claudefranklin Monteiro. Padre Zezinho, um cidadão do infinito: canções e reflexões – uma análise sócio teológica e histórica. Práxis Pedagógica: Revista do Curso de Pedagogia, Aracaju, Vol. 3; Nº 4, Jan/Jun 2015. https://periodicos.piodecimo.edu.br/online/index.php/praxis/article/view/126.

Padre Zezinho. História que eu conto e canto. São Paulo: Edições Paulinas Discos, 1974. LP.

 

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Sobre Claudefranklin Monteiro

Claudefranklin Monteiro Santos
Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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