Articulistas

As coisas do mundo no vai e vem do mar (I)

Compartilhe:
Luciano Correia (*)

Garrafas ao mar, cantava João Bosco num dos melhores discos da MPB. Por elas e pelas águas onde rolaram correram muitas histórias, de amor aos negócios, de guerras e conquistas. O mar foi a primeira grande free way do mundo, autobans lineares, sem buracos nem pedágio, sem barreiras de fronteiras, pelo contrário, ligando mundos distintos e remotos. Os portugueses foram grandes dominadores de suas regras e mistérios, que legaram ao país dos patrícios um império e a extensão de seus tentáculos para vários continentes. E fez a primeira grande operação da globalização, trocando culturas e comidas, modos de ver e falar, de sorrir e cantar, de construir e destruir.

Essa lembrança do mar, como estrada primeira da globalização, sempre me assalta nas caminhadas que faço há mais de três décadas, como contei na coluna passada, desde que decidi vir morar ouvindo seu marulho. E os motivos são os mais prosaicos, pois que a partir de coisas trazidas de outros cantos, quinquilharias as mais curiosas, desde embalagens de sorvetes, refrigerantes, belas garrafas de uísque, latas de iguarias que mais parecem obras de arte. Os objetos navegam mares distantes e trazem notícias de lá, de culturas distintas, seus utensílios e modos de lidar com a arte de viver.

Em minhas caminhadas há mensagens de terras do Oriente, com seus desenhos mágicos que devem conter expressões como “modo de usar” ou “consumir em até 48 horas”, banalidades que tais, para meus olhos de criança curiosa, soam como poesia concreta, modernismos gráficos de gentes mais desenvolvidas. Mas chegam tesouros páticos, que têm muita serventia para os que precisam e até para quem não se acha, como eu, que já levei baldes, tablados de madeira e vasilhames que minha mulher trata de jogá-los no lixo, tão logo eu desapareça de sua vista.

Além de coisas largadas por navios, há também pedaços mesmo de embarcações, como gradeados de madeira, suportes e caixões mais pesados, sempre úteis a qualquer ser humano que professa a fé de que “quem guarda o que não presta, sempre tem o que precisa”. Nesse inventário de tolices, não vale citar o ramerrão, o lixo trivial que carimba nossa má educação por esses nossos litorais. Cascas de laranja, abacaxis inteiros, tomates e melancias dão na praia sem que a gente saiba, neste caso, se são frutos da incúria local, nacional ou internacional.

Assim, excluam de minha lista essa basura sem aura nenhuma, embora, vá lá, já topei com tantos alimentos que dariam poderosas sopas ou sortidos cozidos. Óculos de grau, então, já apanhei dezenas, alguns entregues a meu amigo Mané Veneno, que usa em desfiles pelas ruas do seu amado conjunto Augusto Franco. Me refiro aqui a peças que carregam em si algumas histórias mais fortes ou simbólicas, algo que ensejam o culto à Yemanjá ou a uma noite de amor febril, deixando, no primeiro caso, frasquinhos cheirosos de alfazema ou, no segundo, calcinhas abandonadas a propósito de uma fuga ligeira. Quantas mulheres lindas já imaginei ao topar com essas provas do sexo rápido entre, possivelmente, dois fortuitos amantes!?

Se as montanhas encontradas na areia diariamente são, para a limpeza pública, a mesma matéria que abarrota os carros da empresa coletora, medida em toneladas e reais, para mim passa por esse filtro prévio, essa curadoria muito particular que representa meu olhar sobre o que o mar quer dizer com cada tralha que aporta no meu pequeno pedaço que me cabe.

 

____________

(*) Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

Mídia, Cultura e Ebulições
14 14America/Fortaleza novembro 14America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   cidade se prepara para uma das maiores festas: o Pré-Caju privado, vendido pela mídia como uma festa pública, paraíso dos axés & arrochas para consumar o gozo musical da nossa gente. Acontecia na Beira Mar, com muito mais gente e glamour, até ser expulsa por quem manda no pedaço: juízes, promotores, procuradores e outras patentes de autoridades para quem a cidadania funciona, até porque a caneta que ordena é a deles mesmos. E vou dizer: se eu morasse ali no ápice dos pracatuns fabiânicos, também ia dar queixa ao bispo. Foi para a orla, encolheu, perdeu público, mas segue sendo uma grande festa. Os organizadores falam em milhões deixados aqui nos três dias de baticuns, mas nunca disseram para onde vão esses zilhões. Para a cidade ou o estado é que não é. Pelo contrário, esses despejam fortunas em patrocínio, segurança e cessão gratuita de tantos outros serviços prestados pelo poder público. Sob a mesma desculpa, nunca provada, de que o evento espalha desenvolvimento econômico. Na área dos economistas e planejadores, ninguém jamais informou até hoje quanto a festa movimenta e para onde vai cada real gasto. É um mistério que conforta os organizadores, desobrigados de prestar contas de verbas públicas empregadas em evento fechado. Como “contrapartida”, uma gotinha de “cunho social” no oceano dos lucros privados: manda aí umas 50 cestas básicas para o Lar de Zizi, que tamos conversados. E os camarotes tremem de alegria com governantes e familiares saracoteando lá de cima, reluzindo em camisetas-abadás tropicais e embalados no uísque 15 anos, sem metanol. Na mídia animal, vegetal e mineral da província, um consenso raro em torno da grandeza da festa, dos tais milhões gerados na economia, da lenda de abrir o Carnaval do Brasil — vejam só, que pretensão! — e coisas que tais. Não sei se os promotores do evento despejam uma ruela de publicidade além dos tradicionais filmes nas TVs abertas. Talvez o pagamento seja em “serviço”, a famigerada e deselegante fila do abadá-grátis. Aprendi de menino com Papai que ser ximão é um dos poucos pecados capitais. Talvez por isso nunca tive coragem de cogitar ir para a fila. Quando passei pela prefeitura, seja na Comunicação ou na Cultura, há poucos anos, nunca recebi um só abadá, nem que fosse do bloco de Tonho Leite. Não sei se filtravam pelo caminho, mas foi melhor assim. Mesmo quando desapontava um amigo ou uma amiga que pedia um jeitinho para conseguir a cortesia de um bloco. Não existe abadá grátis. Se eu já carregava comigo o alerta de Papai, firmei minhas certezas quando nos anos 80 um prefeito de Aracaju, apreciador do bom copo, disse numa entrevista que jornalista em Sergipe se comprava com uma dose de uísque. Fiquei ofendido, em solidariedade à classe, mas há muito eu já decidira: o uísque que bebo, pago eu!   Compartilhe: [...] Saiba mais...
