Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
O que vimos nos últimos dias no Congresso Nacional foram cenas as mais absurdas e inimagináveis em toda a História do Brasil República e mais graves desde a redemocratização do país há 40 anos. Alguns tidos como “representantes do povo”, eleitos para legislar em favor do bem coletivo, rendendo-se da forma mais vil e vergonhosa a uma família de milicianos e a uma nação imperialista, sob o comando de um déspota e insensível, a quem se atribui a responsabilidade de liderar o mundo e defender a liberdade, quando este sucumbe povos inteiros com chantagens tarifárias e fecha os olhos para a extinção do povo palestino a olhos nus.

Ao ver aquelas cenas grotescas, patrocinadas por gente ainda mais grotesca, que envergonha a nação e o parlamento brasileiro, vieram à minha mente dois expedientes dos quais vou me valer para expressar o que penso a respeito. Primeiro, a obra “O Alienista” (1881), de autoria de Machado de Assis. E também, a discografia de Chico Buarque de Holanda, em especial canções que ele ousou produzir em plena ditadura militar e, mesmo outras, após esta página triste da história. Há, nesse sentido, muito de atemporalidade, seja na literatura, seja na música, para não dizer de profético. Diria mais, há muito de lições sobre as quais devemos estar atentos para não sermos assaltados, outra vez, por essa gente “louca” que ama um regime totalitário e ideias toscas de democracia, liberdade de expressão e de direitos humanos, retorcidas para atender seus desejos de poder e impor seu preconceito e malquerença.
Publicado num contexto de crise do regime monárquico e ascensão do regime republicano, “O Alienista” traz passagens riquíssimas que nos ajudam a entender o porque do país está mergulhado nesta crise institucional e porque aqueles parlamentares agiram daquela forma, amotinando-se à mesa diretora do Congresso Nacional para chantagear os demais colegas, com vistas a dar anistia a golpistas, entre eles o ex-presidente da república, Jair Bolsonaro, que nem condenado foi ainda.
Segundo José Carlos Garbuglio (USP), na referida obra, Machado de Assis se debruça sobre a descrição e compreensão de “(…) cujas personagens se desviam dum padrão de conduta tido como índice de normalidade da criatura humana” (1994, p. 3). Qual sejam, aquelas que extrapolam a civilidade, sem que para tal não estejam (salvo melhor juízo e juízo técnico/psiquiátrico) desprovidas de suas faculdades mentais e, portanto, sofrendo de doença mental. Este, certamente, não é o caso dos deputados federais e senadores “rebeldes” de que estou a tratar.
A obra gira em torno da personagem Dr. Simão Bacamarte, médico, que resolve criar na Vila de Itaguaí, um local (Casa Verde) para recolher e tratar pessoas alienadas, termo usado, àquela época para pessoas com problemas de saúde mental. Num arroubo de cientificismo, o “médico das mentes” acaba internando, praticamente, todo o lugar, inclusive a si próprio. Veja o que afirma o sujeito a respeito de seu experimento: “(…) A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente” (p. 17, edição de 1994).
Na sanha desenfreada de internar todo mundo na vila, do vigário ao delegado de polícia, a Câmara se rebelou e chegou a pedir a sua cabeça. À frente da turba, um barbeiro, Porfírio Caetano das Neves, que se autodenominava o “Protetor da vila em nome de Sua Majestade, e do povo”, o que nos faz lembrar a máxima hipócrita, do nosso tempo, totalmente em desuso e paradoxal para quem lambe as botas de Donald Trump no momento: “Deus, Pátria e Família”. Entretanto, aquela mesma Câmara, tempos depois, entrega ao Alienista a licença para internar alguns de seus edis, a começar por seu presidente, seguido do secretário, entre outros signatários do “incorruptível” Poder Legislativo.
O que nos levou, mais adiante, à conclusão do médico de que não havia loucos em Itaguaí, certificando-se “cientificamente” de que todos gozavam de plena saúde mental e que, por ventura, o único “louco” era ele. O que, em grande medida, nos remete àquela assertiva que diz: “De médico e louco, todo mundo tem um pouco”. O que não é o caso dos “rebeldes” do parlamento, que longe de agirem por loucura (antes fosse, pois haveria jeito), o fazem por maldade e nem ouso dizer por burrice para não ofender o animal e também aos desprovidos de capacidades intelectivas.

Quanto a Chico Buarque, penso que trechos de algumas canções dizem tudo, sem que para tanto me valha de mais palavras e argumentos, como nas seguintes passagens que diz e canta:
“Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir / Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir / E pelo grito demente que nos ajuda a fugir / Deus lhe pague” (1971); “Muita mutreta pra levar a situação / Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça” (1976); “O que será que será / Que dá dentro da gente e que não devia / Que desacata a gente, que é revelia Que é feito uma aguardente que não sacia” (1976); “Apesar de você, / amanhã há de ser / outro dia” ou “Quando chegar o momento / Esse meu sofrimento Vou cobrar com juros, juro” (1978); “Como é difícil acordar calado / Se na calada da noite eu me dano / Quero lançar um grito desumano / Que é uma maneira de ser escutado” (1978); “Dormia a nossa pátria-mãe tão distraída / Sem perceber que era subtraída / Em tenebrosas transações” (1984).
Em meio a toda essa “loucura” que se tornou o parlamento brasileiro, esta semana o jornalista Octávio Guedes lembrou um episódio da Constituinte de 1988, envolvendo uma das figuras mais importantes da redemocratização do Brasil:
“Em 1988, tentaram a mesma coisa com Ulisses Guimarães. E Ulisses falou: ‘Eu presido a constituinte, não um hospício’. Foi lá e levou os trabalhos constituintes adiante”.
Ora, se em meio a toda essa balbúrdia, os presidentes das duas casas legislativas não punirem os amotinados e rebeldes, jamais “loucos”, e ficar tudo pelo mesmo, acabando em pizza, não há outra saída a não ser valer-me, mais uma vez, de Chico Buarque para dizer:
“Acorda, amor / Não é mais pesadelo nada / Tem gente já no vão de escada / Fazendo confusão, que aflição / São os homens / E eu aqui parado de pijama / Eu não gosto de passar vexame / Chame, chame, chame / Chame o ladrão, chame o ladrão!” (1974).
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