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Luciano Correia (*)

Estive em São Paulo há algumas semanas e voltei com a impressão que essa cidade maravilhosa – essa, sim, maravilhosa – perdeu a guerra contra a civilização. A ser verdade, inclusive, deixa de ser maravilhosa, e é o caso em questão. Conheci essa megalópole mundial em 1981, vindo de um encontro de estudantes em Goiânia, aceitando o convite de colegas da USP que viajavam num ônibus fretado. Como eram as férias de julho, não tinha pressa. Perambulei por quase três semanas naquela cidade encantadora, nas farras dos colegas do movimento estudantil e em shows gratuitos. Só voltei quando acabou o dinheiro. Desde sempre, me apaixonei pela sua alma cosmopolita, fria, cujas rádios tocavam jazz à noite.

Até hoje me assombro com sua exuberância cultural, nem parecendo uma cidade de um país pobre, tão distante das realidades que encontramos na Europa e Estados Unidos. Sua pujança cultural, evidentemente, está diretamente subordinada ao desenvolvimento econômico que fez dela e do Estado de São Paulo a locomotiva do Brasil. Por tudo isso, São Paulo sempre falou uma linguagem de cidade do mundo, na alegria de suas novidades e na tristeza dos seus problemas. Mas nada que ela mesma, empresa eficiente, conectada às grandes metrópoles do planeta, não conseguisse resolver até se deparar com novos desafios. A dialética de um lugar em moto-contínuo.

Mas já há algumas décadas sofre as dores do maior problema do país, a selvagem desigualdade que põe lado a lado miseráveis morando nas ruas e bilionários vivendo nos seus céus. A paradoxal geografia paulistana permitia que mendigos e milionários dividissem o mesmo endereço da Oscar Freire, uns no topo do mundo, outros em casas de papelão edificadas nas calçadas. A estúpida injustiça social que rege todas as instâncias do país operou o previsível: concentrou os eleitos de Deus e democratizou os sofrimentos. A Cracolândia virou franquia espalhada por vários bairros, a partir do Centro, irradiando uma nação de zumbis.

Nessa minha última viagem, flagrei o descontrole, a perda de controle e da esperança de melhoras. Na região do Brás e da 25 de Março trombadinhas tomam na tora à luz do dia. Avançam sem medo sobre suas vítimas. Lojas e até farmácias são saqueadas ao meio-dia, sem reação de ninguém. A polícia praticamente não existe. Os cidadãos estão entregues à lei da selva, o salve-se-quem-puder que sempre funcionou em todos os campos da vida brasileira, mas com certo disfarce. Aqui, os pruridos acabaram.

No horror e abandono a que esses seres invisíveis e esquecidos por todos foram jogados, não restou mais regra nem pacto mínimo de convivência. São Paulo, a bela cidade em revolução permanente, perde a luta contra a barbárie e se torna, enfim, mais uma vítima da tragédia brasileira, um lugar que não deu certo nem dará tão cedo.

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(*) Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

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Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

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