7 07America/Fortaleza novembro 07America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   extrema direita brasileira tem uma característica diferente da direita tradicional, conservadora, crente em seus princípios liberais e em costumes antigos associados à ideia de família. Os radicais de direita brasileiros não creem em nada, além de uma esperança de impunidade para cometer seus crimes, aí incluídos tentativas de golpe de Estado, associação com milícias e narcotráfico, pra ficar nos mais visíveis. Essa turma, ou gangue de pitbulls, pensou, concebeu e realizou um massacre de 121 pessoas para construir uma pauta política. Voltaram a respirar na política, depois da acuação em que se encontravam depois que a opinião pública brasileira começou a se manifestar sobre o lodento Congresso Nacional infestado por essa mesma extrema direita. Para executar seu plano, contou com um militante fiel, uma figura improvável, desqualificada e incompetente que só no Brasil chegaria ao cargo de governador de estado, e o mais grave, de um estado grande como o Rio de Janeiro. Se bem que… pensando bem, o Rio teve todos seus últimos governantes presos por delinquência e corrupção: Sérgio Cabral, Pezão, Witzel e Garotinho. Cabral pegou 400 e poucos anos. Ficou preso seis. É o padrão da justiça mais cara do mundo. Cabral indicou Fux (we trust) para o STF. Conversando eles se entendem. É o Brasil, zil, zil. O atual governador, Cláudio Castro, dispensa acareação. Se Cesare Lombroso, o famoso criminalista italiano fosse vivo, não hesitaria nem dois segundos: esse é lombrosiano. A teoria dele é que a criminalidade é herdada por características físicas. Em se tratando do cavernoso Castro: tá na cara. Os 117 mortos eram, na maioria, gente envolvida com o crime. Mas um só morto inocente seria suficiente para fazer da operação um crime. E tem inocentes chorando esse horror patrocinado por um governador suspeito de ligação com as organizações que alega combater. A operação é uma monstruosidade, mas fez a bandidagem da extrema direita surfar numa onda de aprovação popular. O povo não é burro, sempre faz o que é melhor para ele, conforme sua visão racional do mundo. O ladrãozinho que toma um celular ou uma moto de um classe média como eu e vocês, às vezes tem um gesto de compreensão e perdão. Mas o sujeito fodido desde o nascimento, que ganha salário-mínimo e se vira em sacrifícios pra ter uma moto cinquentinha ou dar um celular a uma filha, carrega um ódio compreensível contra essa pequena delinquência. A pergunta que alguns fizeram no dia seguinte à tragédia foi essa, fundamental: e a operação Faria Lima, começa quando? Essa pergunta resume o Brasil atual e a raiz da criminalidade que contaminou quase todas as instituições. Ou alguém acha que esses negrinhos pobres, esquálidos, carregando fuzis maiores do que eles, são os que movem o tráfico de drogas e roubo de cargas? Não, são aviõezinhos do tráfico, vendedores de papelotes de cinco gramas e miudezas afins. A Polícia Federal já começou a mostrar que o cérebro de todas as bandidagens, incluindo Bets, moedas digitais e lavagem em postos de combustíveis, está na elegante avenida Faria Lima. A última vez que fui a São Paulo foi há dois anos, cidade que conheci em 1981 e voltei dezenas de vezes para seus programas culturais, o riquíssimo circuito alternativo de cinema, literatura e os bares da vida. Para fazer meu périplo pelas suas feiras de antiguidade, da Benedito Calixto ou da praça Don Orione. São Paulo sempre me fascinou como uma metrópole cosmopolita, de 1000 povos, mais intensa e febril do que Nova Iorque. Nessa última vez tentaram me roubar duas vezes enquanto eu buscava um carro de aplicativo para minha pousada favorita no Bixiga. Molecotes de bicicleta travestidos de iFood meteram a mão no celular, sem sucesso. Na terceira tentativa, perdi meu Iphone. Não foi na temida região do Centro ou qualquer outra boca de inferninho: eu andava pacificamente pela avenida Paulista, templo do capitalismo brasileiro, como a famigerada Faria Lima. Roubado sob as fortes luzes da Paulista, justamente em frente a uma viatura da polícia paulista. Os caras não mexeram uma pálpebra. Os puliças do Tarcísio, matadores de pretos e pobres. O silêncio cúmplice dos falsos funcionários da segurança pública do estado de São Paulo contrastou com a solidariedade da população. Na hora, me cercaram de todos os cuidados, atenções e apoios. Um taxista, possivelmente exausto de tanta impunidade, jogou seu instrumento de trabalho por cima do delinquente, que caiu da bicicleta, patinou uns metros pelo chão, mas com habilidade para recolher o celular e desaparecer nas alamedas escuras do lado menos glamuroso da Paulista, na direção do Centro. Maior do que perdas e riscos, foi o susto de quem nunca tinha sido vítima de um roubo dessa natureza. Dentre as providências inúteis, ainda tentaram me oferecer a bici do ladrão. “Ele te roubou mesmo, então ela agora é sua”. Agradeci a oferta e adverti: “Pode ficar pra você, mas cuidado com a polícia. Ela pode te acusar de roubo”. Essa é a São Paulo de um governador que pretende exportar seu modelo de gestão para o resto do país. Essa é a “nova” São Paulo de Tarcísio e sua polícia capturada para seu ideário fascista. Meu amigo dono da pousada na rua dos Ingleses sempre pergunta quando volto para a velha Paulicéia Desvairada. Fico enrolando com respostas vagas. Sampa Midnight agora só vive nas minhas lembranças.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
