sexta-feira, 19/04/2024
Jorge Carvalho: "A gente se redescobre diariamente"

Escritor Jorge Carvalho: “Como autor me considero um homem eclético e sem rosto”

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Ler é conhecer os mundos. Cada livro é um mundo a ser desvendado. E é assim, um processo  instigante de descoberta, quando o  leitor começa a viajar nas 111 páginas de “Julho”, livro de autoria do professor  aposentado  da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do jornalista, Jorge Carvalho do Nascimento, que mergulha no mundo esquizofrênico da personagem Vera.

Capa da segunda edição de “Julho”

Jorge Carvalho, intelectual sergipano,  doutor em Educação e PhD em Educação pela Universidade de Frankfurt (Alemanha), teve que navegar por mares, talvez nunca dantes navegados, para compor  a personagem Vera. Pediu que os amigos –  o psiquiatra Hamilton Maciel e a psicóloga Fabrícia Borges – lessem os originais, e, a partir das colocações feitas por ambos,  leu obras clássicas da Psiquiatria, para que desse polimento ao texto “e compreendesse melhor o que diziam Sigmund Freud e outros teóricos dedicados a compreender o comportamento humano”.

Imortal da Academia Sergipana de Letras (ASL), Jorge Carvalho é autor de 24 livros, a maioria deles acadêmicos versando sobre História, política educacional, Sociologia, Filosofia e Antropologia. Mas engana-se quem pensa que são apenas esses. Em 2020 estreou na literatura publicando “O Carvalho”, com crônicas e contos autobiográficos.

Ao ser questionado sobre a mudança de estilo literário – passou pela academia, seguiu pelas crônicas e agora estreia com uma escrita policialesca –, Jorge Carvalho dá a seguinte definição de si mesmo: “Como autor, me considero um homem eclético e sem rosto”.

De fato, bem eclético, ele tem paixão por fotografia. Ao ser questionado sobre a arte de olhar  pelas lentes, Jorge é enfático: “Continuo fotografando enlouquecidamente. Por que e para quê, não sei explicar”.

Esta semana, Jorge Carvalho, depois de uma longa viagem a Itabuna, no sul da Bahia, onde ministrou um curso e viu de perto o dilúvio que assola aquela região, conversou com o Só Sergipe.

Para os que prezam a arte da leitura e da escrita, mergulhar nas reflexões de Jorge Carvalho é uma boa pedida para começar a semana com arte.

SÓ SERGIPE – Este ano o senhor lançou o livro “Julho”, trama que envolve uma família cujos personagens são fortes e imersos em contradições. Como foi esse processo de criação?

Jorge Carvalho: “Ninguém cria sem ter vivido experiências sensíveis”

JORGE CARVALHO – Ao formular a sua teoria do conhecimento, Aristóteles, que viveu entre os anos 384 e 322 antes de Cristo, nos ensinou que “nada está no intelecto, sem antes ter passado pelos sentidos”. Ninguém cria sem ter vivido experiências sensíveis. Desde 1975, quando um tio meu, psiquiatra, foi assassinado em Salvador por um seu paciente, o tema do homicídio praticado por pessoas que padecem com esquizofrenia vem frequentando a minha imaginação. Nos anos 90 do século XX, trabalhando como professor e pesquisador do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, tive a oportunidade de ler inúmeros processos criminais nos arquivos do Poder Judiciário dos Estados de Sergipe, Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Fiz anotações a partir de crimes que ocorreram na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século XX. Os fatos são distintos, mas há muitas características recorrentes. Sempre gostei muito de ler os estudos do historiador Boris Fausto sobre história de crimes. Volto a Aristóteles e digo: nós não somos apenas receptores de informação. O homem recria na consciência o mundo sensível que lhe chega através dos sentidos e o devolve ao mesmo mundo sob a forma de textos literários, de poesia, de música, de artes plásticas, de ensaios científicos. Esse foi o processo que me permitiu criar o universo presente em “Julho”.

