sábado, 22/11/2025
Sorvetes Il Sordo
O Il Sordo oferece vários sabores de sorvetes, todos artesanais Foto: Il Sordo

Il Sordo: a sorveteria que fatura com sabor e inclusão

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Por Antônio Carlos Garcia (*)

  Fundada em Aracaju por Breno Oliveira, um empreendedor surdo, a Gelato Il Sordo celebra dez anos de trajetória com três franquias em operação, quase 30 colaboradores – a maioria surdos – e uma previsão de faturamento superior a R$ 3 milhões em 2025. A marca, que une inclusão, inovação e sabor artesanal, tornou-se referência nacional no debate sobre diversidade no mercado de trabalho.

A trajetória da Il Sordo começou em 29 de setembro de 2015, quando Breno formalizou sua ideia de empreender registrando um CNPJ como microempreendedor individual. Sua ideia inicial era simples: vender açaí em um carrinho pelas ruas de Aracaju. No entanto, uma viagem a São Paulo, onde teve contato com a técnica italiana de produção de gelato, mudou tudo. Com o apoio do pai, José Oliveira Júnior,  ele fez cursos e se encantou com o processo artesanal. Assim nasceu o conceito que uniria excelência no produto à valorização da comunidade surda.

Naquele ano, Breno enfrentava um momento difícil: havia sido demitido de uma instituição onde ensinava Libras (Língua Brasileira de Sinais) por conta de cortes orçamentários. Ao buscar recolocação, percebeu o preconceito estrutural que atinge pessoas surdas: seus currículos raramente eram considerados, a não ser para vagas de cota, geralmente associadas a funções subalternas. Isso o motivou a construir algo novo — um negócio que não escondesse a surdez, mas a colocasse como identidade e diferencial.

Acessibilidade reversa

O nome da empresa, Il Sordo, significa “o surdo” em italiano — uma referência à origem do gelato e à afirmação da identidade surda no centro do projeto. Desde o início, Breno optou por contratar surdos como atendentes, gelatieres e gerentes, invertendo a lógica tradicional: ao invés de forçar os trabalhadores a se adaptarem ao mundo ouvinte, é o cliente quem deve se adaptar a uma nova forma de interação, baseada em gestos, escrita e Libras. Hoje, isso é chamado de acessibilidade reversa — um modelo que, mais do que viável, se provou atrativo e funcional.

Picolés do Il Sordo
Os vários sabores de picolés da Il Sordo

Durante o verão, a Il Sordo atende cerca de 10 mil pessoas por mês. Atualmente, a empresa opera em três pontos em Aracaju (Treze de Julho, Farolândia e Atalaia), além de uma loja em Salvador — onde o investidor também é surdo — e uma unidade em São Paulo, no bairro de Pinheiros. No total, são quase 30 funcionários, dos quais mais de 25 são surdos. Em todas as lojas, a experiência do cliente vai além do paladar: é também uma aula de empatia e convivência.

O gelato produzido pela Il Sordo segue a tradição italiana: é fresco, leve e livre de conservantes ou aditivos químicos. As máquinas são italianas, mas as receitas são autorais. Breno e sua equipe combinam sabores clássicos com ingredientes regionais, como caju, umbu, cajarana e até canjica no período junino. Essa combinação de excelência técnica e brasilidade tem sido um dos pilares do sucesso da marca.

Dissertação universitária

A relevância da Il Sordo como iniciativa de inclusão foi tema de uma dissertação acadêmica que analisou os processos relacionais entre os trabalhadores surdos da empresa em Aracaju. Segundo a pesquisa, “a presente dissertação objetiva compreender os processos relacionais de trabalhadores surdos na empresa Il Sordo Gelato em Aracaju/SE. Isso se articula com a trajetória empresarial de Breno Oliveira.”

Breno e Fernanda Torres
Breno com a atriz Fernanda Torres durante premiação da Veja

A autora da pesquisa percorreu espaços diversos — das lojas ao ambiente doméstico dos funcionários, redes sociais e locais de convivência —, observando os meios de comunicação, os vínculos interpessoais e a construção de uma identidade profissional surda. A dissertação destaca as redes formadas entre os trabalhadores, seus desejos e iniciativas profissionais, revelando a Il Sordo como símbolo de pertencimento e inspiração para outros empreendedores surdos.

A pesquisa conclui que a trajetória de Breno e da Il Sordo se insere nas ações globais em defesa dos direitos da comunidade surda, e contribui para a consolidação do lugar do surdo no mercado de trabalho brasileiro — não como exceção, mas como referência de competência e inovação.

Um exemplo que inspira o Brasil

Com o reconhecimento nacional em ascensão, Breno passou a ser convidado para palestras em empresas, universidades e eventos de destaque. Já falou no Conarh, o maior congresso de recursos humanos da América Latina, além de empresas como a B3, John Deere e Edenred. Sua mensagem vai além do empreendedorismo: ele defende que a inclusão é uma missão de todos — não apenas das pessoas com deficiência, mas de toda a sociedade.

Breno atuando como palestrante Foto: Arquivo pessoal

Segundo Breno, a Il Sordo não exclui pessoas ouvintes, mas exige de todos um comprometimento com a superação das barreiras de comunicação. As rotinas de trabalho são explicadas por vídeos e o ambiente exige interação em Libras ou português escrito. A ideia, diz ele, é criar um ecossistema onde todos possam aprender, crescer e se desenvolver juntos.

Com planos de expansão por meio de franquias, Breno quer manter firme o princípio que norteou o negócio desde o início: a presença ativa e protagonista de pessoas surdas em todas as etapas da operação. Para ele, mais do que uma empresa de sucesso, a Il Sordo é uma missão pessoal — e uma prova viva de que a inclusão, quando feita com autenticidade, pode ser revolucionária.

 

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