Por Acácia Rios (*)
O habitante de Sergipe
tem personalidade viva,
susceptível;
delicado em aparência e espírito,
é rancoroso e ao mesmo tempo prático.
Paul Walle
Na crônica de hoje, volto ao tema de minha primeira publicação neste portal (“Aracaju pelo olhar de um viajante alemão”) para falar, desta vez, de outro cronista europeu que passou por Sergipe na década de 1900, o geólogo e naturalista francês Paul Walle. Refiro-me aqui às suas impressões sobre o nosso Estado, retratadas em Au Brèsil. États de Sergipe et Alagoas (E. Guilmoto, Éditeur, 1912) e que me chega às mãos por meio de um leitor da coluna.
Conforme assinala a capa do livro, o autor viajou pelo Brasil em missões diplomáticas atribuídas pelo Ministério do Comércio da França, do qual era funcionário. O objetivo era conhecer (ou espionar) as práticas comerciais e industriais de países concorrentes com os quais o Brasil mantinha relações econômicas, estudando novas formas de explorar as nossas riquezas.
Publicou as suas impressões em diferentes livros, divididos tematicamente por estados das regiões sudeste, norte e nordeste do Brasil. Também enveredou por outros países da América do Sul, como Bolívia e Peru. Algumas de suas edições podem ser encontradas (e encomendadas) nos dois idiomas no site do Senado Federal e facilmente localizáveis na biblioteca Palácio do Itamaraty, em Brasília.
Mas entremos no tema. Depois de destacar os municípios de Estância, Simão Dias, Laranjeiras, Itabaiana, Lagarto e São Cristóvão, Walle dedica algumas páginas à capital sergipana, espaço ao qual aludirei. Diferentemente do viajante alemão Robert Avé-Lallemont, que visitou Aracaju no século 19 e se deteve mais longamente nas características etnográficas e culturais, o francês enfatiza sobretudo os aspectos físicos, com especial destaque para a economia, geografia e uso de dados numéricos, sem ensaiar observações pessoais.
Apesar do teor burocrático, no entanto, é possível extrair diversas passagens descritivas que revelam o seu olhar sobre o mobiliário urbano do Centro, como no trecho a seguir: “As ruas são retas e paralelas, suficientemente largas. As principais são: Aurora, São Cristóvão, Laranjeiras, Itaporanga e Japaratuba. São geralmente longas e oferecem uma vista aprazível.” A rua Aurora, que já se chamou Tramanday, atualmente é a Avenida Ivo do Prado.
Os edifícios públicos, para Walle, não são marcantes, mas destaca alguns deles, como a Catedral que, com sua fachada de duas torres quadrangulares, guarda certa originalidade. “É uma ampla construção em forma de paralelogramo, onde toda a arquitetura exterior é híbrida, em pesado estilo ogival alemão e cuja modesta escadaria dá acesso ao templo”. De fato, a Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Conceição, de1859, tem estilos neoclássico e neogótico.
Ler a sua descrição sobre a Igreja Matriz traz à memória a minha familiaridade com o seu entorno, o Parque Teófilo Dantas (que outrora abrigou o famoso Carrossel de Seu Tobias). Meus tios paternos moravam na rua Santo Amaro e, sempre que os visitava, meu pai me levava para brincar no parque e ver os peixes ornamentais do lago artificial que compunha o seu desenho paisagístico. Também comi muitos oitis das suas gigantescas e generosas árvores.
Outra grata lembrança é o vagão de trem (Expresso Abelha) que, salvo engano, se localizava bem em frente à Panificadora Sergipana (a preferida do meu pai, na esquina da rua Santo Amaro). Aos sábados pela manhã meu pai me deixava dentro daquele mundo colorido cheio de livros infantis, lápis de cor, tinta guache, pincéis e me esperava do lado de fora, pacientemente, até eu me dar por satisfeita das brincadeiras. Depois, íamos comprar o pão e eu voltava pra casa saboreando uma deliciosa broa de milho.
Mas voltando a Walle, sem deixar de mencionar as “simétricas faixas de palmeiras” da atual praça Fausto Cardoso, outro edifício que lhe chama a atenção é o Palácio do Governo (atual Museu Olympio Campos). “Uma boa construção de dois andares, sem grandes ornamentos, salvo as janelas e as armas da República no seu frontão e cujo interior é decorado com elegância e bom gosto”. De fato, é uma das nossas mais bonitas construções.
Em seguida, refere-se à Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), “um grande e claro edifício cuja fachada principal ostenta um frontão que repousa sobre duas colunas de estilo clássico”. A edificação citada é o atual Palácio Fausto Cardoso (vizinho ao Olympio Campos). Devido às demandas burocráticas, a sede da Alese foi transferida em 1987 para dali a alguns metros, na esquina onde se inicia a avenida Ivo do Prado.

Mesmo sem mencionar a Ponte do Imperador, construída para recepcionar Dom Pedro II, as duas imagens fotográficas mostram-na da perspectiva do rio Sergipe. Nota-se a ponte bem diferente da que conhecemos hoje, o que demonstra as mudanças pelas quais passou desde a sua inauguração, em 1860. As colunas se comunicavam formando um pórtico. Outro detalhe é que a proteção de concreto ao fundo tinha o formato de coreto.
A Aracaju descrita por Paul Walle nos ajuda a compor um quadro-síntese da capital e das suas transformações nos primeiros anos do século. Para além do seu tecnicismo, arriscaria dizer que nos dá um retrato, em outro ângulo, de como nos apropriamos do espaço e construímos valores identitários e culturais próprios.
(Todas as citações foram traduzidas livremente pela autora).]
Revisão: Joara Carvalho