terça-feira, 19/03/2024
O advogado Guilherme Teles faz críticas à nova Previdência

“Reforma da Previdência é um presente de grego”

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A Reforma da Previdência,  promulgada no dia 12 de novembro, é um presente de grego na visão do advogado previdenciarista e professor da Universidade Tiradentes (Unit), Guilherme Teles, que prevê um impacto negativo para a população, em virtude das novas regras aprovadas. Enquanto a União  vislumbra uma economia de R$ 800 bilhões ao longo dos próximos 10 anos, para os  segurados o futuro é de incerteza, “porque não sabemos, exatamente, qual será a projeção econômica  do país”. Guilherme Teles, que também preside a Comissão de Direito Previdenciário da OAB, lamentou que, de agora em diante, os cálculos dos benefícios mudaram para pior. “Antes os cálculos dos benefícios, a exemplo de uma aposentadoria,  eram feitos com base  nos 80% das  maiores contribuições,  de julho de 1994 para cá. Agora, é 100% de todo o período. Aquelas pessoas que tiveram altos e baixos nas contribuições terão um prejuízo de 10% no valor benefício”. explicou. Durante toda a discussão da Reforma da  Previdência,  Guilherme  afirmou que não houve uma participação efetiva da comunidade, dos sindicatos para discutirem e chegarem a um consenso do que poderia ser bom para os trabalhadores. Mas foi entre os políticos – deputados federais e senadores –  que não houve ação. “O Congresso Nacional poderia ter sido  mais efetivo no sentido de preservar o equilíbrio financeiro  e atuarial do sistema previdenciário, para não gerar um possível  aumento da desigualdade social no Brasil. Não tivemos um Congresso que representou o povo brasileiro neste momento, porque,  com exceção de pouquíssimos parlamentares  que realmente brigaram para que a reforma não saísse da maneira que foi aprovada, lamentavelmente, tivemos esse presente de grego com essa reforma, que não é mais uma discussão, mas uma realidade”. Na quinta-feira, entre uma aula e outra na Unit, Guilherme Teles recebeu o Só Sergipe para a seguinte entrevista.

SÓ SERGIPE – O que a nova Previdência, promulgada recentemente, traz de novidades  para os brasileiros?

GUILHERME TELES –  Nós tivemos uma tentativa de Reforma da Previdência no governo Michel Temer,  que era PEC 287\2016, mas que foi barrada no começo. E agora, no  dia 20 de fevereiro, no governo de Jair Bolsonaro, ele levou a PEC  06\2019 ao Congresso, que tramitou   e que foi promulgada no dia 12 de novembro. Nós temos  uma das mais profundas reformas da previdência, desde a Constituição de 1988, e ainda há muita  incerteza quanto aos verdadeiros impactos que ela vai causar.

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), durante a promulgação
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

SS – Por quê?

GT – Por parte do governo,  há uma expectativa muito grande  de que a Reforma traga a economia dos mais de R$ 800 bilhões ao longo dos próximos 10 anos, e por  parte dos segurados há uma grande incerteza  sobre o futuro, porque não sabemos, exatamente, qual será a projeção econômica  do país ao longo destes próximos 10 anos.

SS – Os cálculos da aposentadoria também mudaram. O senhor pode explicar, por favor?

GT – Na minha opinião, uma das principais e piores mudanças no que diz respeito a essa reforma, está no cálculo do valor do benefício, nas pensões por morte. Isso já estava  valendo e não tem prazo. Hoje, 14 de novembro, já está valendo. Os benefícios serão  calculados de maneira diferente:  até o dia 11, os cálculos dos benefícios, a exemplo de uma aposentadoria,  eram feitos com base  nos 80% das  maiores contribuições,  de julho de 1994 para cá. Ou seja,  as contribuições que  tinham em julho de 94 até a data de entrada de requerimento da aposentadoria, aproveitam-se 80% das maiores e excluíam-se 20% das menores. Agora é 100% de todo período, contando de julho  de 94 até a data de requerida a aposentadoria, e isso faz  com que cause um impacto negativo nos valores, tendo uma redução de 10% a 15% no valor final. Lembrando que, para quem recebe salário mínimo, isso não causa  impacto nenhum, porque os benefícios não podem ser pagos em valor inferior ao salário mínimo.