23 23America/Fortaleza outubro 23America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Luciano Correia (*)   saída do ministro Márcio Macêdo deixa o pequenino Sergipe ainda mais encolhido nos espaços no governo Lula. Se já não tava bom com ele, pior sem ele. A presença de um ministro sergipano num governo federal é comemorada como final de campeonato. Mesmo os que não remam a favor concordam que é importante para o estado, independente das paixões partidárias. Foi assim quando João Alves Filho se tornou ministro de José Sarney, no chamado governo da Nova República. João foi um dissidente do governista PDS, partido de sustentação da ditadura, um dos fundadores da Frente Liberal, movimento que resultou no PFL e que, junto com o PMDB, formaram a Aliança Democrática que elegeu Tancredo Neves, após 20 anos de presidentes militares. Antes disso tivemos o poderoso Lourival Fontes como ministro da Propaganda de Getúlio Vargas. Tivemos ainda a discreta passagem de Leonor Franco pelo ministério da Ação Social de Itamar Franco, nos anos 90. No caso de João Alves, tido como grande obreiro e planejador, sua gestão não legou ao nosso estado mais do que as obrigações protocolares de um ministério. Foi o que ocorreu com Márcio Macêdo. Sempre recebido festivamente quando vinha a Sergipe e também recebendo sergipanos em Brasília com deferência — quer dizer: sergipanos da esfera política — não deixou nenhuma realização marcante que fizesse crer que valeu a pena. Ainda sobre João Alves, tinha fama de sonhador, e um desses sonhos era o famigerado Canal do Xingó. Eu mesmo, como jornalista, cobri inúmeras solenidades no palácio Olímpio Campos sobre “a retomada do canal do Xingó” ou o anúncio dos recursos para finalmente iniciar a redentora obra. Isso desde antes de João ser ministro. O sonho atravessou vários governos estaduais e federais e jamais se realizou: segue sendo uma quimera. Quando dizemos que Sergipe é muito pequeno para exigir benefícios dos governos federais, é o mesmo que dizer que nossos políticos não têm, nunca tiveram, prestígio nacional para trazer obras que representem mais que o ordinário contido nos orçamentos. Se aqui ou ali tivemos o risonho João Alves gozando da intimidade de Sarney, ou o loquaz Déda encantando os salões da corte brasiliense, nada disso se traduziu em prestígio propriamente dito. Vejamos um exemplo. Nos quase cinco anos que vivi no Rio Grande do Sul, me impressionava a capacidade do governo gaúcho arrancar grandes obras da União. Na época era governadora a senhora Yeda Crusius, tucana de baixa plumagem, portanto oposição ao presidente Lula. Mas essa diferença jamais foi obstáculo para que ela conseguisse constantemente recursos para grandes obras. A BR-116, no trecho que liga o Vale do Rio dos Sinos a Porto Alegre, vivia em estado de obras permanentes, com tantos e novos viadutos a cada semestre.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
9 09America/Fortaleza outubro 09America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   á virou lugar comum repetir um comentário feito em 1992 pela equipe de marketing da campanha de eleição de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos. Quando se debatiam estratégias eleitorais para um discurso do candidato, alguém lembrou de forma peremptória que nada daquilo que se discutia tinha relevância no presente momento da política norte-americana. O que importava na cabeça do eleitor, de fato, era a economia e a forma como ela poderia melhorar ou piorar sua vida. Aqui em terras de Pindorama, a mesma constatação pode ser atribuída a um segmento da sociedade brasileira que se tem revelado, dia após dia, ato após ato, um verdadeiro inimigo do povo. A população já percebeu isso e deu uma enfática resposta no dia 21 de setembro, quando voltou às ruas depois de muito tempo para dizer que cansou de um congresso feito majoritariamente de bandidos, incluindo gente envolvida com o crime organizado e o narcotráfico. A canalhada que compõe hoje o Congresso Nacional compreendeu o recado e fez um recuo estratégico, em nome da salvação de sua intocável pele. Tanto que assistimos, ainda no domingo da virada, a uma série de deputados fazendo publicamente um mea-culpa, mesmo contrariados por dentro, mas pensando nos seus emputecidos eleitores. Mas a docilidade exibida não chegou à esquina: na noite da última quarta-feira (as patifarias sempre na madrugada!), por maioria folgada, esse Congresso de reputação duvidosa derrubou medidas de compensação tributária para garantir benefícios para a população. Por pirraça? Não: