Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Aos dois dias de agosto de 1989, jornais do Brasil inteiro noticiavam o falecimento de Luiz Gonzaga do Nascimento, natural de Exu, Pernambuco, com 76 anos de idade, vítima de complicações de um câncer de próstata. O Rei do Baião ficou conhecido por seu talento musical e, de modo particular, por dar visibilidade à beleza e à criatividade do povo nordestino, bem como de suas mazelas e dramas sociais, como a fome, a seca e a exploração dos mais abastados, além de destacar personagens como o vaqueiro, o retirante, o trabalhador do campo, a mulher e também a religiosidade católica popular.
Em entrevista à CBN Cariri, no dia 2 de agosto de 2021, seu sobrinho, Joquinha Gonzaga, acordeonista, assim se expressou:
“Até pra falar que meu tio morreu é complicado, porque, na verdade, ele não morreu completamente. Ele saiu daqui do meio da gente, está no outro andar, mas deixou um legado muito especial. A gente, em todos os sentidos, está responsável para seguir com tudo isso que ele deixou”.
Aqui, faço duas considerações que julgo importantes. Primeiro, quando Joquinha diz que Gonzagão não morreu completamente, dando a tônica de sua imortalidade. Fazer memória dele neste presente artigo é uma das formas de tornar isso possível, além da existência de um museu dedicado a ele, localizado em Exu, no Parque Asa Branca, mote, por exemplo, do mais novo audiovisual ao seu respeito, produzido pela Globo News: o documentário “O Enigma de Exu”, que revela as origens de Luiz Gonzaga no sertão pernambucano do Araripe, dirigido por Claudio Renato, Luiz Paulo Mesquita.
Quanto ao que Joquinha diz sobre a responsabilidade de seguir tudo que ele deixou, traduza-se e ressalte-se seu legado musical. Não somente o Baião, mas também o jeito todo especial e singular de celebrar as Festas Juninas, com canções que seguem atravessando e sobrevivendo ao tempo, tornando-se clássicas e muitas delas ainda muito atuais, o que revela toda a genialidade de Luiz Gonzaga. Logo, para além de referenciá-lo todos os anos, de modo particular nesta época do ano, faz-se necessário também fazer das festas juninas espalhadas pelo Brasil realmente típicas, combatendo, quando necessário o incremento de modismos que em nada ajudam e só descaracterizam aquilo que elas têm de tradicional e regional.
Ainda no que se refere ao adeus de Luiz Gonzaga, não poderia deixar de relembrar um acontecimento de sua carreira que marcou o ano de 1967. Nascido aos 13 de dezembro de 1912, ele estava próximo de completar 55 anos e, pasmem vocês, estava se considerando velho e ultrapassado. Julgava até mesmo que sua jornada como artista havia chegado ao fim.
Até aquele ano, Luiz Gonzaga havia lançado 15 LPs, todos eles pela gravadora RCA Victor. Além disso, já era uma sumidade em nível nacional, inclusive no Sudeste do Brasil, fazendo shows em várias partes do país, com grande destaque no rádio e também na TV. Ele era sucesso de crítica e de público, a ponto de ser considerado REI. Ainda assim, entendia que estava fadado ao esquecimento e que ninguém mais o aguentaria por mais tempo.
Segundo Joan de Oliveira (Portal Vermelho.org.br, 2 de agosto de 2016):
“(…) novos movimentos musicais como a Bossa Nova, MPB, Jovem Guarda, relegavam Luiz para um patamar bem inferior. Já não fazia o mesmo sucesso de antes, já não era a coqueluche do rádio. Continuava reinando Brasil afora, mas não tocava mais como antes”.
Nesse contexto, pediu aos músicos e compositores Onildo Almeida e Luiz Queiroga que lhe fizesse a canção “Hora do Adeus”. Era uma canção despedida, conforme podemos atestar pela letra:
O meu cabelo já começa prateando
Mas a sanfona ainda não desafinou
A minha voz vocês reparem eu cantando
Que é a mesma voz de quando meu reinado começou
Modéstia à parte, mas se eu não desafino
Desde o tempo de menino
Em Exu, no meu sertão
Cantava solto que nem cigarra vadia
E é por isso que hoje em dia
Ainda sou o rei do baião
Eu agradeço, ao povo brasileiro
Norte, Centro, Sul inteiro
Onde reinou o baião
Se eu mereci minha coroa de rei
Esta sempre eu honrei
Foi a minha obrigação
Minha sanfona minha voz o meu baião
Este meu chapéu de couro e também o meu gibão
Vou juntar tudo, dar de presente ao museu
É a hora do adeus
De Luiz rei do baião
Impressiona-me como alguém com apenas 55 anos já pudesse se considerar velho e ultrapassado. É bem verdade que o conceito e percepção de envelhecimento mudou muito ao longo dos anos. Em todo caso, a letra, por exemplo, poderia se aplicar muito bem ao contexto de sua morte, em 1989, portanto, 22 anos depois do lançamento da canção.
Graças a Deus, Luiz Gonzaga não só viveu mais estes 22 anos como seguiu fazendo sucesso e alcançando, cada vez mais, respeito no cenário da música brasileira, a ponto de inúmeros artistas fazerem questão de gravarem duetos com ele, a exemplo de Fagner, Elba Ramalho, entre outros. Entre 1967 e 1989, o Rei do Baião ainda gravou e lançou inúmeros sucessos, além de LPs, CDs e até mesmo DVDs, com shows e apresentações no mundo midiático.
Por estas e outras razões, não é exagero dizer que o velho Lula, filho de Januário, segue firme e vivo na memória da cultura brasileira, mesmo em meio a gerações que idolatram canções sem pé e sem cabeça, que ofendem mulheres, são emporcalhadas com palavrões impublicáveis e que, em grande medida, servem apenas para que machões externem suas frustrações e encham a mente de ilusões etílicas e deixam o coração vazio de sentimentos.