domingo, 07/12/2025
Luis Osete, Prêmio Jabuti 2025, ganhador do Prêmio Jabuti 2025, Eixo Inovação, categoria “Escritor Estreante – Poesia"
Luis Osete, Prêmio Jabuti 2025 — Eixo Inovação, categoria Escritor Estreante – Poesia Foto: Acervo pessoal

Luis Osete, ganhador do Prêmio Jabuti 2025, sobre Maracujá Interrompida, revela: “O que mais desejo é que o leitor sinta o livro como um convite à escuta”

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Antônio Carlos Garcia (*)

  O pé de maracujá que crescia no quintal da casa de Luis Osete, em Cardeal da Silva, no Litoral Norte da Bahia, parecia apenas mais uma planta comum — até que o gesto de seu pai, ao cortá-lo, tornou-se o símbolo de um rompimento que o poeta jamais esqueceria. Essa imagem de perda e renascimento deu origem ao livro Maracujá Interrompida, obra de estreia que conquistou o Prêmio Jabuti 2025 —  Eixo Inovação, categoria “Escritor Estreante – Poesia” (Editora Cepe).

Luis Osete explicou que a metáfora do pé de maracujá arrancado reflete também as histórias de mulheres vítimas de violência que ele acompanhou enquanto atuava como psicólogo na atenção básica de Petrolina (PE). “Essas vozes não me deixaram. Eram silêncios muito profundos. E eu entendi que a poesia poderia ser uma forma de escutá-las, mesmo quando já não estavam ali”, contou. O livro, portanto, é um entrelaçamento entre memória, empatia e o ato de resistir pela palavra.

“Eu anotava frases, imagens, gestos. Muitas coisas não cabiam nos relatórios, mas cabiam na poesia”, explica. Essa convivência entre o rigor técnico e a sensibilidade artística deu ao livro uma dimensão híbrida — ao mesmo tempo confessional e social. “A poesia tem uma força de cuidado. Escrever foi, para mim, uma tentativa de replantar o que tinha sido arrancado”, diz o autor.

Luis Osete também falou sobre o significado do Jabuti em sua trajetória. “É um reconhecimento que vem do coração da literatura brasileira, mas eu o recebo como um prêmio coletivo. É um prêmio para o Nordeste, para quem escreve das margens, para quem acredita que a palavra ainda pode transformar”, afirmou. Ele ressaltou que o prêmio amplia a visibilidade da produção poética nordestina, muitas vezes sub-representada nas grandes editoras.

Durante a cerimônia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Osete viveu momentos marcantes. Ele estava acompanhado do escritor pernambucano Marcelino Freire, finalista na categoria Romance Literário, e com quem tem forte amizade literária. Foi Marcelino quem leu Maracujá Interrompida antes mesmo da premiação e o encorajou com palavras generosas: “O livro tem força, sonoridade e imagens surpreendentes”, contou o poeta baiano.

No evento, Osete também teve a oportunidade de conversar com o escritor indígena Daniel Munduruku, vencedor na categoria Literatura Infantil. A troca, ainda que breve, o tocou profundamente. “Ele trouxe a ideia de que a arte precisa servir à vida. Isso me atravessou muito. Escrever, para mim, é também uma forma de cuidar do que somos e do que podemos ser”, relatou.

Sobre suas referências literárias, o poeta explicou que é influenciado por muitos autores, mas evita citar nomes. “As leituras que faço me atravessam de forma tão profunda que muitas vezes não sei mais o que é meu ou do outro. A poesia é um fluxo”, disse. A fala revela uma busca por autenticidade e pela construção de uma voz poética própria, ainda que em diálogo constante com a tradição.

Com lirismo e simplicidade, Luis Osete reafirma a força de uma poesia que brota do real — do chão, da memória e das relações humanas — e convida o leitor a reconhecer que há beleza e sentido nas miudezas do mundo. “A planta foi cortada, mas a raiz ficou. É assim com a vida, com a dor e com a arte: a gente floresce de novo, de outro jeito”, resume o poeta, deixando entrever que o seu próximo livro já está sendo gestado — como uma nova flor prestes a nascer.

Os vencedores do Prêmio Jabuti 2025 Foto: Divulgação

Confira, agora, a entrevista que Luis Osete concedeu ao Só Sergipe, logo após receber o Prêmio Jabuti 2025.

 

SÓ SERGIPE – Parabéns pela vitória no Prêmio Jabuti. Como você descreve o momento em que soube que havia sido o vencedor? E qual o primeiro pensamento que lhe veio à mente ao subir no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para receber o troféu?

