A crise das sobretaxas americanas ao Brasil como sintoma da ausência de uma diplomacia de Estado
Por Juliano César Faria Souto (*)
Sobretaxas como arma política: exceção ou novo padrão?
Historicamente, medidas tarifárias têm sido utilizadas como resposta a práticas comerciais desleais, subsídios ou desequilíbrios setoriais. No entanto, no caso presente, o que se observa é uma justificativa abertamente política, sem disfarces técnicos: o tratamento ao ex-presidente Bolsonaro e a censura a plataformas digitais são citados como motivação.
Apesar de juridicamente questionável no âmbito da OMC, a medida se sustenta politicamente por um fato simples: falta ao Brasil uma estratégia de contenção, de influência e de proteção de seus interesses.
O custo da ausência de uma diplomacia profissional
Nos artigos anteriores, destacamos como a diplomacia brasileira se transformou em um cerimonial sem projeto. Sem voz própria, o Brasil deixa de ser ator e se torna alvo.
A crise atual é fruto dessa ausência de ação estratégica:
– Não há plano de contingência para retaliações comerciais.
– Não houve antecipação ou construção de alianças táticas.
– As relações com os EUA estão esvaziadas. Lula é o único líder de grande economia sem canal direto com o presidente americano.
O Itamaraty, esvaziado, assiste à escalada como espectador. E a ausência de uma reativação diplomática proativa permite que o Brasil seja empurrado para o campo da vulnerabilidade geopolítica.
Quando a neutralidade é percebida como hostilidade
A carta de Trump expõe o que já alertávamos: em um mundo dividido em blocos e narrativas, não há espaço para neutralidade estéril.
Ao se declarar neutro diante de conflitos globais e ao mesmo tempo reforçar alianças com países sancionados, o Brasil passa a ser percebido por alguns como parceiro do outro lado. E, nesse cenário, tarifas viram punições simbólicas e políticas.
O contexto não é casual: a resposta tarifária ocorre logo após a reunião esvaziada do BRICS, onde o Brasil ensaiou gestos diplomáticos de aproximação com países sob sanções ocidentais, sem apresentar propostas concretas nem exercer protagonismo. A própria ausência de qualquer manifestação pública ou apoio formal do BRICS após a medida dos EUA contra o Brasil escancara a fragilidade da articulação multilateral que o governo brasileiro julgava estar construindo.
Além disso, poucos dias antes da sobretaxa, o presidente Lula defendeu publicamente, na cúpula do BRICS, a criação de mecanismos financeiros alternativos ao dólar, mesmo sabendo que desde janeiro 2025 os EUA vem afirmando, repetidamente, que aplicaria tarifas severas contra países do BRICS que tentassem desafiar o domínio do dólar. Em janeiro de 2025, ele afirmou que imporia 100% de tarifas se houvesse tentativa de substituir o dólar e repetiu ameaças similares em fevereiro e julho. Ou seja, a taxação americana de 50% ao Brasil veio em seguida à nossa manifestação sobre o tema, moeda alternativa ao dólar nas relações comerciais, na reunião dos BRICS. Esse episódio é um exemplo inconteste de que não se faz diplomacia com discursos vazios em cúpulas multilaterais e depois se “chora o leite derramado, se passando por vítima.”
Some-se a isso dois fatores agravantes:
– O ativismo judicial brasileiro, com decisões monocráticas midiáticas por parte do STF, que muitas vezes transforma um órgão colegiado em instrumento de protagonismo inquisitorial, exposto na arena internacional.
– A intensa exposição de autoridades brasileiras em redes sociais, com respostas midiáticas e polarização simbólica, criando uma narrativa externa de confronto e instabilidade institucional.
Importa destacar: esse não é um problema exclusivo do governo atual. Como demonstramos no artigo 3 desta série, trata-se de uma degradação progressiva da política externa brasileira, substituída por alinhamentos ideológicos cíclicos, ora à direita, ora à esquerda, mas quase nunca guiados por uma diplomacia de Estado profissional.
A resposta precisa ser institucional e altiva
O Brasil deve:
– Acionar a OMC, mesmo com limitações atuais, para marcar posição e documentar o abuso.
– Reestabelecer canais diplomáticos de alto nível, formais e informais.
– Atuar junto aos BRICS e parceiros comerciais para construir um bloco de resposta coletiva, ao menos diplomática. A omissão atual desses organismos é tão reveladora quanto a carta dos EUA.
– Retomar a liderança institucional do Itamaraty, com quadro técnico e estratégico.
– Recompor alianças comerciais e diplomáticas pragmáticas, não ideológicas, que transcendam governos e sobrevivam a mandatos.
– Evitar transformar a crise em palanque eleitoral interno. O risco é grande: usar a retaliação para mobilizar a narrativa do “eles contra nós” X “direita X esquerda” pode render popularidade momentânea, mas não resolve o problema, apenas o agrava.
Conclusão: a fatura da omissão chegou
A sobretaxa americana não é apenas uma medida comercial. É um gesto de desprestígio e um alerta sobre o custo de não termos uma política externa profissional.
Não se trata de defender governos ou ideologias, mas de proteger o interesse nacional com altivez. O Brasil precisa reaprender a fazer diplomacia de Estado. Precisamos pensar grande outra vez. E agir como país que sabe o que quer.
“A imparcialidade não é indiferença. E a neutralidade sem ação é irrelevância. Quem planta ventos, colhe tempestade.”
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