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O golpe está aí, cai quem tem coragem de arriscar sentir

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* Petruska Passos e Laíra Gama

O golpe tá aí, cai quem quer”. Não é uma frase incomum atualmente, basta acessar as redes sociais que a encontramos em forma de memes, figurinhas, reels ou vídeos curtos e dublagens diversas, acompanhada de uma conotação cômica. Convidamos o/a leitor/a a problematizar a questão. Buscar uma tentativa de pôr uma dose de humor neste incômodo.

Sim, incômodo. Freud traz um termo muito interessante: infamiliar. Nele, ele afirma que aquilo que nos é estranho é composto por um desconhecimento consciente, uma associação com o que é muito conhecido e sentido por nós e, por isso, familiar. Assim, o infamiliar é o que eu recuso a enxergar como meu, mas como é de certa forma conhecido, causa estranhamento, ao invés de deslumbramento ou indiferença. Os sentimentos e as experiências afetivas estão guardados em nós, porém, o medo de aprofundar-se neles cria barreiras no contato consigo e com o outro.

É ruim sorrir na dor? Absolutamente não. Quem não sente dores e incômodos diversos nos percursos da vida? A capacidade flexível de sair deles, incluindo ser feliz e sorrir durante a dor é, sem dúvida, uma bela manifestação de fortalecimento interno. A capacidade de lidar com o sentir não foi destruída por inteiro, mesmo que ainda se sinta fragmentado, algo intrínseco na possibilidade de construir algo novo das “ruínas afetivas”.

E o dar e receber este famoso “golpe”, o que seria então? A liquidez, conceito que Bauman utilizou para descrever as relações modernas, assim como o modo de viver “às pressas e superficialmente” faz parte da era atual. Ouvirmos e, a partir disso, pensarmos sobre a problemática da superficialidade em excesso causam, em contrapartida, as quebras de paradigmas que a modernidade trouxe. Não dá para negar que há ganhos secundários à vida líquida.

Há o ganho de estarmos numa geração na qual se tem uma grande tendência ao não-conformismo, na qual não se mantêm, por exemplo, casamentos disfuncionais em nome do modelo “tradicional”, do que é ter uma família ou um modelo de relacionamento. A maior disponibilidade de formas de amor e sua inicial aceitação pela sociedade também perpassam a realidade atual. Levando-se em conta esta geração líquida, “dar e receber golpe” parece que passou do seu significado genuíno, que é sobre enganar, trapacear, etc.

Diante dos sinônimos usados, trazer o entendimento do que é “dar o golpe” garante uma apropriação da frase na tentativa de fazer piada com as formas de relações afetivas atuais. A moda é ficar e não se apegar, não oferecer benefícios, entre outros ritos de manutenção de atração entre duas pessoas (ou mais). Não é difícil perceber este discurso nos atendimentos clínicos. Parece que oferecer algum benefício, seja ele no nível afetivo ou material, é coisa de quem “cai em golpe” e, hoje em dia, sofrer, perder ou ter dificuldades deve ser algo oprimido, porque a good vibes moda fashion, ou seja, numa tradução livre, as boas vibrações nunca saem de moda, precisa ser predominante.

Mas se não houver apego, cuidado, flerte, agrados, mimos e diálogos de que são feitas as relações atuais, se tais atitudes estão sendo aferidas a dar ou receber golpes?

Observando a problemática, a sociedade atual não deve confundir ou separar liberdade de cuidado, eles não precisam andar separados da qualidade das relações, sejam elas quais forem.

Esperamos que o desejo do “fast food da vida amorosa” se torne cada vez mais comum na busca pela qualidade dos “ingredientes”. Nesses casos em que só existem o bom ou o mau, o convite é entender que – além do preto e branco – há muitas outras cores, que podem ser vividas, sem precisar poupar afeto, carinho, respeito e, quem sabe, amor. Valores inatingíveis de medição estão sempre à frente, inclusive da tecnologia, ainda que, de certo modo, estejam a oferecer em ambientes virtuais os afetos que não foram encapsulados e vendidos por empresas de marketing como garantia de quando há consumo.

É importante assumir o risco de “cair e dar golpes” de amor, afeto, respeito e cuidado por aí. Esperamos que o “golpe” de construir boas ligações viralize, se propague. Ao contrário do golpe da superficialidade, o que esperamos, profundamente, é que ressignifiquemos este “golpe” para a possibilidade de amar das mais diversas formas. Que tal, todos juntos, nós e vocês, nos disponibilizarmos a isso?

 

(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe e do Núcleo Psicanalítico de Salvador (IPA), tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit), graduanda em Nutrição e Gestão Empresarial pela FGV, em curso.

(*) Laíra Batista Gama é psicóloga clínica e escolar, graduada pela Universidade Tiradentes, psicanalista em formação pelo Círculo Psicanalítico de Sergipe.

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva das autoras.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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Petruska Menezes

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