Lá Vem História

“Mãe, dona de tudo, rainha do lar”

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Luiz Thadeu (*)

Minha mãe não era a dona Ermínia, imortalizada no cinema e no teatro, na fabulosa comédia de Paulo Gustavo; mas como todas as mães, a minha era especial e muito engraçada. Nordestina, porreta, altiva, enérgica, brigona e, acima de tudo amorosa, cuidadora, zelosa, generosa, disponível e muito divertida. Sou do século passado, da metade do século XX, da geração quando conversar não resolvia, entravam em campo os psicólogos: o chinelo, o cinto, e como minha mãe era professora primária acrescente também a palmatória. Sou de um tempo quando mertiolate ardia. Tudo mudou de lá para cá.

Fui aluno de minha mãe: imagine, caro leitor, amiga leitora, a situação, tendo que ouvir antes de sair de casa: “Tens que dar bom exemplo, te comporta, olha as notas, não me faz passar vergonha”.

Cresci, tornei-me adulto, formei, casei, constitui família, procriei, tenho dois filhos, e os ensinamentos que aprendi, a duras penas, não me deixaram marcas negativas, ao contrário, deixaram marcas indeléveis, que são lembradas e narradas, sempre às gargalhadas. Que mãe maravilhosa tive o privilégio de ter, por tão pouco tempo; quando ela partiu aos 43 anos, eu tinha 17.

As mães são feitas na mesma forma: brigam, ensinam, puxam a orelha, aconselham, cuidam, sofrem, arrumam, gritam, afagam, protegem, defendem, e estão sempre certas (mesmo quando não estão). Mãe é única na vida de cada filho. Como o método de criação era padrão, certamente você, assim como eu, conviveu com esses mantras, que nos orientaram por toda a vida. Ainda hoje ouço os ensinamentos de mamãe, e sorrio baixinho.

Todas as vezes que minha mãe me chamava pelo nome completo, era certo, vinha bronca. Obrigava a arrumar a cama: “Pra quê, se daqui a pouco a gente vai deitar e bagunçar de novo?”, “Eu não ouvi isso”, pronto, ordem dada, ordem cumprida.

“Eu não sou mãe de fulano”, quando pedia algo que a mãe do vizinho deixava.

“Tu não és todo mundo”, quando todo mundo estava indo para algum lugar, e ela não queria que eu fosse.

Toda mãe usa o filho dos outros como exemplo para mostrar como somos inúteis: “Filho de fulana ajuda na casa; filho de cicrano lava a louça”.

Quando falava que o almoço estava “quase pronto”, era para aparecer na cozinha e ajudar a arrumar a mesa.

Não importava a marca do colchão. Para ela tínhamos a melhor cama do mundo, mesmo dormindo na medieval cama de campanha, com o colchão da espessura de uma folha de papel. Ao entrar no quarto, via tudo revirado e dizia: “Isso não é um quarto, é um furdunço”. Como em passo de mágica, tudo ficava no lugar.

Se fazia ela passar vergonha na rua: “Chegando em casa a gente conversa”.

Não gostava de nos ver descalços: “Vai botar um chinelo, para não ter lombriga”.

E tinha a frase que não pode faltar antes de você sair de casa: “Cuidado, não fala com estranhos, presta atenção, Deus te proteja”. “Bença, mãe”, nunca saí ou entrei em casa sem lhe tomar a bênção.

Quando chegava em casa com o boletim com notas azuis: “Não fez mais do que a obrigação”. Ao iniciar briga entre nós irmãos, e ela já ter pedido para parar, “Se eu for aí, apanha todo mundo, quem tem razão ou não”.

“Se for até aí e achar, vou esfregar na cara!” quando nós não achávamos alguma coisa (que geralmente estava debaixo do nariz).

Ai de nós se deixássemos coisas fora do lugar! “Vocês estão pensando que sou empregada doméstica de vocês?”.

Ao assistir à televisão Telefunken em preto e branco: “Não assiste tão perto que vai estragar tua vista!”

Com seis filhos pequenos, uma escadinha, um filho vinha arrodeando: “Vai falando menino(a), o que tu queres?!” Mulher de fibra para lidar com tantos filhos.

“Enquanto você morar embaixo deste teto, não és dono do teu nariz!”, quando um teimava muito. “Apaga essa luz, não sou dona da Companhia elétrica”.

Professora primária, quando íamos pedir dinheiro: “Aqui na testa está escrito ‘banco?’, mas sempre uns trocados apareciam. Não nos faltava nada.

Dia de festa, tinha que encerar o piso com escovão e cera parquetina vermelha. Nesse dia ela era a alegria em pessoa. Cantava pelas alturas: Maysa, Claudete Soares, Elizeth Cardoso. Casa arrumada, ficava feliz em receber amigos e parentes.

Mãe é aquela que fica te esperando acordada até você chegar das noitadas.

Criação rígida; trauma nenhum. Tendo o cinto e o chinelo como psicólogos, me tornei forte, zero frustração. D. Maria da Conceição era rígida, disciplina militar.

E, se o filho reclamava dela, dizia: “Um dia vocês vão sentir minha falta!”

Ela estava certa. Mãe, como a senhora faz falta… Fiquei velho, tenho 63 anos, e 46 anos após sua partida, até sou carente do amor do seu amor. Quantas coisas boas deixamos de compartilhar. Após sua precoce partida, a vida seguiu seu curso, nunca mais foi a mesma, tive que seguir na caminhada, convivendo com sua ausência, seguindo seus conselhos e ensinamentos. E, o melhor de todos, “Não é porque todo mundo está fazendo o errado, que o errado está certo. Mesmo que ninguém esteja fazendo o certo, faça o certo, tu não vais te arrepender”. Tive uma mãe sábia. “Ela é a dona de tudo, ela é a rainha do lar, ela vale mais para mim que o céu, que a terra, que o mar….mamãe, mamãe, eu me lembro do chileno na mão, o avental todo sujo de ovo, se pudesse eu queria começar tudo de novo”.

(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes da Terra.

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