por dinheiro. Quando uma tentativa pequena é submetida ao parlamento, mínima que seja, de arrancar um tiquinho de impostos para financiar serviços para a sociedade, a reação é o que se viu: o mugido grosso de uma gente desonesta que trabalha diariamente contra a população na base da mentira sistemática. Dessa vez, a mentira foi dizer que o projeto que eles derrubaram aumentava impostos para o povo. Mentira, mentira, mentira! A medida tirava um naquinho das Bets e dos bilionários bancos. Uma mentira inclusive repetida pela velha e venal mídia corporativa. Quinze dias depois de uma lição dada nas ruas, a canalhada não só mostra que não aprendeu nada, como volta sua fúria contra o país e o povo. A trama da madrugada dessa quarta mostra também o descompromisso de um congresso de costas para as funções de um parlamento, desprezando todas as pautas do interesse da sociedade para antecipar uma eleição que só vai acontecer daqui a doze meses. Uns irresponsáveis que confiam eternamente na impunidade. Pelo conjunto da obra nefasta de um congresso desses, não sobram muitas alternativas aos que lutam por um país decente, de modo que na discussão sobre medidas para resolver os problemas do país, já não importam algumas causas que neste momento soam como paliativos diante do estrago feito por um poder apodrecido. O centro dos problemas do país está aí, nessa casa tornada espúria por deputados-bandidos. Não que seja a única fonte dos problemas, mas é o principal, que deve ser combatido com igual fúria, pelo voto, nas eleições do próximo ano. Essa é a prioridade zero da gente de bem, independente de partidos ou tendências políticas.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
25 25America/Fortaleza setembro 25America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   mês de setembro, convenhamos saiu fora da curva dos últimos anos, com suas manchetes maravilhosas. O domingo que antecedeu as cores da primavera devolveu em nós uma esperança que vinha murchando mais e mais, sem conseguir ver uma luz no fim do túnel escuro em que o Brasil foi jogado pela pior escória que nos dominou nesses 525 anos. Os nossos ídolos ainda são os mesmos. Que bom que seguem os mesmos, como em 1968, quando foram às ruas na passeata dos Cem Mil, ou em 1983, pelas Diretas Já. Caetano, Chico, Gil, Djavan, Paulinho da Viola e tantos outros largaram um pouco seus batentes e subiram num trio elétrico pela democracia, pelo resto de dignidade que se pode lutar nesse país. A força dos atos de domingo consiste primeiramente nisso: na certeza de que havíamos chegado no fundo do poço. A essa altura, é viver ou morrer. Esse cansaço e desespero enxergado pela antena fina dos nossos artistas é o mesmo fastio que contaminou a todos, as pessoas decentes que vivem honestamente suas vidas e não aguentam mais tanta bandalheira. A presença desse primeiro time da MPB foi fundamental, não pela música, evidentemente, mas pelo apelo dramático dirigido a um país atônito. E o povo atendeu ao chamado. Lavou nossa honra nas praças públicas das capitais. O efeito foi imediato: logo nas primeiras horas já tinha deputado fazendo mea culpa, desembarcando da criminosa PEC da Bandidagem. Não há termo melhor pra definir essa infâmia. A Câmara dos Deputados, desgraçadamente, se converteu num extrato de podridão do que há de pior no Brasil atual, contaminado já algum tempo por estranhas relações com o narcotráfico, evangélicos tarados e pedófilos, milícias e policiais dos esquadrões da morte. Quem deu o voto nessa monstruosidade, perca as esperanças de uma morte feliz, de uma vida eterna em paz. Alguém que vota numa coisa dessas não conseguirá olhar para um filho pequeno sem se constranger. Terá agora que pedir perdão eternamente, ou, como canta o próprio Gil: “Gasta um dia da vida/ tratando a ferida/ do teu coração. / Faz o espírito obeso correr, perder peso, ficar são”. Para o nobre deputado e deputada que marcaram o vergonhoso “sim” na PEC da legalização do crime, nem precisa expurgar seus pecados nas chapas quentes do purgatório, afinal, ainda na canção de Gil, “basta ver-te em teu mundo interno/ pra sacar teu inferno/ teu inferno é aqui”. E a safra de boas notícias se completou com uma estupenda colheita, plantada por um simples discurso político. Lula, em quem eu votei várias vezes e devo votar novamente, com minhas inegociáveis ressalvas, foi maior que o Lula de todos os tempos. Lembrei do meu amigo Marcelo Déda encantado com a eleição de Barack Obama, a quem chamou de “um César negro”. Naquela quadra eu também concordei com ele, que, tristemente, não está mais aqui para ver que errou na análise. Mas ficaria maravilhado com a fala cortante, potente e responsável de seu compadre Lula. Lula foi cirúrgico num discurso que surpreendeu sua xoxa política externa, executada por diplomatas medíocres. Quem tiver dúvidas dessa equipe meia boca, leia o grande Paulo Nogueira Batista Júnior. Foi corajoso e conferiu relevância a um evento que vinha definhando a cada reunião, fruto da falência geral da