Por Luciano Correia (*)
Agora é lei: a linguagem neutra na elaboração de textos de órgãos e entidades da administração pública e de todos os entes federativos está proibida. Sua abrangência, portanto, está circunscrita aos ambientes públicos acima mencionados. O resto do mundo, leia-se as bolhas dos minúsculos grupelhos adeptos dessa forma degenerada de uso da língua, segue normal com sua patacoada. Ponto para Lula, que teve coragem de enfrentar essa idiotice a partir de sua cozinha, onde a primeira-dama Janja e “todes” os seus “discípules” professam essa péssima cartilha da outrora bela flor do Lácio.
Lula, como dizem, é um animal político. Preferiu a coerência e a concordância com a maioria absoluta do que os trinta votos das bolhas identitárias. Lula ama as maiorias, até porque vive delas e não pensa em outra coisa senão ir ao encontro do seu abraço. Já o identitarismo, como já se sabe amplamente, são correntes originárias dos Estados Unidos, exportadas por instituições como a Fundação Ford, conservadoras e reacionárias, mas vestidas de um pseudo progressismo. Não vieram para somar nada, senão para aprofundar disrupções, substituindo as velhas bandeiras políticas e ideológicas da verdadeira esquerda pelos seus chavões, o politicamente correto e outras iniquidades.
Não mais a luta contra a desigualdade, por saúde e educação universais, mas as bandeiras fragmentárias. A clássica luta pela emancipação da mulher, representada por gigantes como Alexandra Kollontai ou o reconhecimento do lugar do negro na sociedade, não como escravo, mas como protagonista de sua própria história, é produto de outra política de esquerda, baseada nos grandes teóricos socialistas. Fruto do heroísmo de homens como Martin Luther King, mas não só ele, um americano conformado nos limites de sua democracia liberal, mas negros do Brasil, da América Central e da própria África, como Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Samora Machel. Desses, só o midiático Luther King atende os critérios da esquerda made in USA.
Foi nesse contexto, dominando os partidos de esquerda e acuando socialistas clássicos, que os identitários criaram sua perspectiva política, entre a matriz conservadora do Partido Democrata americano e o aparente discurso progressista que arrebatou a juventude das universidades públicas, corporificada sobretudo no PSOL e nas franjas esquerdizadas do Partido dos Trabalhadores, de cuja costela surgiu o PSOL, uma espécie de puxadinho envergonhado do PT. Sem interesse em aprofundar mudanças efetivas, e atuando apenas na borda da retórica parlamentar, foram construindo uma ambiência cultural para sobreviver eleitoralmente. A linguagem neutra é uma dessas ferramentas na busca de hegemonia e de impor uma visão de mundo particular.
A linguagem neutra, pois, é ideologia pura, sem a carga histórica de uma língua construída pela dinâmica social de todas as classes, da fala coloquial das ruas à elegância dos grandes salões e seus saraus. A portuguesa, então, admirada por escritores e leitores do mundo inteiro, de outros idiomas, que reconhecem na língua de Camões um veio culto, criativo e incrivelmente rico. Vem daí a poderosa produção literária dos que fizeram dela instrumento de sua obra: Eça de Queirós, Pessoa, Machado, Graciliano, Rosa, Drummond, Cabral de Melo Neto, Clarice e Cecília, dentre tantos. Do nosso um pouco sergipano Jorge Amado, que viveu mais de um ano em Estância e que do Mangue Seco tirou um de seus belíssimos enredos.
Se o decreto de Lula leva em conta as maiorias, em desfavor da barulhenta bolha identitária, revela também uma tendência, farejada, aliás, por um mestre em saber para onde sopram os ventos. Trata-se do começo de uma decadência inevitável, fato já consolidado na politicamente correta Europa, neste momento preocupada, como cantava Belchior, com coisas reais. Em Sergipe, a deputada estadual Linda Brasil trocou a fase preocupada com “mandata” e tonterias similares para cair na realidade como ela é. O resultado: saiu do terreno da ficção e hoje exerce um dos mandatos mais consistentes na Assembleia estadual, cumprindo com rigor a função parlamentar, de fiscalizar o poder executivo, mirando os interesses da população. Vai salvar seu mandato (e não me venha com “mandata”, faz favor!) encampando as lutas de uma esquerda que sua agremiação partidária um dia considerou ultrapassadas.
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