Domingo em Desbaste

Entre a luz e o silêncio: a travessia eterna

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Por Hernan Centurion Sobral (*)

À minha saudosa mãe, que há um ano partiu para o Oriente Eterno.

 

Há momentos em que o tempo, essa invenção humana para medir o finito, parece surpreender-me. É como se o Universo tomasse um fôlego profundo, respirando em compasso com a alma que se recolhe para a meditação. Este ciclo litúrgico-cristão, com sua sabedoria milenar, oferece-nos dois desses instantes consecutivos, postos para o nosso desbaste interior: o Dia de Todos os Santos e o Dia de Finados.

Aquele, exalta a virtude que, lapidada pelo labor justo e perfeito, eleva o homem à condição sublime dos que se santificaram no serviço anônimo ao Bem. O outro, por conseguinte, recorda-nos claramente que a jornada terrena é finita, a carne é efêmera e que apenas o espírito, o sopro primordial, permanece eternamente. Entre a celebração da santidade e o reconhecimento do silêncio final, abre-se uma fresta metafísica na qual a alma, despida de vaidades, reflete sobre o sentido da própria e inadiável travessia.

A árvore da esperança – Frida Kahlo

Celebrar Todos os Santos é, fundamentalmente, reconhecer a vocação universal à conduta reta. Não se trata de uma casta de eleitos, mas daqueles que, mesmo anônimos, souberam usar o Esquadro Moral em seus atos. A santidade representa, pois, a pedra cúbica, polida, construída por aqueles que cultivaram a Justiça e o Amor com Sabedoria suficiente, permitindo que a Centelha Divina que os habita iluminasse o Templo Interior, assim como Santo Agostinho descrevera: “Deus está mais próximo de nós do que nós mesmos.” Viver a santidade é, portanto, agir em consonância com essa chama que dissipa as sombras da intolerância, indiferença, inveja e vaidade.

Já em Finados, o coração se recolhe diante do maior dos mistérios, a morte, que sob a ótica da fé e da filosofia não representa o fim, apenas um retorno à essência. Blaise Pascal, ao nos classificar como uma “cana pensante”, evidenciou a fragilidade humana diante da natureza, não obstante, exaltou a grandeza de nossas razão e fé — as duas asas que nos erguem acima da própria finitude. A morte, contudo, não é a ruína final, mas a conclusão da Obra do Grande Arquiteto do Universo, o Portal pelo qual o espírito adentra o Oriente Eterno.

Assim sendo, é neste eixo de reflexão destas datas católicas solenes que se revela o segredo do desenho da vida: o Esquadro que mede o dever e o Compasso que traça os limites da condição humana para nos projetarem à eternidade. O homem, ao recordar os seus mortos, consagra a memória da boa obra finda; ao honrar os santos, purifica seu compromisso com a obra ainda em curso. Que este período nos inspire a usar o Prumo da consciência, vivendo com a vigilância dos que sabem que toda virtude é eterna, posto que, como nos ensinou o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas deve ser vivida olhando-se para a frente.”

Destarte, bem como dissera Plotino, “nunca deixamos o Uno, apenas esquecemos que dele viemos”. A santidade é essa recordação: a alma que desperta para sua origem divina e regressa, serena, à Luz de onde partiu.

 

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Hernan Centurion

(*) Médico cirurgião e coloproctologista. Mestre maçom da Loja Maçônica Clodomir Silva 1477

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