Por Victor Yuri Oliveira da Silva (*)
Há pouco tempo, numa sessão de terapia, o meu psicólogo Anselmo me fez uma pergunta simples: “Quem é você, sem falar o que você faz?” Na hora, eu travei. Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando encontrar uma resposta que não envolvesse meu trabalho, minhas responsabilidades, meus papéis. E percebi que quase tudo o que eu sabia dizer sobre mim estava ligado ao fazer, não ao ser. Era como se, sem as minhas funções, eu perdesse a referência de quem sou.
Essa pergunta ficou martelando na minha cabeça por dias. Comecei a pensar: se eu não puder me descrever pelo que faço, pelo que conquistei ou pelos papéis que desempenho, o que sobra de mim? O que permanece quando tiro todos esses rótulos? A gente aprende, desde cedo, a se apresentar pelo fazer.Perguntam o nosso nome e logo em seguida: “O que você faz?” É quase automático.
Mas essa forma de se ver cria uma armadilha: se tudo o que sou está no que eu faço, o que acontece comigo quando eu paro? Quando mudo de profissão? Quando erro? Quando o mundo muda? A verdade é que, sem perceber, a gente se acostuma a existir através do desempenho.
Como disse o filósofo Byung-Chul Han, vivemos numa “sociedade do cansaço”, onde o valor das pessoas se mede pela produtividade. E nesse ritmo, o ser se esconde atrás do fazer. A gente continua agindo, correndo, entregando, mas, no fundo, vai se esquecendo de quem é.
Depois daquela sessão, comecei a tentar me observar sem a lente do fazer. Em vez de pensar nas minhas tarefas, comecei a reparar como eu percebo o mundo. Como eu reajo às mudanças, o que me emociona, o que me irrita, o que me acalma.
Descobri que há um jeito meu de ver as coisas que se repete, não importa o contexto. Mesmo quando tudo muda por fora, há algo em mim que permanece igual por dentro. E talvez seja isso o que os filósofos sempre quiseram dizer quando falavam em “essência”.
Heidegger, por exemplo, dizia que o homem moderno se perdeu porque vive “ocupado demais com o fazer” e esqueceu o “ser”. Para ele, a essência humana está em um estado de presença, em existir conscientemente, e não apenas reagir.
Karl Jung, na psicologia, falava da diferença entre o Ego e o Self. O Ego é o que eu mostro: o profissional, o amigo, o que faz e decide. Mas o Self é o centro, aquilo que existe mesmo quando o Ego silencia. Ele dizia que o verdadeiro amadurecimento vem quando o Self começa a conduzir a vida, e não mais o Ego.
Pensando nisso, comecei a perceber que existe uma espécie de “estrutura interna” que define quem a gente é, mesmo sem ação.
Não é algo místico, é humano.
Eu consigo me observar, e ver padrões que sempre estiveram lá.
- Consciência: a forma como enxergo o mundo.
Eu sempre tive um olhar mais contemplativo, observo antes de reagir.
- Ritmo interno: o meu tempo para sentir e processar as coisas.
Algumas pessoas fluem rápido; eu preciso de silêncio, de pausa, de reflexão.
- Tensão essencial: o conflito que me acompanha.
Em mim, é a busca constante entre controle e entrega.
- Presença: o efeito que causo nos outros, mesmo sem intenção.
Às vezes, serenidade. Outras, intensidade.
Perceber isso foi libertador. Porque me mostrou que eu não preciso “fazer” para “ser”. Meu ser já existe, eu apenas o manifesto de diferentes formas.
Viktor Frankl, que sobreviveu a campos de concentração, descobriu que o ser humano continua sendo alguém mesmo quando perde tudo. Ele dizia que o último dos poderes humanos é “escolher a atitude diante das circunstâncias”.Ou seja: o fazer pode ser tirado, mas a forma como eu existo diante do que me acontece é o que revela quem sou.
Eckhart Tolle, em O Poder do Agora, fala que o ego se alimenta da identificação com o fazer. Mas quando o fazer para, a mente entra em pânico, porque o ego perde o chão. É nesse silêncio, nesse intervalo entre uma ação e outra, que o ser real aparece.
E Alan Watts dizia que o erro do ocidente é tentar “definir o eu” em vez de “experimentá-lo”. A gente não precisa colocar o eu numa frase, precisa vivê-lo com atenção.
Depois de mergulhar nisso, entendi que me descrever sem falar o que faço é um exercício de autenticidade.É me olhar com honestidade, sem as proteções do ego, sem performance. É perceber que, no fundo, o que me define não é o que eu construo, mas como eu existo enquanto construo.
Sou alguém que busca entender antes de agir. Que prefere observar antes de expor e que encontra clareza quando consegue traduzir o sentir em pensamento. Preciso de pausas, não por fuga, mas pra reajustar a rota. Tenho dentro de mim uma mistura constante de calma e inquietação.
Um impulso que quer mover o mundo e uma mente que busca organizar o caos. Nada disso depende de contexto. É o que eu sou, mesmo quando o resto muda. E talvez essa seja a resposta: quem eu sou é o que permanece quando todo o resto vai embora.
A grande lição desse processo é que o ser não precisa de justificativa. Ele não tem meta, nem título, nem rótulo. Ele apenas é, e quando a gente aprende a viver a partir desse lugar, a vida fica mais leve. A gente para de tentar provar o próprio valor e começa apenas a expressar o que é verdadeiro. Passa a agir não por obrigação, mas por coerência. E isso muda tudo: muda o jeito de trabalhar, de se relacionar, de existir no mundo.
Como disse Carl Rogers, “quando olho para o mundo, sou cético; quando olho para as pessoas, sou esperançoso”. A autenticidade nasce quando deixamos de atuar e passamos a nos permitir ser inteiros, com o que temos de claro e de confuso. Talvez a pergunta feita por Anselmo não tenha uma resposta definitiva, e talvez nem precise ter. Porque a resposta muda, cresce, amadurece com o tempo. Mas o simples ato de se fazer essa pergunta já é transformador.
Ela desarma, silencia, reorganiza. E nos coloca diante do que realmente importa: a presença viva de quem somos, antes de qualquer papel, função ou objetivo. No fim, percebo que o mais verdadeiro em mim é aquilo que não depende de reconhecimento, nem de explicação. É o modo como sinto, percebo e existo.
E é isso… silencioso, mas constante… que eu chamo de eu.
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