quinta-feira, 20/11/2025
Manifestação em Brasília
Manifestação contra a PEC da Bandidagem, outras mazelas e o desejo das quatro linhas, em Brasília Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Uma boa semana, enfim

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Por Luciano Correia (*)

 

O mês de setembro, convenhamos saiu fora da curva dos últimos anos, com suas manchetes maravilhosas. O domingo que antecedeu as cores da primavera devolveu em nós uma esperança que vinha murchando mais e mais, sem conseguir ver uma luz no fim do túnel escuro em que o Brasil foi jogado pela pior escória que nos dominou nesses 525 anos. Os nossos ídolos ainda são os mesmos. Que bom que seguem os mesmos, como em 1968, quando foram às ruas na passeata dos Cem Mil, ou em 1983, pelas Diretas Já. Caetano, Chico, Gil, Djavan, Paulinho da Viola e tantos outros largaram um pouco seus batentes e subiram num trio elétrico pela democracia, pelo resto de dignidade que se pode lutar nesse país.

A força dos atos de domingo consiste primeiramente nisso: na certeza de que havíamos chegado no fundo do poço. A essa altura, é viver ou morrer. Esse cansaço e desespero enxergado pela antena fina dos nossos artistas é o mesmo fastio que contaminou a todos, as pessoas decentes que vivem honestamente suas vidas e não aguentam mais tanta bandalheira. A presença desse primeiro time da MPB foi fundamental, não pela música, evidentemente, mas pelo apelo dramático dirigido a um país atônito. E o povo atendeu ao chamado. Lavou nossa honra nas praças públicas das capitais.

O efeito foi imediato: logo nas primeiras horas já tinha deputado fazendo mea culpa, desembarcando da criminosa PEC da Bandidagem. Não há termo melhor pra definir essa infâmia. A Câmara dos Deputados, desgraçadamente, se converteu num extrato de podridão do que há de pior no Brasil atual, contaminado já algum tempo por estranhas relações com o narcotráfico, evangélicos tarados e pedófilos, milícias e policiais dos esquadrões da morte. Quem deu o voto nessa monstruosidade, perca as esperanças de uma morte feliz, de uma vida eterna em paz.

Alguém que vota numa coisa dessas não conseguirá olhar para um filho pequeno sem se constranger. Terá agora que pedir perdão eternamente, ou, como canta o próprio Gil: “Gasta um dia da vida/ tratando a ferida/ do teu coração. / Faz o espírito obeso correr, perder peso, ficar são”. Para o nobre deputado e deputada que marcaram o vergonhoso “sim” na PEC da legalização do crime, nem precisa expurgar seus pecados nas chapas quentes do purgatório, afinal, ainda na canção de Gil, “basta ver-te em teu mundo interno/ pra sacar teu inferno/ teu inferno é aqui”.

E a safra de boas notícias se completou com uma estupenda colheita, plantada por um simples discurso político. Lula, em quem eu votei várias vezes e devo votar novamente, com minhas inegociáveis ressalvas, foi maior que o Lula de todos os tempos. Lembrei do meu amigo Marcelo Déda encantado com a eleição de Barack Obama, a quem chamou de “um César negro”. Naquela quadra eu também concordei com ele, que, tristemente, não está mais aqui para ver que errou na análise. Mas ficaria maravilhado com a fala cortante, potente e responsável de seu compadre Lula.

Lula na ONU
Lula: discurso cirúrgico na ONU Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula foi cirúrgico num discurso que surpreendeu sua xoxa política externa, executada por diplomatas medíocres. Quem tiver dúvidas dessa equipe meia boca, leia o grande Paulo Nogueira Batista Júnior. Foi corajoso e conferiu relevância a um evento que vinha definhando a cada reunião, fruto da falência geral da própria ONU. Pareceu jogo da seleção, quando a seleção jogava e ganhava. Lembrei de amigos espanhóis da minha temporada em Madrid, discutindo a crise de 2010 nos bares, encantados com as medidas que Lula tomara para que o Brasil atravessasse o terremoto econômico sem maiores danos à nossa economia. A esquerda espanhola citava a disposição do presidente brasileiro para cobrar atitudes de seu acovardado governo socialista.

Por fim, o abraço e a química. O velho Ulisses Guimarães dizia que política é namoro de homem. Não há dúvida. E Lula sempre entendeu isso, despejando seu charme por cima de quem encontra pela frente, seja de direita ou esquerda. O doidão laranja caiu no chaveco e agora os dois vão se sentar. Só fiquei pensando no presidiário, com aquelas obstruções intestinais, depois de ver as matérias nas TVs do mundo inteiro, indo dormir, literalmente, com a bosta presa.

 

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Sobre Luciano Correia

Luciano Correia
Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

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