Por Manuel Luiz Figueiroa (*)
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (João 1:14)
Segundo o hebraico original, nasceu Yehoshua (Josué), significando “O Senhor é salvação”, forma que, abreviada, torna-se Yeshua, o Ungido — aquele que hoje denominamos Jesus Cristo.
O legado de Cristo é triangular: espiritual, comunitário e cultural. Trata-se de um legado dinâmico, que se renova a cada geração, sendo continuamente reinterpretado pelos que vivem a fé.
A temporalidade que vai do nascimento à ressurreição projeta-se no legado atemporal de um Cristo vivo. Ele é lembrado e, assim, torna-se presente na vida dos que o seguem, atuando na transformação da história pessoal e coletiva.
Eis o maior legado da humanidade.
Postulados
A não existência humana — ou a sua realidade energética antes da concepção — segue em direção à vida com o nascimento. A partir daí, a existência humana é atravessada pela ansiedade da busca pela superação da morte. A vida individual é limitada, mas as marcas deixadas no mundo prolongam a presença daquele que se foi. Nesse contexto, o legado se apresenta como extensão da vida da pessoa, e a relação entre ambos pode ser compreendida como uma simbiose: a pessoa cria o legado, mas é este que garante sua continuidade no tempo. Eis o mistério da superação da morte.
Esta reflexão tem por objeto estudar a condição da finitude humana na busca pela imortalidade simbólica; a memória coletiva como espaço de preservação dos legados; e a responsabilidade do indivíduo diante do que transmite ao futuro.
O social
A energia se torna vida com o nascimento, edificando o templo de cada um. Para que ele se perpetue pós morte, é necessário que sua construção sirva de maneira duradoura às gerações posteriores. Ao produzir, o indivíduo introduz algo novo, cuja repercussão ultrapassa sua existência. Esse ato só se torna legado quando traz utilidade à comunidade e, por isso, é preservado pela memória coletiva. Dessa forma, o legado não é apenas o que o indivíduo deixa, mas aquilo que o grupo decide conservar. Assim, o vínculo entre pessoa e legado é mediado pela comunidade. Sem comunidade, não há memória; sem memória, o legado se perde.
A ética
Energia no passado, vida no presente, morte física no futuro, energia pós-morte — fecha-se o ciclo energético. A existência, no momento presente, é agraciada com o legado dos ancestrais. Torna-se, portanto, necessário construir novos legados, como retribuição pelo recebido e contribuição à evolução da humanidade. A ética do legado está na contribuição ao bem comum. O legado simbiótico é aquele que, ao mesmo tempo em que prolonga a vida da pessoa através da lembrança, proporciona aos outros benefícios permanentes de bem-estar.
A simbiose
A relação entre pessoa, legado e memória coletiva é também triangular. Se, por um lado, o legado depende da obra da pessoa e da memória coletiva para existir, por outro, a pessoa depende do legado para permanecer in memoriam. Essa reciprocidade é o que caracteriza a simbiose. Se um desses elementos faltar, a simbiose se rompe.
Conclusão
A simbiose entre a pessoa e seu legado atesta que a vida humana não se encerra em si mesma. Embora a morte imponha limites biológicos, o legado projeta a existência para além do tempo corporal. O indivíduo cria o legado, mas é este que, em contrapartida, após a morte, o mantém vivo. Essa reciprocidade mostra que o ser humano vive duas vezes: uma, no tempo de sua obra; outra, no tempo da memória coletiva da comunidade. Assim, compreender a simbiose entre pessoa e legado é reconhecer que viver é também deixar-se viver nos outros — no que se constrói, no que se recorda e no que se transforma.
O ciclo — antes da concepção, vida, morte (energia, matéria, energia) — é o espaço aberto que se incorpora em matéria, tornando-se fechado, com o nascimento, retornando ao espaço aberto, com a morte, dando continuidade ao processo. Eis o mistério do simbolismo triangular.
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Bibliografia
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