Por Juliano César Souto (*)
O Evangelho de Lucas (16,1-13) nos traz um episódio provocador: o administrador acusado de desonestidade é elogiado por Jesus, não pela fraude, mas pela esperteza com que reagiu à crise. Ele soube agir no tempo certo, usou criatividade e garantiu apoio para o futuro. A lição não é a desonestidade, mas a inteligência prática.
Numa feliz coincidência, setembro também é o mês do administrador. E aqui encontramos um ponto de encontro entre fé e profissão: administrar é assumir que não somos donos absolutos, mas gestores de confiança. Bens, empresas e talentos não nos pertencem em definitivo. Somos administradores — chamados a prestar contas de como usamos os recursos que nos foram confiados.
O administrador na vida real
Em 2013 escrevi um texto sobre a profissão de administrador. Dez anos depois, muita coisa mudou, mas o essencial permanece: administrar é lidar com complexidade, conduzir pessoas e entregar resultados. Como disse certa vez numa entrevista ao CRA/SE, “o administrador tem formação pautada nas melhores e mais modernas técnicas de gestão, integra áreas diversas e aplica disciplina para buscar sempre o melhor”.
O mundo atual exige ainda mais. Globalização, tecnologia, mudanças políticas e sociais tornam o ambiente instável e acelerado. Nesse contexto, o administrador precisa unir visão de conjunto, atitude empreendedora e disciplina de execução. Empreender é fundamental, mas sem gestão sólida o impulso não se sustenta.
Liderança e confiança
A parábola mostra um administrador que perdeu a confiança do seu senhor. Eis a advertência. O maior patrimônio de qualquer gestor — seja na empresa familiar, seja numa corporação global — é a confiança. E confiança só se sustenta com clareza, disciplina e valores.
Administrar é mais que controlar: é liderar. É enfrentar conflitos, organizar equipes, formar sucessores e traduzir estratégia em ação. Como costumo dizer, administrador que só faz autópsia é perito, não é líder. O bom gestor consulta, prescreve, monitora e age a tempo. Liderar é cuidar do que está vivo — com coragem, técnica e humanidade.
A revolução da Inteligência Artificial
Se nos séculos passados o mundo foi marcado pela revolução industrial e pela digital, o século XXI já se afirma como o da Inteligência Artificial. Como bem alerta Yuval Noah Harari, a IA pode redefinir sociedades inteiras, criando oportunidades imensas e riscos profundos. Para os administradores, o desafio é duplo: usar a IA como ferramenta de eficiência, estratégia e inovação — mas sem perder o essencial da profissão, que é a capacidade humana de criar confiança, empatia e propósito.
A IA é oportunidade quando liberta o gestor para se concentrar no que as máquinas não fazem: relacionar-se, inspirar, tomar decisões éticas. Mas é ameaça se reduzir a gestão a algoritmos opacos, frios e impessoais. Cabe ao administrador de hoje liderar essa transição, equilibrando tecnologia e humanidade, eficiência e solidariedade, inovação e valores.
Execução com atitude de dono
Projetos só se realizam quando começam pelo fim. A estratégia precisa de “acabativas”: clareza de metas, disciplina no acompanhamento e senso de urgência. Isso exige agir como dono, mesmo quando não se é sócio no papel. Dono é quem cuida dos detalhes, encara verdades difíceis e mede o trabalho pela entrega, não pelo cargo.
Aqui está a conexão com o Evangelho: usar esperteza e sagacidade, mas não para ganhos pessoais, e sim para construir resultados sustentáveis e perenes. O administrador cristão é chamado a unir prudência com ética, eficiência com solidariedade e lucro com propósito.
Como ressaltei quando fui homenageado como Dirigente Cristão do Ano pela ADCE em 2023, a missão do administrador vai além de resultados financeiros. Ela se enraíza no Evangelho e na Doutrina Social Cristã, que lembram que empresas existem para servir em primeiro lugar às pessoas e ao bem comum. Negociar e fazer amigos — lição que recebi de meu pai, Raymundo Juliano — não é apenas um lema familiar, mas um princípio de gestão solidária que gera confiança, promove justiça e dá sentido à atividade empresarial.
Uma nova mensagem para os administradores:
Ser administrador hoje é aceitar o desafio de viver entre dois polos: a pressão por resultados imediatos e a necessidade de construir futuro com valores sólidos. Como ensinava Jim Collins em Feitas para Durar, produtos mudam, estratégias evoluem, mas valores organizacionais não podem ser negociados.
A parábola do Evangelho (Lc 16,1-13) nos provoca: a quem servimos? Ao dinheiro ou a Deus? Ao curto prazo ou ao legado duradouro?
Neste setembro, mês do administrador, a mensagem que deixo é esta:
a verdadeira grandeza da profissão está em administrar confiança, transformar bens em frutos de justiça e fazer da gestão um instrumento de serviço à sociedade — agora também com a responsabilidade de integrar a inteligência artificial de forma ética, humana e criativa.
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Referências e Fontes de Consulta
Para os leitores que desejam se aprofundar nos temas abordados, segue uma lista de artigos, livros e fontes de consulta mencionados ou recomendados nesta reflexão:
Projeto eficaz começa pelo fim
Produtividade, pressão e propósito
https://docs.google.com/document/d/1XqKxplIsNJiskVWaOzmK8A1dSWkXGraXoSdluUKbegg/edit?usp=drivesdk
https://docs.google.com/document/d/1K-5I09GErW7z_IqdX3IlGAZZlrqophPUVIMIyIT3y8A/edit?usp=drivesdk
https://docs.google.com/document/d/1WtTif4qq6_EYs8-UJm9qzaNSsJeTwa-6Q5ZtodkwtgI/edit?usp=drivesdk
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