LUIS OSETE – Agradeço a felicitação. Eu estava muito sereno, ao lado de Brena Duarte, uma amiga querida de Juazeiro que havia chegado um dia antes para assistir ao show de João Gomes. Quando ouvi o nome do livro, o primeiro pensamento foi: “Nossa, vou ter que subir no palco do Theatro Municipal!” Levantei, peguei a ecobag do Prêmio Jabuti e caminhei até lá, tentando fazer tudo direitinho, e o mais rápido possível. O clima de competição entre obras literárias sempre me deixa um pouco constrangido. Sinceramente, eu preferiria outro formato de celebração do livro, algo mais próximo de um sarau, de uma festa literária, de um encontro em que as pessoas pudessem partilhar o que escrevem e o que as move a escrever.

SÓ SERGIPE – Na sua avaliação, o que esse reconhecimento representa — para você pessoalmente, para sua trajetória e para a poesia nordestina — e como você o vê no contexto do mercado literário brasileiro?

LUIS OSETE – Por ser meu primeiro livro, é natural que eu tivesse uma certa insegurança quanto à sua qualidade literária. Receber esse reconhecimento me faz sentir que a mensagem foi acolhida, e isso fortalece o sentido da caminhada. Para a minha trajetória, representa um impulso a mais para seguir na trilha da escrita. Quanto à poesia nordestina, considero significativo que o público que acompanha a premiação reconheça a vitalidade e a invenção que vêm surgindo no Nordeste, onde há tanta força criativa e desejo de renovação da linguagem. No contexto do mercado literário brasileiro, confesso que ainda me sinto em processo de descoberta. É o meu primeiro livro, e não sei o que virá.

SÓ SERGIPE – Como foi participar do evento, estar junto de outros autores e da comunidade literária? Houve algum momento ou encontro que lhe marcou especialmente?

LUIS OSETE  – Eu tenho a sorte de ser amigo de Marcelino Freire, um escritor pernambucano que conhece todo mundo. Encontrá-lo é sempre muito especial. Ele estava finalista na categoria Romance Literário com Escalavra, e combinamos de nos encontrar em frente ao Theatro. Logo ali, antes mesmo da cerimônia, ele já começou a me apresentar a vários amigos e amigas escritores. É tudo muito rápido: a gente se cumprimenta, troca duas ou três palavras e logo o evento começa. Mas, depois de tudo, fomos ao bar Amarelinho para resenhar. Foi ali que pude conversar com mais calma e encontrar pessoas queridas, num clima leve e afetuoso de encontro.

SÓ SERGIPE – O senhor teve a oportunidade de conversar ou trocar ideias com autores mais veteranos, como Ruy Castro, por exemplo? O que essas trocas significaram para o senhor?

LUIS OSETE – Com Ruy Castro, infelizmente, não tive a oportunidade de conversar. Além de Marcelino Freire, troquei apenas algumas palavras com Daniel Munduruku, que venceu na categoria Infantil. Acho que o evento poderia promover mais momentos de integração entre os autores, mas, na prática, não é bem assim que acontece. De todo modo, conversar com escritores mais experientes é sempre enriquecedor. O próprio Marcelino, por exemplo, leu Maracujá Interrompida antes da premiação e me disse que tinha gostado, que o livro tinha força, sonoridade e imagens surpreendentes. Receber esse retorno de alguém que acompanho e admiro há tanto tempo foi muito gratificante.

SÓ SERGIPE – Sobre o livro Maracujá Interrompida: ele é descrito como um longo poema sobre o luto e a figura materna. Pode nos contar como nasceu a metáfora do “pé de maracujá interrompido” e como ela se conecta às vozes que você escutou em seu estágio de Psicologia, em Petrolina?

LUIS OSETE – Entre 2020 e 2021, morei novamente com meus pais, em Cardeal da Silva, minha cidade natal. No quintal havia um pé de maracujá que se tornou um refúgio e uma companhia. Eu me sentava ali todos os dias, observando o nascimento das flores, como quem busca um respiro poético em meio ao luto coletivo da pandemia.

Um dia, soube que meu pai havia cortado o pé de maracujá. Fiquei triste, mas resolvi apenas observar o que acontecia com aquele pé morto e, nesse gesto de permanecer, começaram a brotar em mim as lembranças das mulheres que atendi anos antes, quando estagiava como psicólogo na atenção básica, em Petrolina, muitas delas vítimas de violência doméstica. Essas vozes voltaram com força e me ensinaram sobre afeto, coragem e resistência.