SÓ SERGIPE – Afinal, “Julho” é um romance, uma novela ou um conto longo?

JORGE CARVALHO – Cada leitor se apropria ao seu modo. Para mim, criador, é uma novela. Mas, me entusiasma a percepção de cada um que lê o texto e o enquadra no gênero da sua preferência.

SÓ SERGIPE – Este livro é 100% ficção, ou o senhor parte de algum fato pré-acontecido em Sergipe?

JORGE CARVALHO – O que é 100% ficção? Retorno a Aristóteles: “Nada está no intelecto, sem antes ter passado pelos sentidos”.

SÓ SERGIPE – Qual é a sua versão, ou talvez a explicação, para tantas opiniões positivas no entorno de “Julho”?

JORGE CARVALHO – De gênio e de louco, todos nós temos um pouco. A esquizofrenia é sedutora porque em cada um de nós reside um “esquizofrênico”, seja em potência ou em ato mesmo.

SÓ SERGIPE – O senhor é um dos grandes intelectuais sergipanos, autor de 24 livros, a maioria deles acadêmicos. No caso de “Julho”, algum autor de ficção lhe serviu de inspiração?

JORGE CARVALHO – Vários escritores de ficção e não ficção me inspiram sempre. Boris Fausto, Garcia Marquez, Leon Tolstoi, Jackson da Silva Lima, Agatha Christie, Norbert Elias, Mariza Corrêa, Michel Foucault, Peter Fry, William James, Jorge Amado, Vargas Llosa, Leonardo Padura, Sigmund Freud e tantos e tantos…

SÓ SERGIPE – O hábito de ouvir o programa “Cada crime tem sua história”, na rádio Liberdade, com Silva Lima, também lhe serviu de mote?

JORGE CARVALHO – Na infância, ao lado da minha avó Petrina, todas as semanas, na quinta-feira, no rádio Phillips, cheio de válvulas quentes e conectado a uma enorme antena estendida sobre o telhado da casa, acompanhava as narrativas do “Cada crime tem sua história”, com Silva Lima. Os arquivos do programa estão à espera de um intelectual generoso que os decupe e publique sob a forma de texto.  É claro que desde sempre eu fui influenciado pelas narrativas de Silva Lima.

SÓ SERGIPE – No Portal dos Livreiros, que expõe a sua obra, há como palavras-chave angústia, esquizofrenia, guerra psicológica. O seu livro passeia por esses temas, tomando como base alguns estudiosos da Psicologia?

JORGE CARVALHO – Sou grato ao amigo psiquiatra Hamilton Maciel e a psicóloga Profa. Dra. Fabrícia Borges, atualmente docente e pesquisadora da Universidade de Brasília. Ambos leram o texto previamente e fizeram sugestões de outras leituras de obras clássicas da Psiquiatria que eu deveria visitar. Os olhares de Hamilton e de Fabrícia foram fundamentais para que eu desse polimento ao texto e compreendesse melhor o que diziam Sigmund Freud e outros teóricos dedicados a compreender o comportamento humano.

SÓ SERGIPE – “Julho” começa com uma pergunta: “Quem matou meu pai?”. O questionamento é da personagem Vera, que sofre de esquizofrenia. Recordo-me, então, de “Crônica de uma morte anunciada”, de Gabriel García Márquez, que o leitor já começa sabendo que Santiago Násar foi assassinado. Guardando-se as devidas proporções, há alguma relação entre a sua Vera e Ângela Ricário, de García Márquez?

JORGE CARVALHO – O universo de personagens criado por Garcia Marquez sempre esteve presente no meu imaginário.

SÓ SERGIPE – O senhor também tem outra obra intitulada “O Carvalho”, que soa como crônicas autobiográficas, pois na primeira parte é uma espécie de matriarcado Carvalho, seguindo com as memórias de sua avó Petrina e de sua tia Terezinha. Quem esperava um novo livro na mesma linha de “O Carvalho” se surpreende com “Julho”? O próprio autor se surpreendeu?

