terça-feira, 23/04/2024

A vida acontece todo dia

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Luiz Thadeu (*)

Viver é arte, construção contínua e permanente, aprendizado constante, rasgar-se e cingir-se sempre. Esquentar e esfriar. Sabedoria é inteligência colocada em prática, bem-aventurados os que aprendem a arte do bem viver. A vida é dom, concessão divina, mistério. Não sabemos de onde viemos, para que viemos, quando vamos, para onde vamos. Mistérios. Sabedoria é aproveitar o intervalo. Somos tão fugazes que não somos, estamos, somos seres de travessia. Aproveitar o que a vida oferece de bom é a melhor maneira de viver. Viver é mister, algo sublime. Uns nascem para ser padre, outros para padecer. Uma enorme diferença entre viver e existir. Uns aprendem desde cedo quão valiosa é a vida, outros a gastam sem parcimônia. 

A vida é isso: ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências.

Gosto de uma frase de Antônio Abujamra, “A vida é tua, gaste-a como quiser”. 

Desde que por aqui aportei, na madrugada de uma segunda-feira chuvosa, 07 de dezembro de 1958, ainda no século passado, em um parto complicado, a fórceps, minha mãe teve eclampsia, que me esforço para aprender a viver. Para vir ao mundo tive que ser tirado nos ferros, talvez porque no útero materno estava mais seguro e confortável, não sabia o que cá me esperava. Talvez prevendo que a perderia dezessete anos depois, queria ficar um pouco mais no ventre de minha mãe. Sou primogênito, cresci cercado do que há de melhor no mundo, o amor. 

Observador atento do meu entorno, cedo aprendi que a vida é um grande teatro, enorme encenação. Com a passagem do tempo, já vi o mundo acabar tantas vezes e no dia seguinte continuar o mesmo. O lado bom de uma vida longeva é saber que tudo passa, o bom e o ruim, nada é para sempre. Vi coisas muito interessantes nesta vida, por esse mundão de meu Deus, por onde andei. Após o acidente de carro, em julho/2003, em que tudo mudou, tive mais uma vez de me reinventar. Uns chamam isso de resiliência, eu chamo de aprendizado. 

Amparado em um par de muletas, saí pelo mundo, visitei 143 países em todos os continentes da Terra. Coisa impensável antes. Vi principalmente que somos iguais em todos os lugares do mundo. Temos: desejos, sonhos, medos, necessidades. 

Aprendi que riqueza é ter saúde, sossego e tempo para realizar pequenos desejos. 

Há tempos vejo pessoas, principalmente da minha geração, se queixarem que não têm três coisas: tempo, dinheiro e tesão, ao que sempre respondo: pois eu tenho os três, não é muito, mas bem administrado. Tenho tempo para ouvir música, ler, vê filmes, fotografar entardeceres, escrever; tempo para o sexo, que é quando me conecto direto com Deus. Foi através do sexo que por aqui aportei, e você também, caro leitor, amiga leitora.

Não tenho pressa pois carrego em mim um menino, um jovem, um adulto, e agora no outono da vida, um velho que ainda tem muita coisa a aprender, com fome e sede de conhecimentos, com os olhos voltados para o novo. O novo me fascina, reinventei-me  após conhecer as maravilhas da internet. Quarenta anos após graduar-me em Engenharia Agronômica, iniciei o curso de Jornalismo e uma pós em Marketing. 

Desde muito cedo, eduquei os olhos para o belo, mesmo rodeado de coisas e situações nem sempre bonitas. Sou especialista em perrengues, de tantos que vivi e vivenciei. Não sou homem de excessos; o pouco, ou melhor, o essencial me basta. Tenho horror ao desperdício, pois se gastar a mais, fará falta. De onde se tira e não se coloca, acaba.

Tento fazer da passagem do tempo um aliado, e como disse o poeta Mário Lago, “fiz um acordo com o tempo…. nem me persegue, nem eu fujo dele. Qualquer dia a gente se encontra”. Dessa forma, vou vivendo intensamente cada momento. 

A vida exige persistência, calma na alma e muita coragem. E assim, passo a passo sigo meu rumo. Por algum tempo pensei que tudo tinha que se arrumar para ser feliz. Ser feliz é aqui e agora, o que passou não volta mais, o que vem pela frente é desconhecido, imponderável, mistério. 

Nasci sem grandes talentos, nem assobiar sei, mas Papai do Céu me deu um anjo da guarda top, o que ele tem me salvado de perrengues, é inacreditável. 

Tenho uma ótima e sadia família, filhos amigos, parceiros, homens decentes. Tenho amigos, alguns de longas datas. 

 Sou homem de fé inabalável no Deus Vivo, prova viva de que Deus existe. Só cheguei aqui, graças ao bom e maravilhoso Deus. Sem Deus, nada. 

Vou lhe contar um segredo, caro leitor, amiga leitora. Sou um homem de muitos medos, diria até, de enormes medos, mas dou um comando para o meu cérebro: já que só tem tu, vai tu mesmo. Assim, sigo a caminhada, já que tenho que contar comigo mesmo. Até pouco tempo, por causa de uma insegurança persistente, não tinha segurança de conquistar muitas coisas, por causa disso perdi enormes oportunidades: namoradas, cargos.

Após o acidente, que deixou marcas indeléveis, me reinventei, passei a falar em público, expor minhas ideias, falar de meus problemas, escrever em jornais. Proferi palestras para duas mil pessoas, tenho familiaridade com câmeras de TVs, escrevo para sete jornais e duas revistas. Este ano tive um artigo publicado na Folha de São Paulo, o maior e mais respeitado jornal de língua portuguesa. São pequenas coisas que me enchem de orgulho. 

A vida segue seu curso, e lembro do meu velho e saudoso pai, Luís Magno: “Filho, segue teus sonhos, faz o que tu gostas, sem prejudicar teu próximo, e enquanto tiveres bebendo mais cerveja do que remédio, estarás no lucro, aproveita, tudo passa”. Meu velho pai partiu aos 84 anos, era sábio, sem excessos; com pouco, descobriu a leveza da arte do bem viver. 

A vida acontece todo dia. Como tenho menos tempo pela frente, agora é administrar da melhor e mais racional maneira possível o tempo que me resta. Perder tempo com questiúnculas é insanidade. 

Que Deus possa me proteger para eu continuar na caminhada, sentindo cada etapa do caminho, observando cada detalhe. Mesmo com os perrengues, que nunca deixe de sonhar. Que possa me emocionar com cada nova conquista, que me alegre diante das belezas da vida. E que nunca perca a capacidade de enxergar o mundo com olhos de esperança. A vida não me cansa porque tenho um bocado de sonhos e planos a realizar, e um desejo inconfessável que dê certo. Minha matéria prima são os sonhos. 

Aos 63 anos, que completo hoje, só tenho a agradecer ao bom e misericordioso Deus por cada batalha vencida, cada dor suportada, cada degrau subido. 

Um brinde à vida. 

(*) Engenheiro agrônomo, palestrante, cronista, viajante e sonhador. O sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.

 

 

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Sobre Luiz Thadeu Nunes

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Eng. Agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da Terra. Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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