O livro nasceu desse encontro entre o maracujá interrompido e as histórias interrompidas dessas mulheres. Ambas continuaram florescendo em mim de outro modo. Ao longo da escrita, as referências literárias que me formaram também se entrelaçaram a essas vozes, como um modo de transformar a escuta em gesto de criação.

SÓ SERGIPE –  Essa escuta — de pesquisador e de poeta — ajuda a transformar dor em palavra?

LUIS OSETE – A escuta sempre foi, pra mim, uma forma de cuidado e também de aprendizado. Essas experiências me marcaram profundamente.  No início, o que eu sentia era impotência diante da dor; depois, entendi que transformar a escuta em palavra podia ser também um modo de elaborar e de continuar cuidando. Em Maracujá Interrompida, essa escuta se torna matéria poética.

SÓ SERGIPE – Maracujá Interrompida já havia sido premiado com o Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura antes do Jabuti. Como o senhor percebe essa trajetória de reconhecimento — primeiro regional e agora nacional?

LUIS OSETE – O Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura foi o que tornou possível a publicação do livro. Quando saiu o resultado, fiquei muito feliz, não apenas por ter o livro finalmente publicado, mas também porque Petrolina voltava a ter um escritor premiado. Era a oitava edição do prêmio, e a cidade só havia tido um representante na primeira. Foi um reconhecimento que me deixou profundamente lisonjeado.

Com o Prêmio Jabuti, senti que o livro passou a representar também o próprio Hermilo, fortalecendo a importância de políticas públicas voltadas ao fomento da produção literária. Esse percurso, do regional ao nacional, mostra como iniciativas como o Hermilo podem fazer ecoar outras histórias, outros mundos e outras vozes que merecem se espalhar.

SÓ SERGIPE – Há uma história de que o senhor escreveu o poema, o deixou guardado, deu para uma amiga ler e foi ela quem o incentivou a transformar em livro. É verdade?

Capa do livro Maracujá Interrompida
Capa do livro Maracujá Interrompida

LUIS OSETE – É verdade. Quando voltei a morar em Petrolina, no início de 2021, recebi em casa por alguns dias Lia Rezende Domingues, uma amiga andarilha que conheci numa caminhada de 180 quilômetros pelo norte de Minas, em 2018. Lia havia publicado em 2020 um livro belíssimo sobre a convivência com a avó, Minha Vida com Tê, para o qual escrevi o prefácio. Sempre confiei muito na opinião dela.

Naquele período, eu estava escrevendo Maracujá Interrompida, que também é feito a partir da minha própria experiência pandêmica, e pedi que Lia lesse. Eu não sabia se o texto já estava pronto, se era mesmo um livro. Lia leu, gostou e me incentivou a inscrever o manuscrito no prêmio literário. Preciso até avisá-la que ganhei o prêmio. A última notícia que tive é que ela estava nas bordas do Lago Titicaca.

SÓ SERGIPE – Sendo sua estreia em livro, você vê Maracujá Interrompida como um ponto de chegada ou como o início de uma trajetória literária?

LUIS OSETE  – Vejo Maracujá Interrompida como um ponto de começo e continuidade. Escrevo há alguns anos, mas ainda não me sentia pronto para publicar um livro. Por isso, essa estreia não é exatamente um início, é parte de uma travessia.

SÓ SERGIPE – E quais são os próximos passos? Já há novos poemas, ideias de livros ou até um romance em andamento?

UUIS OSETE – No momento, tenho me dedicado a concluir minha tese de doutorado, que precisa ser entregue em fevereiro do próximo ano. Meu desejo é que ela se desdobre em algo que eu possa devolver às crianças com as quais realizo a pesquisa. Ainda não sei o que será. Acho que, antes de qualquer coisa, preciso terminar a tese. Depois, deixo que ela me conte o que quer ser.

SÓ SERGIPE – Você nasceu em Cardeal da Silva, na Bahia, e viveu entre Juazeiro e Petrolina. Como essa origem e essa paisagem sertaneja influenciam sua escrita e sua voz poética?

LUIS OSETE – Os territórios onde vivi estão entranhados na minha escrita, não como paisagens, mas como modos de sentir e de me relacionar com o mundo. Cardeal da Silva é o ponto de partida: o quintal e a infância, o lugar das primeiras imagens e lembranças, dos primeiros silêncios e esquecimentos. Já Juazeiro e Petrolina me formaram de maneiras muito distintas. Tenho a sensação de que Juazeiro é pra fora: é a rua, o movimento, o rumor da vida cotidiana, o espaço do olhar e da escuta do mundo. Petrolina, ao contrário, é pra dentro: é o recolhimento, o tempo do silêncio e da elaboração. Acho essa complementaridade a grande riqueza de viver nesse trânsito entre as margens, nessa ponte simbólica que liga o fora e o dentro, a rua e o silêncio, e tento aprender com os atravessamentos que ela provoca em mim e na minha forma de escrever.