Jorge e a avó Petrina, e a tia Terezinha – ambas citadas no livro O Carvalho

JORGE CARVALHO – Como autor me considero um homem eclético e sem rosto. “Sou humano, nada que é humano me é estranho”. A frase de Publius Terêncio, dramaturgo e poeta romano que viveu entre 185 e 159 antes de Cristo, me entusiasma e serve de explicação à minha curiosidade ilimitada.

SÓ SERGIPE – Aliás, o senhor se sabia aquele memorialista todo que transborda e encanta em “O Carvalho”?

JORGE CARVALHO – Nenhum de nós sabe do que é capaz. A gente se redescobre diariamente.

SÓ SERGIPE – A fonte de “O Carvalho” secou ou virá por aí mais algo parecido com aquilo?

JORGE CARVALHO – Ainda não sei se vou publicar, mas tenho uma coleção de textos que está arquivada em um dos meus HDs, sob o título “O Nascimento”. São crônicas acerca dos homens da minha família. O que vai acontecer com esses textos ainda não sei.

SÓ SERGIPE – Em 1994, o senhor publicou “Positivismo, Ciência e Religião no Brasil” e uma segunda edição já está pronta. Ainda este ano, teremos mais um livro de sua autoria?

JORGE CARVALHO – Estamos às portas do Natal. É hora de confraternizar com a família e os amigos. Creio que a segunda edição de “Positivismo, Ciência e Religião no Brasil” virá no primeiro semestre de 2022.

SÓ SERGIPE – O senhor está trabalhando outros projetos literários ultimamente?

JORGE CARVALHO – Ultimamente ando meio preguiçoso.

SÓ SERGIPE – Além da literatura, da academia, uma outra paixão do senhor é a fotografia. Como está essa produção?

JORGE CARVALHO – Continuo fotografando enlouquecidamente. Por que e para quê, não sei explicar.

Jorge Carvalho com os amigos jornalistas Amaral Cavalcante (já falecido) Carlos Cauê e Luciano Correia

SÓ SERGIPE – Desde que lhe conheço, do começo dos anos 90, o senhor me passou sempre uma certa impressão de ser avesso ao lirismo que vaza da poesia brasileira e da sergipana. Ao ler “O Carvalho!” cabe a pergunta: algo mudou no gosto do senhor?

JORGE CARVALHO – Respondo com Caetano Veloso: “Tempo, tempo, tempo, tempo…”

SÓ SERGIPE – Quem na literatura brasileira e sergipana, na ficção e na poesia, lhe diz algo e lhe inspira?

JORGE CARVALHO – Joel Silveira, Jorge Amado, Machado de Assis, Amando Fontes, Luiz Antônio Barreto, Jackson da Silva Lima, Santo Souza, José Vasconcelos dos Anjos (Zeza), Jozailto Lima, Ana Maria Medina, Sílvio Romero, Anselmo Oliveira, José Lima Santana, Wagner Ribeiro, Marcos Melo, Carlos Cauê, Murilo Melins, Antonio Saracura, José Anderson Nascimento e Amaral Cavalcante.

SÓ SERGIPE – O senhor seria capaz de prever o que estaria a dizer Luiz Antônio Barreto, se vivo fosse, sobre o Jorge Carvalho de “Julho” e de “O Carvalho”?

JORGE CARVALHO – Creio que perceberia haver o discípulo incorporado muitas ideias do mestre e se frustraria por não ter o aluno incorporado tantas outras lições que ele ministrou.

SÓ SERGIPE – O senhor não acha o Sergipe intelectual, literário e acadêmico muito devedor à contribuição de Luiz Antônio Barreto à cultura e à literatura?

JORGE CARVALHO – Luiz Antônio Barreto é o nome mais importante da cultura sergipana no século XX.

SÓ SERGIPE – O senhor se sente um deserdado da cátedra?

JORGE CARVALHO – Jamais. A cátedra e o jornalismo me deram régua e compasso. Virei “gente” pelo jornalismo e pela cátedra.

 

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Sobre Antônio Carlos Garcia

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