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Luiz Thadeu (*)

No período momesco, recolhido em casa, longe da folia, recebi da querida Lys Cunha, amiga dos bancos escolares do Colégio Batista, uma mensagem, com a crônica “Versões de mim”, que já conhecia. Fã de Luís Fernando Veríssimo, meu cronista predileto, creio que já li ferozmente quase tudo o que publicou.

Na crônica, Veríssimo fala sobre as alternativas que temos ao longo da vida, as escolhas que somos obrigados a fazer. A vida é feita de escolhas. Quando se opta por alguma coisa, se mata todas as outras alternativas. Portanto, vivemos a gangorra: escolhas e consequências. Quem de nós, amigo leitor, querida leitora, não se pegou conjecturando, ruminando pensamentos: “Não teria sido melhor, se tivesse tomado aquele caminho? E se eu tivesse cursado Direito, em vez de Agronomia, e se eu tivesse casado com Ângela, em vez de Heloisa. E… se tivesse aceito aquele emprego em Brasília…” São tantos “e se” ao longo da caminhada…

Todos os dias temos que começar o dia, escolhendo entre levantar da cama e encarar o dia ou ficar deitado.

Na crônica, Luís Fernando Veríssimo está em um bar imaginário.

“Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido”, descreve ele no início.

“Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste…

Agora mesmo, neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário -, sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:

– Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.

E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.

– Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?

– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia…

– Eu sei, eu sei… – disse alguém sentado ao lado dele.

Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:

– Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.

– Como é que você sabe?

– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola, como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei… Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. […]

– Você deve estar brincando! – disse alguém sentado à minha esquerda.

Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.

– Quem é você?

– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.

Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra… As consequências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto ali era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.

– Quem é você? – perguntei.

– Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice. […]”

Hoje, aos 64 anos, assim como o personagem de Veríssimo, acho que sou minha melhor versão, revista e atualizada. Sobrevivi às escolhas erradas, às portas emperradas que forcei para passar, que me levaram a lugar nenhum. Às porradas que a vida me deu. Às merdas que servem para adubar a caminhada.

Como um quebra-cabeças, com inúmeras peças, tenho diferentes versões de mim, que foram se adaptando à passagem do tempo. Peças que às vezes se encaixaram, outras vezes sobraram. Na maioria das vezes, se completaram e se complementaram. A sabedoria da vida, com tudo o que se viveu e vivenciou, é saber aceitar aquilo que não se pode mudar.

A partir de certa idade, temos que selar um pacto de paz com a vida.

Olho para trás, vejo minhas asas, mesmo cansadas, admiro meus voos.

 

__________

(*) Engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante. O latino americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

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Luiz Thadeu Nunes

Eng. Agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o latino-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da Terra. Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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