SS – O senhor teria como fazer uma simulação de como fica na prática?

GT – Essa mudança é muito significativa e prejudicial. Dificilmente um trabalhador da iniciativa privada passa  a vida inteira contribuindo com os mesmos valores. Quando nós tínhamos  uma regra antes da reforma, que excluía-se os 20% dos vencimentos menores, isso prejudicava menos  naquele momento.  Agora que temos os cálculos em cima de todas as contribuições desse período, significa dizer que aqueles trabalhadores, que em dado momento recebeu um salário e depois três ou quatro,  ou seja, que houve altos e baixos, vai refletir no pagamento inicial e nos demais. Infelizmente, nivela por baixo. E está aí um dos motivos que leva a essa suposta economia  tanto falada pelo ministro Paulo Guedes.

SS – Qual seria o cálculo ideal?

GT – A regra que nós  tínhamos,  ainda que não fosse a perfeita, era a mais justa, porque teríamos,  naturalmente, valores pouco melhores do que aqueles que serão pagos de agora em diante. Uma opinião  pessoal: eu acho que  o cálculo para se chegar ao benefício de uma aposentadoria deveria levar em conta , não de julho de 1994 para cá, mas  todo o período contributivo. Imagine um trabalhador na iminência de uma aposentadoria, mas integra o sistema previdenciário desde a década de 70 ou 80. O tempo dele será  contabilizado como um todo, mas para efeito de cálculo, somente de julho de 94 para cá. Isso não é novidade na reforma da previdência. Mas, repito, não teremos a exclusão dos 20% menores salários de contribuição. Existe uma tese chamada  de ‘revisão da vida toda’, os advogados da área trabalham com ela para que seja levado em conta todo período contributivo na hora do cálculo. Imagine que de 1970 até 1993 você contribuiu com o teto, mas de 1994 para cá contribuiu com um salário mínimo. Logo, vai se aposentar com um salário mínimo. Aquelas pessoas que tiveram altos e baixos nas contribuições terão um prejuízo de 10% no valor benefício.

SS – Faltou uma atuação melhor dos congressistas na hora de discutir a reforma? E dos representantes de Sergipe?

GT – Eu parto do pressuposto que precisávamos de uma reforma da previdência. Mas qual? De uma forma que tivesse um levantamento de dados e efetiva participação da sociedade, de sindicatos, enfim dos trabalhadores e segurados de um modo geral, para que  esse impacto fosse menor e a coisa fosse tratada de forma mais séria.  Infelizmente, o Congresso Nacional agiu de forma  rápida, com um tema que envolve, não 10% ou 20% da população, mas quase a totalidade que está inserida no sistema ou será inserida no futuro muito próximo. O Congresso Nacional poderia ter sido  mais efetivo no sentido de preservar o equilíbrio financeiro  e atuarial do sistema previdenciário, mas não gerar um possível  aumento da desigualdade social no Brasil. Não tivemos um Congresso que representou o povo brasileiro neste momento, porque,  com exceção de pouquíssimos parlamentares realmente brigaram para que a reforma não saísse da maneira que foi aprovada, lamentavelmente, tivemos esse presente de grego com essa reforma, que não é mais uma discussão, mas uma realidade.

SS – Como ficou a situação dos Estados nessa reforma?

GT – Nesse  exato  momento existe uma PEC tramitando o Congresso Nacional,  a PEC Paralela, porque estados e municípios que possuem regimes próprios estavam dentro do  texto original da reforma.  Só que a Câmara dos Deputados não quis votar esse texto, que veio depois na PEC Paralela. Não temos, ainda,  modificações no que diz respeito as servidores públicos estaduais e municipais, com um detalhe:  municípios que têm regime próprio de previdência, a exemplo de Aracaju. Mas a realidade do país é que  mais de 50% dos municípios brasileiros não possuem regime próprio e seguem as regras do INSS. Mas os Estados têm regime próprio. Mas há a expectativa que a PEC Paralela ande bem mais rápida do que a Reforma da previdência andou. A tendência natural é que os deputados e senadores deixem a regra dos Estados e município igual ou muito semelhantes da Previdência em vigor. É claro que os servidores públicos têm suas peculiaridades, inclusive no momento da aposentadoria. Mas a tendência a natural é que os regimes – tanto na iniciativa privada como os próprios –fiquem muito parecidos.

