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O dia em que matei Erasmo Carlos

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Luiz Thadeu (*)

31/10, segunda-feira. Acordo, e, como faço sempre, vejo as notícias no celular. Ainda na cama, uma notícia me chamou atenção: morre aos 81 anos, o cantor e compositor carioca Erasmo Carlos. Tinha a causa morte, o hospital onde estava internado, todas as informações necessárias, que pareciam verdadeiras. Mais do que depressa, no calor do acontecimento, compartilho a notícia com amigos nos grupos de WhatsApp. Levanto, tomo café, ligo a TV e nada da divulgação da morte do Tremendão. Em seguida alguns amigos me questionam se era verdadeira a morte de Erasmo. Em seguida leio na internet uma nota com o desmentido de sua partida.

02 de novembro, Dia de Finados, o próprio Erasmo, posta uma fotografia sorridente, com o título “Mais vivo do que nunca”, mostrando sua saída do hospital, após nove dias hospitalizado. Entendi que o recado era para mim. O homem vivo e eu matando-o. “Menos mal”, pensei eu, me penitenciando pela azáfama. Em minha defesa, tenho visto muitos jornais sérios divulgarem obituários de celebridades, que continuam vivas. Um exemplo clássico é Pelé, morto diversas vezes pela imprensa.

Erasmo faz parte da trilha sonora de minha vida. Ele compôs mais de 500 músicas, que marcaram época. Muitas marcaram épocas e amores diferentes. Erasmo e Roberto musicaram a alma do Brasil, criaram a trilha sonora de várias gerações de brasileiros, encheram de beleza e emoção nossos dias.

A primeira grande paixão que tive, aos 16 anos, foi uma garota de nome Raimundinha, órfã, criada pelas freiras em Sobral, CE. Fui de férias para Sobral, por causa de uma tia que era madre superiora no Convento. Conheci a pequena Raimundinha, namoro escondido, nos apaixonamos. Vim de volta para casa. Nessa época que me tornei missivista. Foram inúmeras cartas trocadas. Cartas de amor com tempero de saudade. Apaixonados, a música “Sentado à beira do caminho” era nossa trilha sonora.

Em 2015, no lounge da Latam, na área internacional do aeroporto do Galeão, no Rio, por obra do acaso, tive o prazer de conhecer pessoalmente Erasmo Carlos. Aquele homem enorme, fala mansa, sentou-se próximo onde eu estava sentado. Passado algum tempo, por delicadeza, para puxar conversa, perguntou se eu fumava. “Não”, lhe respondi; ao que ele me disse: “Você é um cara feliz”.

22/11, quarta-feira, hora do almoço, vejo pelo noticiário a notícia da morte de Erasmo. Agora não era mais notícia falsa, e, sim, a triste comunicação de sua partida. Morre Erasmo Carlos, 81 anos, de síndrome edemigênica e infecção pulmonar.

Erasmo Esteves nasceu no Rio, filho da inspetora escolar Maria Diva Esteves, que veio grávida da Bahia, e o criou sozinha (ele só conheceu o pai na idade adulta). Adolescente fã de rock, ele conheceu Roberto Carlos em 1958, ano em que nasci. Foi Roberto que o procurou atrás da letra de “Hound dog”, hit de Elvis Presley, que iria cantar na televisão. Desde então, Erasmo e Roberto foram (quase) inseparáveis.

Um ano antes, Roberto tinha fundado com Tim Maia (que entregava marmitas na casa de Erasmo – às vezes com alguns pastéis subtraídos), Arlênio Lívio e Wellington Oliveira o grupo The Sputniks, desfeito em pouco tempo por causa de uma briga entre Roberto e Tim. Eles, Erasmo e Jorge Ben, faziam parte, então a turma se reunia no Bar Divino, na Rua do Matoso, na Tijuca, para trocar informações sobre rock – e arriscar algumas canções.

Ainda em 1964, Erasmo teve seu primeiro grande sucesso, “Festa de arromba”, escrita com Roberto Carlos – assim como “Quero que vá tudo pro inferno”, gravada por Roberto e que se tornou o hino da jovem guarda, o movimento que começou em 1965, quando eles estrearam, na TV Record de São Paulo, juntamente com Wanderléa, o programa dominical de mesmo nome – um sucesso avassalador desde a primeira edição. A Jovem Guarda, foi de agosto de 1965 ao início de 1968.

Ao longo dos anos 1970, Erasmo se tornou uma referência para a jovem geração do rock brasileiro, seguiu compondo com Roberto (e foi por ele homenageado na canção “Amigo”). Muitas das parcerias foram sucessos com o Rei (“Detalhes”, “Cavalgada”, “Além do horizonte”, “Café da manhã”), outras com o Tremendão (“Filho único”, “Minha superstar”, “Pega na mentira”, “Mesmo que seja eu”) e algumas ainda com outros intérpretes (como é o caso de “Lembranças”, gravada com sucesso pela cantora Kátia).

A partir daí, Erasmo Carlos voltou a gravar discos de inéditas, como “Santa música” (2004), “Rock’n’roll” (2009), “Sexo” (2011), “Gigante gentil” (2014) e “Amor é isso” (2018), acompanhado por novos e velhos companheiros de estrada. Em 2009, lançou pela editora Objetiva o livro de memórias “Minha fama de mau”. E em 2019, viu estrear nos cinemas a cinebiografia “Minha fama de mau”, de Lui Farias, com Chay Suede, no papel principal, Gabriel Leone (como Roberto Carlos) e Malu Rodrigues (Wanderléa).

Uma curiosidade, o apelido “Tremendão” vem do nome da grife de produtos para a juventude (calças, coletes, chapéus etc.) que ele tinha nos anos 60.

Segue na luz, Erasmo Carlos, amigo, irmão, camarada. Para mim você nunca morrerá, teu legado é eterno.

 

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(*)Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista, escritor e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”, o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra.

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Luiz Thadeu Nunes

Eng. Agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da Terra. Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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