Claudefranklin com o professor Cândido, num último encontro (Salvador-BA dezembro de 2018)
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Para além de “régua e compasso, graças a Deus” (Gilberto Gil, 1969), a Bahia me deu grandes alegrias. Num primeiro momento, entre os anos 2005 e 2013. E depois, entre os anos 2015 e a presente data. Na primeira oportunidade, tive a honra e satisfação de conhecer um dos maiores historiadores do nosso tempo, filho da cidade de Paripiranga, divisa com Simão Dias. Da antiga povoação de Nossa Senhora do Patrocínio de Coité para a capital baiana, ele firmou carreira na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e cravou seu nome na historiografia que discute o papel da Igreja Católica no território baiano e também em Sergipe.
Em 2005, eu estava no meu primeiro ano na coordenação e na docência do Curso de Licenciatura em História da Faculdade José Augusto Vieira (FJAV), e já pensava em algo para uma Seleção em Doutorado. Meu interesse específico era pela História da Igreja Católica em Lagarto, mais de perto por uma figura que sempre me fascinou: Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro (1828-1910). Um padre simão-diense que marcou história na Paróquia Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, entre 1874 e 1908.
No ano anterior, em julho, eu havia adquirido uma obra, intitulada “Os Segadores e a Messe – O Clero Oitocentista na Bahia” (EDUFBA, 2000, 502 p.). Nela, o Prof. Cândido da Costa e Silva havia dedicado três valiosas páginas (384-386), com informações e apontamentos importantes para eu aprofundar a minha pesquisa. Isto despertou em mim o desejo de conhecê-lo e trocar uma ideia e, quem sabe, vir a ser meu orientador no Doutorado em História, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde lecionou de 1976 a 1999. Alguém, cuja memória me falha no momento, me passou seu contato. Era um telefone fixo. Ele não tinha celular e nem teve (risos). Era averso a tecnologias. Para minha sorte, ele atendeu ao meu telefonema após duas breves chamadas. E marcamos de nos encontrar.
Ainda em 2005, eu havia acabado de perder meu irmão mais velho, o Professor José Cláudio Monteiro Santos, em julho, e não queria passar o primeiro novenário e festa de Nossa Senhora da Piedade sem a presença dele, o que iria me causar grande comoção e desconforto. Desse modo, aproveitando os feriados de 7 e 8 de setembro, me dirigi a Salvador com minha esposa, a Professora Patrícia Monteiro. Desse modo, eu o conheci no dia 9 de setembro.
Fomos recebidos em seu apartamento no bairro Canela, em Salvador, com quem ele morava há anos — a Profa. Conceição Barbosa Costa e Silva. Ele nos atendeu não só com o seu singular sorriso e sua serenidade, manifestados não somente em seu rosto, ostentando garbosamente um belo bigode branco, mas também em gestos simples, comportamento solícito, quase um monge. A áurea do Professor Cândido me conquistou à primeira vista. Estar com ele e conversar com ele, além de um privilégio (posto que era sempre uma aula magna), também transmitia paz e tranquilidade, de tal sorte que você saía do lugar leve e renovado. Aproveitei o momento e levei comigo um exemplar de “Os Segadores e a Messe – O Clero Oitocentista na Bahia”. Na dedicatória, ele assim escreveu: “Aos operários da História, Claudefranklin e Patrícia, com os agradecimentos do autor pela visita”.
Infelizmente, ele não podia me orientar numa eventual pesquisa no Programa de Pós-Doutorado da UFBA. Estava aposentado da instituição e se dedicando à docência e à pesquisa na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Católica de Salvador (UCSAL), como Professor do Curso de Teologia. Ali, foi reconhecido como Professor Emérito e também era consultor do Laboratório Eugênio Veiga, na organização do arquivo da Arquidiocese de Salvador.
Aquela conversa foi muito importante para redirecionar a minha pesquisa e o meu tema. Depois que lhe falei de minha trajetória de vida, ele me disse, algo neste sentido:
Franklin, para além de estudar Monsenhor Daltro, por que você não faz um estudo de uma História da Igreja Católica em Lagarto? Você deve isso ao seu lugar, depois de anos estudando Manoel Bomfim [Aracaju, 1868 – Rio de Janeiro, 1932]. Analise o universal a partir de sua aldeia [ele se referia a uma máxima de Leon Tolstói /1828-1910]. Lagarto é um território sergipano riquíssimo em atuação do clero católico. Mergulhe nas fontes e dê esse presente à sua terra natal.
Doravante, ele sempre esteve disponível para mim. Todas as vezes que eu ia a Salvador, ou o visitava em seu apartamento ou no Laboratório Eugênio Veiga, foi fundamental para o levantamento de minhas principais fontes históricas. Indicou-me a Profª. Drª. Edilece Couto (UFBA) para orientar meu trabalho. Mas, Deus tinha outros planos para mim, e nesse ínterim, entre 2005 e 2010, várias coisas aconteceram. Fiz duas seleções frutadas no Programa de Pós-Doutorado em História na UFBA (2008 e 2009). Numa terceira, em 2010, já como professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, fui aprovado no Programa de Pós-Doutorado em História da Universidade Federal de Pernambuco, com o mesmo tema, que havia sido um amadurecimento daquela conversa com o Prof. Cândido em 2005: “A Festa de São Benedito em Lagarto – Limites e Contradições da Romanização”. Publicado em 2016, em forma de livro com o título “Contradições da Romanização da Igreja no Brasil – A Festa de São Benedito em Lagarto (1771-1928), prefaciado por meu orientador, o Prof. Dr. Vicente Severino da Silva.