SS – E  com relação aos militares, como ficou?

GT – Uma das  principais mudanças é que agora temos idade mínima para todas as aposentadoria e categorias. Existia até  o dia 12 de novembro, a possibilidade da aposentadoria por tempo de contribuição, mas hoje não existe mais. Porque toda aposentadoria, além de tempo mínimo de contribuição, tem que ter idade. Isso não vai ser diferente com os policiais. O que causa muitas dúvidas na população é que no caso dos militares, a alteração na legislação previdenciária é diferente daquilo que foi aprovado. A reforma não entra no mérito dos militares das Forças  Armadas, por exemplo. Existe uma mudança na legislação infra constitucional que tramita no Congresso, certamente será aprovada, mas é diferente. Aí não trata  na Constituição, mas na legislação infra constitucional, e isso vai fazer com que exista uma reforma dos militares, mas também uma reformulação na carreira dos militares. O que tem gerado muita crítica, e com razão,  é que nessa reformulação,  os militares de patente mais elevada estão  sendo privilegiados se comparados com aqueles de baixa patente. O que tem que deixar claro é : a reforma da previdência não altera para os militares. Mas a previdência dos militares está no Congresso para que sejam aprovadas as mudanças. Regra geral , todos nós entraremos na reforma.

SS – O senhor diz que a reforma é um presente de grego. O futuro é sombrio para os aposentados?

GT –  O que posso dizer com muita segurança é que os parlamentares   lembraram que existe um direito adquirido e quanto a isso , nada muda. Mas, existe no Brasil  um discurso que não é novo, do tempo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que diz respeito  ao chamado rombo na previdência. Existiram diversas tentativas de reformas  e a todo momento o discurso é esse. Isso causa insegurança jurídica nas pessoas , porque nossa previdência é formada pelo princípio da solidariedade e existe um pacto de gerações. Aquelas pessoas que há 20 anos pensaram que iriam se aposentar, agora, certamente, passam por momento de insegurança. Temos uma constituição jovem, mas bastante alterada e complexa, cheia de emendas. Temos 103 emendas, o que não é pouco para uma Constituição com cerca de 250 artigos. Nós,  enquanto nação, não conseguimos implementar ainda muito  do que está na Constituição e já estamos mudando.  E isso diz respeito à previdência, que faz parte da seguridade social, que é um sistema maior previsto no artigo 194 da Constituição. Quando se fala em seguridade , fala em saúde, assistência social e previdência. Só que a previdência tem um caráter  contributivo\retributivo.  Só terei acesso à previdência se eu contribuo. Observamos que na Constituição, de apenas 30 anos, tivemos mais de uma reforma da previdência e, naturalmente,  causa insegurança, porque não estamos podendo fazer previsão de futuro com base  em algo que lhe traga mais certeza. E, os jovens, com  essa reforma, não se sentem motivados a pertencerem ao sistema previdenciário, que só faz reduzir o valor do benefício.  Há um estímulo enorme para as pessoas pouparem e investirem em outras  coisas, a exemplo da previdência privada. Mas isso não é realidade para a maioria que ganha um salário mínimo ou menos. Hoje, os valores são de um salário mínimo, e como é que um ministro da Economia diz que um pobre vai poupar? Não tem como. O sistema previdenciário não é perfeito e poderíamos adequar , levantar o debate para que o impacto na vida das pessoas fosse um pouco menor. Mas o que estamos vendo é uma imposição.

SS – Como fica para aquelas pessoas que, até o dia da promulgação, preenchiam requisitos para aposentadoria?

