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Um punhado de infância 

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Por Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Desembarco no aeroporto de Guarulhos, SP, após nove horas de voo, vindo de Nova York. Na verdade, a viagem começara em Shanghai, China, quatorze horas até San Francisco, Califórnia. Dormi em San Francisco, uma das mais fascinantes, surpreendentes e vibrantes cidades que conheço. Gosto da energia da cidade. Desta vez cheguei à noite, peguei o transfer para o hotel. Dormi, tomei café da manhã, retornei para o aeroporto e embarquei para Nova York. De Nova York para São Paulo.

Em Guarulhos, o frenesi dos transeuntes apressados. Tento antecipar o voo que me levará para casa, na Ilha do Amor. Não consigo  e tenho que procurar abrigo em São Paulo. Durmo e retorno ao aeroporto novamente no dia seguinte.

Faço check in, passo pela fiscalização, aguardo no lounge do cartão de crédito, que me garante conforto, a esperar voos, em longas escalas.

Ao lado, onde me sento, uma jovem mãe com duas crianças.

A mais novinha, vem em minha direção e oferece pipoca. Agradeço, ela insiste.

Com sua pequenina mão, cheia de pipocas, coloca na minha. Como o que me foi ofertado. Um punhado de infância me atiça o cérebro. Lembro de minha casa, lá na década de 60, coisa do século passado. Minha mãe comprava o milho, colocava na panela de ferro, tampava; em poucos minutos, por mágica, os grãos de milho amarelos, se transformavam em pipocas brancas, para a alegria da meninada.

Como as pipocas ofertadas pela garotinha, de não mais meia dúzia de anos. Sou transportado para o passado. No outono da vida, o tempo a correr, a memória resgata algo tão especial.

Lembro que já fui garoto. Já brinquei na chuva. Pisei em poças d’água, como quem salta sobre um riacho. Subi em árvores. Comi fruta diretamente do pé. Andei descalço no mato. Senti o cheiro da terra molhada, depois da primeira chuva. Brinquei de pião e xuxo na terra úmida. Empinei papagaios, que mesmo fiz. Saltei barquinhos de papel na enxurrada, na sarjeta, em frente de casa. Deliciei-me com o perfume das flores, em manhãs de mormaço. E foram todos esses pequenos momentos mágicos que deram cor aos meus primeiros anos de vida e sedimentaram os meus sonhos. Mesmo velho, os sonhos continuam sendo minha matéria prima.

Tão feliz que fui. Não percebia a importância das horas. Não precisava de relógios. O tempo era o que o meu coração queria. Um abraço poderia demorar uma hora e um beijo uma eternidade. O dinheiro era fantasia dos adultos. Eu comprava tudo o que a vida podia ter, bastava fechar os olhos, viajando na melhor aeronave que já entrei, a imaginação. A única moeda de troca que conhecia eram os sorrisos de quem me dava felicidade, a qualquer hora do dia. Emprestava ilusões e cobrava carinho.

Fui feliz apenas com o pouco que tinha. O mundo dos adultos era mesmo só uma fantasia distante para mim. Era feliz, sem saber o que era a felicidade. Uma lata cheia de terra molhada era brinquedo, virava um carro. A chuva, uma diversão. A vida emprestava sorrisos nesse tempo, sem sobressaltos.

De repente a gente para e começa a enxergar felicidade em coisas miudinhas. Canto de pássaro, som de riacho, o sorriso de uma criança…

O tempo só caminha para frente. No tempo em que era garoto, traduzia sonhos para um idioma que ninguém entendia. Fazia a interpretação das ilusões para explicar aos adultos que viver era a coisa mais simples do mundo. Bons tempos, que se perderam no tempo.

“Na infância, mora um dos maiores segredos para sermos felizes: a recusa da tirania do que nos dizem ser a realidade”, diz Mia Couto.

Um punhado de pipocas me fez voltar no tempo, regatar momentos que ficaram lá atrás, mas que continuam grudados na memória.

Aquela garotinha, que não sei nem mesmo o nome, nunca saberá a alegria que me proporcionou e o bem que me fez nesta manhã.

Hora de embarcar. Voar novamente.

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