própria ONU. Pareceu jogo da seleção, quando a seleção jogava e ganhava. Lembrei de amigos espanhóis da minha temporada em Madrid, discutindo a crise de 2010 nos bares, encantados com as medidas que Lula tomara para que o Brasil atravessasse o terremoto econômico sem maiores danos à nossa economia. A esquerda espanhola citava a disposição do presidente brasileiro para cobrar atitudes de seu acovardado governo socialista. Por fim, o abraço e a química. O velho Ulisses Guimarães dizia que política é namoro de homem. Não há dúvida. E Lula sempre entendeu isso, despejando seu charme por cima de quem encontra pela frente, seja de direita ou esquerda. O doidão laranja caiu no chaveco e agora os dois vão se sentar. Só fiquei pensando no presidiário, com aquelas obstruções intestinais, depois de ver as matérias nas TVs do mundo inteiro, indo dormir, literalmente, com a bosta presa.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
11 11America/Fortaleza setembro 11America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   elo seu voto cabuloso no julgamento da tentativa de golpe de 8 de janeiro, o ministro Fux é a bola da vez para sangrar na praça pública do povo, essa disforme massa acrítica e às vezes crítica que opera sem modos ou pruridos, fazendo as vezes do que um dia chamou-se de opinião pública, ou esfera pública midiática, como se diz nos bancos acadêmicos. Alguma coisa errada com isso? Não. Absolutamente dentro das novas lógicas de disputas em que o campo tradicional do debate na mídia e nos parlamentos foi substituído pelo ringue digital das redes, sujeito inclusive ao seu detestável tribunal da internet. Mas é assim que é, de modo que o pimpão do pomposo Fux vai ter que se acostumar, afinal, em matéria de procedimentos profanos, muito mais pra mundanos, ele não é tão neófito. A ver só por um dos exemplos pinçados para ilustrar essa assertiva, o rumoroso processo de nomeação da advogada Marianna Fux, filha do prestigiado topete jurídico, para o cargo de desembargadora no Rio de Janeiro. Não vou perorar aqui sobre a polêmica. Quem quiser detalhes, o Google tá farto em matérias sobre o caso. Tem um discurso do deputado Paulo Ramos, do PSOL do Rio, denunciando no Congresso uma trama suspeita no processo de privatização da Cedae, a companhia de águas e esgotos daquele estado, onde Luiz Fux, já então ministro, não aparece muito bem na foto. A escalação do notável para a lista nacional do cancelamento, pois, era o previsível, dentro de um mercado de torpedeamentos full time daqueles que, no entender dos soldados dessa guerra, fizeram por merecer. E Fux fez das suas. A transcrição das conversas dele com o a dupla do mal Deltan-Moro daria, no mínimo, em demissão. Isso num país que não fosse nossa Pindorama, até um Haiti, quem sabe? Mas Fux segue fagueiro, ele e seu penteado (ou peruca?), como se esse rosário de imposturas não fosse com ele. E ainda com o topete (eitha, olhe ele aí de novo!) de dar lições e fazer alertas. Um dos grandes problemas desse moinho das redes digitais é que ele, como se disse lá atrás, opera sem pruridos. E sem compromisso com a verdade e a transparência. Enquanto Fux mantinha-se distante do risco de nos impingir um arranhão, deixa ele lá, com suas mazelas e sua peruca. Quando ele, enfim, nos desacata com sua incrível infâmia, aí vamos cuspir no chão e jogá-lo aos leões. Se esse moinho, a exemplo da antiga esfera pública racional, fosse feito de ética, ou de alguma, pelo menos, o combate a um moralista sem tanta moral já deveria estar escalado há muito tempo. Se o debate fosse pra valer, regido por regras claras, equilibradas e justas, a primeira pergunta a ser feita seria: mas quem diabos botou esse jabuti aí em cima? Ora, a farta cabeleira desse jabuti foi parar no topo graças a uma presidente eleita com meu voto e de milhões de brasileiros que vimos naquele momento a opção em Dilma Roussef contra a vagabundagem que nos rouba há 500 anos. Mas o PT tem dessas coisas, como sabemos. É um partido que nasceu de uma belíssima história, vindo do povo, mas que amadureceu no pior dos sentidos, envelhecendo e incorporando, com isso, os defeitos dos velhos. Mas não quero tratar disso. Não me agrada fazer esse papel, nem acho justo sairmos do grande debate que interessa ao país para discutir a faxina interna de uma organização que, de todo modo, tem nas eleições a cada dois anos a oportunidade de corrigir rumos e se reenquadrar nesse mundo complexo de hoje. Se quiser, faz. Quanto a Fux furado como um bode véio na feira do sertão de Tucano, antes tarde do que nunca. Ainda bem que a tal “militância”, de bunda já colada nos assentos das assessorias distribuídas pelos neocoronéis da nomeklatura petista, acordou para ir a uma guerra que jamais poderia ter perdido. Ruim com eles, pior sem eles. Depois que inventaram o cínico conceito de “pós-verdade”, motor espiritual das futuras fake news, vale tudo em briga de rua: areia nos olhos, chute nos quibas e dedo no furico. Joga bosta na Geni!   Compartilhe: [...] Saiba mais...
