sexta-feira, 19/04/2024

Mais igualdade, por favor!

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Por Emerson Sousa (*)

 

É muito provável que você já tenha se deparado com a seguinte frase: “É impossível alcançarmos um mundo igualitário, porque todos somos diferentes!”.

Vou até mais longe, é até plausível que você mesmo já a tenha proferido.

Porém, sinto dizer: tem um erro conceitual nessa construção.

E o equívoco reside na confusão que fazemos entre duas definições totalmente distintas, a saber: as Hierarquias Sociais e o conjunto de Competências, Habilidades e Aptidões Pessoais que, para facilitar o entendimento, vamos chamar aqui de Características Individuais.

Para você entender o que seriam as Características Individuais, tente lembrar de Lionel Messi ou Ronaldo Nazário em campo ou de Ângela Maria ou Jão no palco, até parece que eles foram talhados justamente para isso.

Contudo, isso não se resume apenas às artes ou aos esportes. Pense num mestre-de-obras extremamente profissional, numa cirurgiã prodigiosa ou num cozinheiro de “mão cheia”.

Pronto, eis exemplos acabados do que são as Características Pessoais e de como elas expressam aquilo o que nós realmente somos.

Em contrapartida, temos as Hierarquias Sociais.

Essas, nas sociedades de classes, são determinadas não pelo o que somos, mas pelo o que temos ou em que família nascemos ou grupo social ao qual pertencemos.

O dono da SUV que é melhor tratado pelo guarda de trânsito do que o proprietário de um carro popular.

O empreiteiro que é atendido por Políticos a qualquer momento, enquanto populares penam por uma simples audiência.

O filho do fazendeiro que, recém-chegado da capital, já se elege Prefeito ou Vereador no interior, ao passo em que o velho Professor de Matemática do Grupo Escolar só recebeu alguns poucos votos.

O peso das Hierarquias Sociais é tão forte que um bom aluno que seja pobre tem mais dificuldades de conseguir uma colocação adequada no mercado de trabalho do que um aluno medíocre que seja rico.

Por quê?

Porque são os contatos e as vinculações que vão determinar esses movimentos, mais até do que o estudo e a ciência.

Então, esqueça aquela história da criança que estudou e trabalhou até chegar ao topo de nossa pirâmide social.

Isso é uma fábula, uma exceção que ratifica uma regra de exclusão e de segregação.

Não que trabalhar e estudar não sejam ações importantes. Para nós que somos pobres, são até atos revolucionários.

Mas a questão é que, por conta das Hierarquias Sociais, os postos-chaves de nossas sociedades são ocupados por aqueles que possuem o poder político e econômico, e isso é coisa que vem de berço, resguardado para quem conhece as “pessoas certas”.

São essas pessoas que capturam a maior parte da riqueza socialmente produzida, que vão conduzir a construção das leis e das regras coletivas, que vão ditar a conduta coletiva a ser aceita.

E esse é o nódulo principal de nossa Desigualdade e a fonte de todas as nossas mazelas coletivas, da violência ao desemprego, da fome à doença, da pobreza até a necropolítica.

Então, quando falamos em Igualdade, em verdade, estamos falando sobre como devemos erradicar as Hierarquias Sociais e não em anular as nossas Características Pessoais.

Estamos falando em como tornar as pessoas cidadãs e autônomas, estamos falando em Solidariedade, estamos falando em Emancipação Humana.

Por sinal, nós somente poderemos desfrutar plenamente de nossa individualidade quando as Hierarquias Sociais forem suprimidas.

Isso porque são elas que impossibilitam a realização dos nossos sonhos.

Quantos foram os jovens que queriam fazer Culinária e se viram obrigados a estudar para Medicina ou Direito?

Quantas foram as pessoas que queriam cantar ou atuar e tiveram, por uma questão de sobrevivência, de ser bancárias ou policiais?

Mas há outro efeito danoso das Hierarquias Sociais: submeter as pessoas a quem tem menos talentos do que elas.

Afinal, quem não conhece um exemplo de um Poderoso iletrado que manda na vida de muita gente bem formada e muito mais vocacionada?

E por que isso acontece? Por causa das Hierarquias Sociais.

Porque o mérito só se impõe quando as nossas qualidades particulares são o principal crivo de escolha. Quando isso não acontece, o campo está aberto para que as Hierarquias Sociais deem as cartas.

Então, construir uma sociedade de iguais é erigir uma comunidade em que todos e todas sejam valorados pelo o que são e pelo o quão bem fazem as coisas que se propõem a fazer e não porque são “o filho do dono”.

Promover a Igualdade é reconhecer que todos somos diferentes e que são esses predicados que enriquecem o convívio comunitário.

É, simplesmente, permitir que as pessoas sejam elas mesmas.

Entretanto, enquanto os diferenciais de riqueza forem o principal parâmetro de classificação dos indivíduos, nós estaremos fadados a apenas manter este cenário de iniquidade social a que estamos expostos.

Mas, então, como alcançar a Igualdade?

Bom, o caminho é longo e não existe um “mapa da mina”.

Porém, a história já nos mostrou que os primeiros passos nessa jornada estão na expansão da oferta de serviços públicos e na criação de um ambiente de pleno emprego.

Na presença desses dois contextos, o poder de escolha das pessoas cresce bastante e elas se veem mais protegidas de abusos por parte de quem tem mais poder.

Afinal, é quando estamos mais desprovidos de nossos recursos que mais aparecem aqueles que querem ganhar em cima de nosso sofrimento.

Logo, quanto mais direitos coletivos garantimos ao indivíduo, mais nos transformamos em cidadãs e cidadãos e mais construímos a nossa própria emancipação.

Então, para que possamos ter a liberdade de sermos nós mesmos é preciso que, desde já, lutemos por conquistar, com braços fortes, o penhor dessa Igualdade.

 

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Sobre Emerson Sousa

Economista Emerson Sousa
Doutor em Administração pelo NPGA/UFBA e mestre em Economia pelo NUPEC/UFS

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