SÓ SERGIPE – Que tipo de leitor você espera alcançar com Maracujá Interrompida? E que tipo de reação — ou talvez de incômodo — deseja provocar?

LUIS OSETTE – Eu não escrevi Maracujá Interrompida pensando em um leitor específico. Acho que o livro busca quem se dispõe a mergulhar com todos os sentidos em um pé de maracujá interrompido que se funde a histórias de mulheres em relações familiares complexas.

Mais do que provocar incômodo, o livro talvez provoque deslocamento, aquele movimento interior que acontece quando algo nos atravessa e nos faz ver o mundo por outro ângulo. Se houver algum incômodo, que seja o de perceber o quanto ainda silenciamos certas existências.

O que mais desejo é que o leitor sinta o livro como um convite à escuta: das mulheres que me inspiraram e daquilo que, mesmo interrompido, ainda insiste em florescer.

SÓ SERGIPE – Você é jornalista, psicólogo e doutorando em Educação. Como essas formações se cruzam quando o senhor está frente à página em branco?

LUIS OSETE – Essas formações se cruzam de forma muito natural na minha escrita. Do Jornalismo, herdei o olhar atento para o cotidiano e o desejo de registrar o que acontece ao redor. Da Psicologia, vem a escuta, a atenção ao que é dito e, principalmente, ao que não é possível dizer. E da Educação, o entendimento de que toda escrita é também um gesto de partilha, uma tentativa de construir sentido junto com o outro. Quando estou diante da página em branco, esses três modos de ver o mundo se misturam. Escrevo como quem observa, escuta e aprende.

SÓ SERGIPE – Como foi o processo editorial com a Cepe Editora — desde o contato inicial até a revisão e a publicação final?

 Presidente da Cepe, João Freire, e o escritor Luis Osete
Luis Osete com o presidente da Cepe, João Freire Foto: Divulgação

LUIS OSETE – Foi um processo muito tranquilo. Primeiro, a equipe da Cepe Editora me pediu que fizesse uma revisão geral. Foi uma experiência curiosa reler o livro mais de dois anos depois de tê-lo escrito.

Depois da minha leitura, o revisor da editora marcou alguns pontos no arquivo, basicamente para confirmar se certas escolhas, como aglutinações, ausência de hífen ou grafias específicas, eram intencionais. Gostei muito desse cuidado na leitura.

Quando o livro foi lançado, infelizmente não pude estar presente. A data foi marcada em cima da hora, e não consegui me organizar para ir ao Recife. Mas todo o processo editorial foi feito com muito respeito e atenção ao texto e isso foi muito importante.

SÓ SERGIPE – O poema tem um fluxo contínuo, quase narrativo. Em algum momento você pensou em fragmentá-lo, ou sempre quis manter essa voz ininterrupta, como um “fio de memória”?

LUIS OSETE – Desde o início, eu quis que o poema seguisse uma estrutura próxima a um diário, como foi, de fato, no momento em que comecei a registrar as mudanças do pé de maracujá depois que ele foi cortado. Essa voz ininterrupta dava a fluidez necessária para acompanhar o fluxo das lembranças e das imagens. Era como se interromper o texto fosse também interromper o próprio processo de elaboração do luto. Por isso, mantive o fio contínuo: um fluxo de memória que se constrói enquanto escreve.

SÓ SERGIPE – Houve alguma leitura, autor ou obra que serviu de referência — poética ou afetiva — durante a construção do livro?

LUIS OSETE – Felizmente, eu nunca escrevo desacompanhado. Tudo o que eu estava lendo naquele momento, e também o que já havia lido antes, acabou me atravessando de algum modo. Há referências que aparecem ao longo do livro, às vezes discretamente, e que alguns leitores mais atentos podem reconhecer.

Tenho sempre receio de citar nomes e esquecer outros, mas posso dizer que me sinto acompanhado por uma constelação de vozes que admiro.

SÓ SERGIPE – Que importância você atribui a representar Cardeal da Silva e a literatura nordestina num palco como o do Jabuti?

LUIS OSETE – Representar Cardeal da Silva e a literatura nordestina em um palco como o do Jabuti tem um significado profundo pra mim. É gratificante poder levar comigo o nome da minha cidade, da minha região, e sentir que, de algum modo, outras vozes também estão sendo ouvidas junto com a minha.

 

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