4 04America/Fortaleza setembro 04America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   olta e meia, novas decisões de alguma instância do poder público agitam a vidinha simples dos moradores de seis dos mais bucólicos bairros aracajuanos, chamados a um só tempo, pela burrice, presunção e descaso de planejadores urbanos de Zona de Expansão. Tom, aquele gato mal-humorado que vive lá em casa, até pigarreou: “Zona é o pântano onde repousa a moral dos excelentíssimos”, bronqueou vetusto bichano, dando o assunto por encerrado. Mosqueiro, Areia Branca, São José dos Náufragos (olha que nome bonito!), Matapuã, Gameleira e Robalo são sítios aprazíveis formados por comunidades antigas e hoje reforçadas por autoexilados como eu, que me bandeei para os lados do Mosqueiro há 31 anos. O guarnicho onde me escondo já foi até reenquadrado pela prefeitura, que nos localizou recentemente na Gameleira, jogando por terra meu honrado título de Cidadão Mosqueirense, conferido pelo conde Jorge Lins, que, aliás, nos trocou pelas delícias de um apartamento de cinco quartos, ar-condicionado centralizado, ofurô num dos banheiros-academia e quatro vagas de garagem. Tudo isso no novoriquismo da Farolândia, nas barbas da avenida Beira Mar. Para terem uma ideia, nesses anos eu já tive quase uma dezena de CEPs, a ver pelo gosto da gestão da prefeitura da época, ou da Câmara de Vereadores, ou Correios. No vácuo de autoridade, até o CEP virou bagunça ao gosto do freguês que manda. E tome confusão na hora de um cadastro, uma compra, um documento oficial. Isto porque, até hoje, em uma ou outra situação, meu CEP atual é negado, com insistência dos atendentes alegando que “esse código é inexistente, senhor” e recorrendo a um outro já enterrado. De fato, num país com uma burocracia remunerada em padrões suecos e funcionando com qualidade Haiti, seria demais esperar integração entre os sistemas de Correios-Câmaras-Prefeituras. Vai Emurbs e vem Emurbs, e esses putos não resolvem nada. Após o frufru da última semana e a repetição do roteiro de sempre, é incrível que ninguém da chamada, ou ex-chamada, imprensa local, tenha tido a curiosidade e o dever jornalístico de fazer a pergunta que nunca tiveram coragem ou vontade: São perguntas que poderiam ocupar as atenções de jornalistas, pelo menos os que não estão fazendo jornalismo chapa branca.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
22 22America/Fortaleza agosto 22America/Fortaleza 2025Compartilhe: Luciano Correia (*)   ara que serve a poesia e a arte de forma geral? Essa é uma questão que acompanha a vida desde sempre, com correntes de todo tipo, dos que defendem uma arte engajada, revolucionária, aos que consideram que a arte basta em si, sem a necessidade de cumprir funções sociais. Longe de mim querer entrar nessa discussão que, ademais, não é terreno seguro para pisar. E por ser assim, me reservo o direito de exercer meu gosto sob o prisma mais simplório do mundo, o do meu gosto. Desconfio que admiro alguns dos grandes mestres da pintura, mas a coincidência com os critérios que os tornaram grandes é puramente casual, afinal, não gosto de outros tantos considerados vacas sagradas das artes plásticas e visuais. Assim é para mim com a poesia: gosto ou não gosto, me toca ou não. Quer dizer, também não vamos depreciar minha capacidade de ver a boa poesia. É que este é um campo das artes dos mais delicados, verdadeiro pântano onde o joio se mistura ao trigo sem vergonha nem cerimônia, de maneira que os incautos compram gato por lebre. É por excelência também o campo em que lobistas com amplo acesso às mídias ou distribuidores de jabás contrabandeiam seus falsos talentos como se houvesse mérito em sonoras porcarias pretensiosas. E há os chatos, estes em número maior, a todo momento nos importunando com uma baixa poesia, geralmente cifrada por imagens muito particulares, que só dizem respeito aos devaneios do dono do poema. São os hermetismos que, por serem herméticos, autorizam imbecis batizados trafegarem impunemente por melecosas academias disso e daquilo que de uma hora pra outra infestaram as cidades brasileiras. A produção “artística” que pulula nessas casas emboloradas de cultura e costumes é, ela mesma, a pior inimiga das artes e das letras, pelo embuste que embutem. Saindo da frescura da cultura inútil para as delícias da poesia que nos toca os calcanhares, eis que chegamos aos “Poemas Passageiros” de Jeová Santana, um sergipano de Maruim, professor de literatura aposentado da rede estadual e em atividade na Universidade Estadual de Alagoas, onde vive atualmente, entre os sertões graciliânicos e aquele mar de doer a vista em Maceió. Jeová também apresentou durante alguns anos um programa sobre literatura na Aperipê FM, nos anos em que presidi aquela Fundação. Os poemas de Jeová não são feitos pra virar livro, ele derrama poesia em cada boteco de esquina, ao perguntar as horas a uma moça bonita ou feia que vende amendoins nas calçadas ou nas mensagens por e-mail e WhatsApp. Sempre que troco dois ou três dedos de prosa (ou poesia?) com esse sarcástico leitor de poesia e prosa, penso que cada chiste, cada trocadilho barato, cada ironia fina caberiam nas páginas de livros, para empurrar deles, os livros, a cafonice piegas que geralmente impregnam de chatice suas páginas. Não têm esses artistas que se veem mudando o mundo? Pois vejam o que ele diz no poema A Galera: “Depois de quatro horas detonando o sistema/ os meninos do rap foram céleres/ receber o cachê da prefeitura”. Jeová tanto brinca quanto faz chorar. Em Oração dos Meninos do Brasil, curta e triste, ele clama: “Bala perdida/ não ache meu pai./ Deixa ele vir pra casa/ uma vez mais”. Da preocupação com os dramas sociais ao amor, o velho e bom amor nesses tempos de cólera, bálsamo de salvação dele e quem mergulha nos seus delírios, como em Ode ao Umbigo: “Traço uma linha imaginária/ entre duas montanhas/ e um vale fosco./ Faço, da língua, periscópio/ e vasculho a fresta/ Por onde brotou a vida./ Desejo um córtex/ Que fosse ao cóccix/ Para desvendá-lo./ Ainda bem/ que ele anda ao sol. / Soubesse sua dona/ Do perigo que emana/ desse olho do cão/ tapava-lhe a visão./ Isso deixaria mais opacos/ os dias do poeta/ nesse mundo vão.” Jeová já é calejado de ofício. Tem outros livros de poesia e de prosa, sobretudo no conto, onde navega com a mansidão de quem arrebatou muitos prêmios. Este seu Poemas Passageiros foi um lançamento bilingue, com tradução para o espanhol da professora Raquel La Corte, da UFS, numa noitinha simpática no complexo O Paiol, um oásis incrustado numa Atalaia que já não guarda nada de velha, senão as boas lembranças, em meio a essa modernização horrorosa da nossa tara por orlas. Foi também uma noite em que os gatos pingados da literatura da árida Aracaju puderam tomar uma cerveja e, entre um gole e outro, saborear poesia, como a que Jeová pregou na contracapa do livro: “Um gatinho espatifado no asfalto/ Um cachorro dentro de uma bolsa plástica/ Um velório ao dobrar a esquina/ Ah, esse mundo.”   Compartilhe: [...] Saiba mais...
