Por Antônio Carlos Garcia (*)
Sergipe pode enfrentar prejuízo bilionário e queda de até 0,25% no Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência da imposição de tarifas de até 50% nas exportações de produtos brasileiros para os Estados Unidos, com impacto direto sobre o suco de laranja congelado, óleos essenciais cítricos e o petróleo bruto — que juntos representam quase 90% das exportações sergipanas para o mercado norte-americano. A estimativa de perda pode alcançar US$ 100 milhões (cerca de R$ 550 milhões), segundo nota técnica elaborada pela Agência Sergipe de Desenvolvimento (Desenvolve-SE).
O levantamento aponta para uma possível perda de receita de quase R$ 155 milhões apenas com os sucos cítricos, o que acende um alerta para os riscos à economia do estado, que tornou-se fortemente dependente de poucos produtos e de um único mercado. O impacto pode comprometer diretamente a competitividade dos produtos sergipanos e gerar efeitos em cadeia, especialmente no ciclo da citricultura.
Essa vulnerabilidade ocorre justamente no momento em que Sergipe registrou um feito histórico: no primeiro semestre de 2025, o estado alcançou superávit comercial com os EUA. As exportações somaram US$ 54,5 milhões (cerca de R$ 303,5 milhões), o equivalente a 31,35% de toda a pauta exportadora estadual — um salto expressivo em relação aos 3,72% registrados há apenas dois anos. Com isso, Sergipe se posicionou entre os 20 estados brasileiros que mais exportam para os EUA, com destaque para itens como petróleo e sucos cítricos.
O saldo da balança comercial entre Sergipe e os Estados Unidos, que era negativo em mais de US$ 75 milhões em 2023, passou a ser positivo em US$ 16,7 milhões no primeiro semestre de 2025. Apesar do avanço, o estudo da Desenvolve-SE reforça os riscos de manter uma pauta concentrada: o petróleo bruto e o suco de laranja respondem por 87,8% das vendas aos EUA. Do lado das importações, 90% são insumos energéticos, como gás natural liquefeito e coque de petróleo.
Cenário de risco
O estudo propõe estratégias para reduzir a vulnerabilidade externa. Entre elas, estão a diversificação da pauta exportadora, o aproveitamento de subprodutos da laranja (como óleos essenciais e farelos para ração) e a atração de indústrias de cosméticos e alimentos que utilizem esses insumos. Também sugere a mobilização de empresas para participar da Chamada Nordeste, do BNDES e da Sudene, que oferece financiamento para inovação, sustentabilidade e modernização industrial — o que pode ajudar empresas impactadas pelas tarifas norte-americanas.
Mesmo diante das ameaças, os EUA seguem como principal destino individual das exportações sergipanas. “Fomos pegos de surpresa, mas montamos um grupo de trabalho para mapear os impactos e traçar estratégias. O impacto será sentido, é inevitável, mas nosso papel é buscar alternativas”, afirma Milton Andrade, presidente da Desenvolve-SE. Segundo ele, a agência já iniciou contatos com empresas da cadeia produtiva para ajudar na abertura de novos mercados.
A proposta é criar um grupo de trabalho para tratar de forma permanente do comércio internacional em Sergipe, reunindo o setor produtivo, instituições de crédito, universidades e órgãos de fomento, para estruturar uma agenda integrada, que fortaleça as exportações com inteligência, inovação e sustentabilidade.
Mercado estrangulado
Para Alisson Souza, produtor de laranja pêra no povoado Grotão, município de Estância (SE), o cenário é de grande preocupação. Desde 2021, ele produz exclusivamente para a indústria de suco concentrado, abastecendo empresas como a Tropfruit e a Maratá. No entanto, com o anúncio das tarifas norte-americanas e os recentes gargalos logísticos enfrentados pelas fábricas, a cadeia produtiva encontra-se em alerta máximo.
“Fomos estimulados a produzir mais. O preço da tonelada vinha subindo com frequência e isso atraiu muitos produtores, inclusive gente que antes trabalhava só com milho, leite ou gado e começou a investir na laranja”, explica Alisson. Segundo ele, a valorização da fruta reaqueceu um mercado que esteve adormecido por décadas, sobretudo na região de Boquim, que já foi um polo citrícola importante no passado.
Com a alta demanda, muitos produtores experientes e novatos passaram a comprar terras na região sul de Sergipe e até mesmo na Bahia. O resultado foi um crescimento acelerado da produção, que deve continuar nos próximos anos. “Só que esse aumento não é o responsável direto pela queda de preço ou pelo caos logístico que a gente vive agora”, alerta.
O produtor aponta uma série de fatores que se somaram, resultando num gargalo preocupante: após um período de valorização, em que a tonelada da fruta chegou a R$ 2.000, o preço desabou para R$ 700 em apenas seis meses. Ao mesmo tempo, as fábricas passaram a exigir padrões de qualidade mais rigorosos, como um ratio mínimo (relação entre acidez e teor de açúcar) de 14 a 15 — algo difícil de atingir no clima sergipano.


“Produtores começaram a segurar a colheita esperando o amadurecimento da fruta, mas, quando chegou junho e julho, não tinha mais como deixar a laranja no pé. Ela caiu e todo mundo correu para entregar. Foi aí que a fábrica travou, parou de receber por três dias para escoar o que já estava dentro. A gente não pode mais carregar o caminhão e ir lá. Agora tem que agendar, mas esse agendamento nunca acontece de fato.”
Alisson relata ainda que o suco concentrado está sendo estocado em tambores e contêineres, alguns já despachados e outros aguardando embarque para os EUA. Com os estoques saturados e o risco de alta das tarifas, o temor é que parte da produção nem chegue ao destino final.
A fábrica, segundo ele, está priorizando quem consegue entregar em volume e em condições específicas, o que prejudica pequenos e médios produtores. “Tem gente com pomar pronto para colher e sem ter para onde mandar. A fruta vai perdendo peso, apodrece e o prejuízo só aumenta”, finaliza.
Procuradas pelo Só Sergipe, as duas principais fábricas sergipanas exportadoras de suco concentrado de laranja para o mercado norte-americano – Tropfruit e Maratá – não quiseram falar sobre o assunto neste momento.
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