Por ocasião da defesa de minha tese, no dia 21 de fevereiro de 2021, em Recife, fiz questão que o Prof. Dr. Cândido da Costa e Silva compusesse a banca examinadora. Dele, em sua avaliação, recebi as melhores deferências e também a sugestão de recomendação do trabalho à publicação. Entre suas inserções, uma me marcou, quando ele me fez a seguinte indagação: “Na sua tese, ao invés de usar o termo Romanização, por que você não usou o Iluminismo Católico?”, no que eu o respondi: “Professor, era a lente que eu dispunha no momento para compreender e buscar explicar a relação entre o catolicismo clerical e o catolicismo popular”. Após minha resposta, ele abriu um sorriso largo e disse aos presentes que não tinha mais perguntas e que estava satisfeito.
Entre os dias 4 de abril e 29 de maio de 2015, gozando de Licença Capacitação na UFS, desenvolvi um projeto intitulado “O Clero Sergipano na Bahia Oitocentista (1820-1910)”, na Universidade Católica de Salvador, sob a supervisão do Prof. Dr. Cândido da Costa e Silva. Todo o trabalho foi realizado no Laboratório Eugênio Veiga. Todos os meses, eu ia a Salvador e sempre tinha a satisfação de me encontrar com ele no local. Foram manhãs e tardes preciosas na companhia do amigo, sempre com grandes ensinamentos e direcionamentos de pesquisa. Embora fosse responsabilidade dos funcionários da casa, ele, pessoalmente, fazia questão de me apontar a indicação e o local das fontes que eu precisava. De lá, colhi, digitalmente, importantes informações sobre o clero sergipano, que foram e seguem sendo cruciais em inúmeros trabalhos editorais que desenvolvi e desenvolvo.
Depois desta data, ainda estive com o Prof. Cândido em mais duas outras ocasiões. No dia 10 de setembro de 2017, quando da publicação do livro por ele organizado, “Seminário da Bahia (1815-2015) – Documentos de sua História” (EDUFBA, 2017, 634 p.). E dia primeiro de dezembro de 2018, por ocasião da publicação da segunda edição de seu primeiro livro “Roteiro da Vida e da Morte – Um Estudo do Catolicismo no Sertão da Bahia” (SAGGA, 2017, 120 p.). Por essa época, eu estava de volta à Bahia, cursando o Pós-Doutorado em Cultura e Sociedade pela UFBA, sob a orientação do Prof. Dr. Milton Araújo Moura, estudando sobre o carnaval trieletrizado a partir do grupo e banda Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar.
De lá para cá, nos falamos apenas por telefone. Na maioria das vezes, a Professora Conceição me atendia, com o bom astral de sempre, procurando saber de todos e das novidades de Sergipe. Infelizmente, o período de pandemia da COVID-19 nos afastou e mesmo depois, eu evitava visitá-los para preservar a saúde deles. Prof. Cândido não estava mais frequentado a UCSAL como antes e eventualmente participava de eventos públicos. Numa dessas oportunidades, esteve em Paripiranga, lançando o terceiro livro que citei no parágrafo anterior.
Sobre sua cidade natal, alguma vezes me dizia que estava preparando algo mais aprofundado para além de “Roteiro da Vida e Morte”, mas não sei se ele chegou a concluir. Segundo sua esposa (em 6 de agosto, via Whatzapp) ele vinha, nos últimos anos, com limitações visuais, mas mantendo a lucidez e o interesse pela história, notadamente pela história no campo do catolicismo na Bahia. Fiquei sabendo pelas redes sociais da Profª. Drª. Edilece Couto que ele faleceu no último domingo, 3 de agosto, aos 90 anos, celebrados no dia primeiro deste mês. Seu corpo foi sepultado no Cemitério Campo Santo, em Salvador-BA.
A notícia repercutiu na imprensa e também nas redes de ensino de nível superior do Estado da Bahia. No dia 4, a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) publicou uma nota de pesar, da qual destaco:
“O Prof. Cândido foi um grande pesquisador da religiosidade e outras temáticas da história baiana. Formou inúmeros historiadores ao longo de sua trajetória, marcada por elevada competência e trato afetuoso com os estudantes e colegas.”
Também a UCSAL apresentou suas condolências:
“Sua atuação como educador foi marcada pelo compromisso com o saber teológico, pelo diálogo respeitoso e pela dedicação à missão de formar profissionais conscientes, éticos e sensíveis às dimensões humanas da fé”.
E de igual modo os portais Paripiranguense e o Portal da Cidade. A Prefeitura Municipal de Paripiranga:
“(…) destacou o legado do professor como um dos grandes nomes da cultura e da memória da cidade, que levou o nome do município para os espaços do conhecimento, da cultura e da fé.”
Da minha parte, a minha mais sincera gratidão, não somente pela amizade, mas por tudo que o Prof. Dr. Cândido significou para o meu amadurecimento, enquanto pesquisador e estudioso do catolicismo, de seus mistérios, de sua hagiografia e de seu viés clerical, mas também popular. Fica o professor, agora, devidamente imortalizado em nossas memórias, na saudade e também em sua obra. Descanse em paz!
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