15 15America/Fortaleza agosto 15America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   uler Dantas é um jornalista já calejado de redações da Bahia, mas desconhecido na cena cultural sergipana. E o que tem a ver Sergipe, ora direis? É que esse baiano de Cícero Dantas aportou aqui ainda menino para viver, até entrar na faculdade de Jornalismo da UFBa, em Salvador. Em Aracaju, fez amigos, amores e deixa saudade sempre que vem ver os pais e retorna ao seu querido bairro de Santa Tereza, no Rio, onde vive já há alguns pares de anos. Aracaju, portanto, está sempre nos seus planos, dentre os quais se encontrar com este velho colega para traçarmos o ensopado de carneiro do Thales Ferraz. Conheço Euler desde os primeiros dias do curso de Jornalismo na UFBa, embora de turmas diferentes. Até viajamos juntos de carona uma vez para o Enecom de Fortaleza, lá nos saudosos anos de 1984, num velho ônibus urbano improvisado para levar estudantes da UFPE, do Recife a Fortaleza. A carona terminou nas ruas do Recife antigo e, sabe-se lá como, conseguimos chegar a Aracaju, porto seguro dos dois quebrados estudantes. Desde que trocou o jornalismo por muitas outras atividades, exercidas uma após outra, e a (sua, especialmente sua) idílica Salvador pelo charme hippie chique de Santa Tereza, continuou batucando letras nos teclados, mas não mais para a urgência dos diários impressos. E foi aos poucos tecendo sua literatura moderna, com cheiros, tons e semitons que fariam a alegria e festa de um Amaral Cavalcante. Euler, sem favor nem exagero, é um sopro raro numa área que respira por aparelhos, de tão carente de bons autores, ou infestada do bolodório identitário em moda, pra fazer business. De passagem por Aracaju, para os tais amigos, família e o carneiro ensopado, aproveitei sua presença para um papo ligeiro sobre seu primeiro livro, desinventário (um almanaque arqueológico de rememórias), que li com o gosto da boa leitura, evidentemente, e da satisfação de vir de um velho colega de faculdade. Com vocês o baiano-sergipano-carioca Euler Dantas.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
7 07America/Fortaleza agosto 07America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   prisão domiciliar de Bolsonaro atiçou a nova paixão nacional, mais que novela e futebol: o chilique. Por alguns dias não se falou em outra coisa, com ameaças de fim de mundo para o caso de serem confirmadas as punições aos bandidos que tentaram um golpe de estado. Até a mesa da Câmara dos Deputados, essa instituição respeitável e vista com muuiitaaaa importância pela população, foi tomada por heroicos grevistas. O risco é a sociedade gostar de viver sem parlamento. Na verdade, uma prisão domiciliar é uma punição meia boca, com o réu em casa, jogando videogame e comendo pão com leite Moça, o padrão gastronômico dessa figura improvável que só num país como o Brasil ganharia alguma importância. Mas é o Brasil, de miséria material, física e espiritual, onde político de rachadinhas apoiado por milícias criminosas é ídolo de pastores, juízes, promotores e empresários. Trata-se de uma detenção com efeito meramente político, portanto, já que a vida real do infrator não fede mais do que já fedia. Num mundo de guerras virtuais, onde tacapes e bordoadas são desferidos a torto e a direito num tatame virtual, até o xilindró é de mentirinha. Pelo conjunto da obra realizada e pelo que está sendo julgado, Bolsonaro tem que ir para a Papuda, endereço do qual dificilmente escapará, afinal, bandido bom é bandido preso. Isto porque estamos numa democracia. A ver pelos vagabundos federais que tomaram de assalto (ops! Assalto?) a mesa da Câmara, bandido bom seria bandido morto. Mas a democracia não suja as mãos de sangue. A barulheira diante de uma ordem de prisão que era a única medida cabível não pode ir além do furdúncio nas redes, até porque não poderíamos esperar outra coisa. São os tempos de uma interconectividade com eficácia de voo de galinha, que não abala os alicerces da vida real. Até o fato de o teatro de guerra ocorrer em palco virtual denuncia o isolamento de todos nós, que deixamos de viver a esfera pública analógica, de carne e osso, para as disputas simbólicas a troco de quase nada. O diretor de cinema alemão Werner Herzog disse numa entrevista, ainda nos anos 90, que a solidão humana iria aumentar proporcionalmente ao avanço dos meios de comunicação de massa. Traduzindo em tempos de hoje, leia-se o poder das redes. O economista e escritor Eduardo Giannetti da Fonseca engrossa o caldo das preocupações e diz que a sociedade vive uma espécie de narcose digital, cujo efeito é o isolamento social, que afasta as pessoas e empobrece as experiências de vida, com a diminuição da capacidade cognitiva e da atenção concentrada. As relações humanas vão se tornando cada vez mais superficiais. Quase ninguém mais lê um livro por mais de três minutos, porque para a leitura e vai ver o que está acontecendo nas redes sociais. No restaurante, as famílias esperam a comida sem se falar, com cada um clicando seu celular, disperso e envolto numa realidade distante. Até no cinema o sujeito busca o telefone para ver a timeline. O poder imantador da teleletrônica é avassalador e substitui a hegemonia da era da televisão, esta em pleno declínio. Mas a nova esfera pública digital não vai rasgar constituições e impor a força bruta dos atuais gangsters da política e das redes. Bandido bom é bandido preso.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