GT – Elas  fiquem tranquilas, porque  elas têm o direito adquirido. Ainda que  a pessoa venha pedir a aposentadoria no final do ano,  se os requisitos já foram preenchidos até 12 de novembro terá direito adquirido. Aquelas pessoas  que estão   a pouco tempo de conseguirem a aposentadoria (no máximo dois anos),  estão dentro de uma regra de transição. As regras  vão se adequar de acordo com o caso concreto. Existem seis regras  dentro da reforma e a pessoa tem que verificar com a mais adequada.

SS – Há mais mudanças?

GT – Outra coisa que a  reforma, num primeiro momento, não eliminou  é o fator previdenciário, que é  fórmula matemática que reduz o valor das aposentadorias. O sistema  de pontos para conseguir aposentadoria integral não foi extinto, continuaremos com ele por nove ou 10 anos. Mas  na  pensão por morte, o valor será menor, e quem recebe o mínimo vai continuar recebendo, embora o Congresso quisesse mudar isso.  Para as pessoas que recebem benefício de prestação continuada (BPC\Loas) nada altera; trabalhador rural continua com os mesmos requisitos, mas com uma observação: apesar da reforma  não ter feito alteração na aposentadoria, tivemos alteração que começa a valer em 2020. O  trabalhador rural fará uma auto declaração e provar que é rural, anualmente. Isso não está no texto da   previdência, mas é um alerta que faço.

SS – E os acúmulos de benefícios?

GT – Acúmulo de benefícios com pensão também sofre  alterações, no que diz respeito ao valor. Antes da reforma, você acumulava uma aposentadoria e uma pensão por morte com valor integral. Agora haverá limitações nestes valores. O benefício chamado  de aposentadoria por invalidez passa a se chamar aposentadoria por incapacidade permanente com alteração: esse benefício só será pago no valor de 100% da média salarial se for  invalidez ocasionada por  doença ocupacional ou acidente do trabalho.  Caso contrário, começa em 60% do valor. Auxílio doença nada altera e um dos benefícios mais afetados foi, sem dúvida, a aposentadoria  especial  voltada para os trabalhadores expostos a agentes nocivos. O Congresso tentou, de todas as maneiras retirar  a aposentadoria especial, mas  depois de um grande acordo conseguiram deixar, pelo menos, para  os  vigilantes armados.

SS – Novidades nas alíquotas?

GT  – Teremos ainda algumas questões na Justiça, pois a reforma alterou alíquotas no que diz respeito à contribuição previdenciária. No dia 13, a Associação dos Juízes do Brasil, juntamente com os procuradores,  ingressaram com uma ação direta de  inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal , no que diz respeito as alíquotas de  contribuições destas pessoas. A menor alíquota que antes era de 8% para quem recebia o salário mínimo, agora é de 7,5%. Esse foi o grande benefício, ou seja, 0,5% a menos de contribuição que não dá para comprar nem um cafezinho com pão. E nós teremos, num futuro muito próximo, os primeiros impactos reais, com o valor menor das pensões por morte e  valores menores na aposentadoria. Regra geral, no Brasil os homens só podem se aposentar  quando tiverem 65 anos de idade e 15 anos de tempo de contribuição, com uma ressalva: os homens que entrarem no  mercado de trabalho precisarão, lá na frente, terem  20 anos de tempo de contribuição. E as mulheres continuarão  precisando de 15 anos de contribuição, mas com 62 anos de idade. Antes, 60 anos. Aposentadoria por tempo de contribuição que era de 30 anos para mulher e 35 para os homens deixa de existir. Agora, sem idade mínima ninguém pode se aposentar. Professores, policiais e especiais terão idade um pouco menor, mas ainda sim todos terão idade mínima. Acredito que teremos ações discutindo  constitucionalidade de artigos. É  importante que as pessoas percebam o verdadeiro impacto  com redução dos benefícios previdenciários. Cada  dia uma novidade e esperando o que estar por vir.

 

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Sobre Antonio Carlos Garcia

Editor do Portal Só Sergipe

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