31 31America/Fortaleza julho 31America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   o mundo inteiro o jornalismo vive uma fase de precarização, dos salários ao faturamento das empresas, perdendo relevância com a substituição do lugar da notícia pelas narrativas, produzidas e turbinadas por gente de fora do circuito, os tais influencers. O problema aqui não é o espírito corporativista contra invasões de terceiros. Influencer, essa categoria amorfa e imprecisa, não tem compromisso com os protocolos do jornalismo, o rigor técnico na apuração dos fatos e uma moral regida pela ética. E se ética parecer um conceito abstrato, vai uma definição de corpus bem conceituado: o código de ética do jornalismo. Influencer, de maneira geral, nem sabe o que é isso, e está menos ainda preocupado com essa conversa sobre ética, que lhe parece cosmética, perfumaria pura para dourar o discurso do jornalismo chamado de profissional. Jornalista não: pode ser raso na forma e no conteúdo, fraco no texto e medíocre na visão do mundo, mas passou pelo domínio de uma ferramenta tão fabulosa quanto o soro caseiro. Me refiro à linguagem jornalística, esse conjunto de regras simples, portanto não muito complexo, que através de um conceito chamado de lead dá conta da narração de um fato com a integridade mínima para informar num parágrafo de cinco linhas. Isso nem todos dominam. Os advogados, por exemplo, alguns cultos, intelectuais refinados e muitas vezes oradores brilhantes, nem sempre conseguem dar conta de uma simples notícia factual. O jornalismo mais antigo, de antes do diploma, acusava dezenas e centenas de advogados em redações no país inteiro. Muitos, de fato, dominaram a linguagem objetiva do jornalismo, outros se perdiam numa peroração retórica de textos palavrosos. Ou, como dizia Caetano: demasiadas palavras, fraco impulso de vida. Formado em jornalismo há pouco tempo, e ainda exercendo minha tola fúria na então alternativa e vibrante Folha da Praia, fiz a besteira que me acompanhou por quase toda minha vida: comprar pra mim a briga dos outros. Do nada, cutuquei a serpente com vara curta e recebi de volta um assustador bilhete, timbrado, com o poderoso nome de Joel Silveira no canto da folha, com a ternura digna da fama: “Você ainda vai engolir esta merda”. Não engoli. Beberrão, como sempre fui, mulherengo, como sempre admirei, aquele homem infinitamente maior do que eu se tornou meu amigo. Ainda guardo fresca na memória a imagem de um Joel maestro, ouvindo Mozart às quatro da manhã e regendo uma orquestra imaginária no quintal do poeta Amaral Cavalcante. Era minha despedida para uma de minhas diásporas. Ganhei de presente uma fita K-7 de Mozart e a conversa com o maior repórter da imprensa brasileira, entre várias rodadas de uísque. Esse jornalista extraordinário, destemido e desprendido, o sujeito que fez da reportagem jornalística quase uma obra de arte.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
17 17America/Fortaleza julho 17America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   epois de 31 anos marchando todos os dias para os confins da antiga Rodovia Sarney, hoje Inácio Barbosa, dei adeus a meu pedacinho do Mosqueiro, onde busquei um exílio voluntário para realizar o sonho de um tabaréu vindo do interior: eu queria dormir ouvindo as ondas do mar. É verdade que nessas três décadas dei algumas escapadas para outras lonjuras: dois anos entre Maceió e Aracaju, cinco anos no Rio Grande do Sul e sete meses em Madrid. Mas enquanto flanava por aí, mantinha ativo meu guarnicho tropical atlântico. A retomada de uma rotina acadêmica na UFS não foi tanto o motivo, mas as dificuldades para equilibrar meu corre com as novas necessidades do pequeno Jão Cabeça Quente, essa figura que veio ao mundo ainda ontem e hoje teve seu primeiro dia de escola. Com apenas um carro, não é fácil viver num Mosqueiro quase tão inóspito quanto há trinta anos, quando o comércio rareava, entre uma precariedade absurda e a pobreza de ofertas. O gasto com combustível também pesou na nossa decisão. Quando fui realizar esse desejo de morar no mar, 100 por cento dos que me conheciam diziam que era longe e deserto. Era o espírito de província falando pelos moradores de uma capital acanhada, cuja diferença com Itabaiana, como diziam meus ceboleiros, era a quantidade de postes de luz e água salgada. Estavam certos. Os vinte ou trinta minutos pra chegar nos meus trabalhos no Centro eram uma viagem lúdica, à beira mar, pensando em tardes ensolaradas e sereias nas areias. Quando pensou e construiu a Sarney, João Alves de fato abriu uma nova fronteira. E uma paisagem linda veio de bônus. Os anos passaram e o caminho do trabalho piorou mil por cento. O trânsito se emburreceu, com seus motoristas burros. Os governantes amesquinharam uma avenida que só queria ser passagem ao lado do paraíso. A última reforma na pista foi a pá de cal. Tiraram o velho asfalto original, ainda dos anos de 1980, e puseram uma borra que se desmancha com vento e chuva. Achando pouco, construíram um muro de pedras entre os dois sentidos da via, segregando os veículos em currais apertados, sem a menor condição de ultrapassar. A reforma trouxe isto: a proibição da ultrapassagem. O discurso oficial dos governos, da redução de acidentes pela redução da velocidade, foi imposto na tora, ajudado por incontáveis radares caça níqueis que agora infestam os dois grandes corredores do litoral sul, a rodovia dos Náufragos e a própria Inácio Barbosa. Mais que o peso da gasolina no bolso, pesou o estresse de negociar ultrapassagens com motoristas-bandidos a cada 50 metros. A viagem do meu condomínio para a UFS hoje não dura menos que 50 ou 60 minutos, em céu de brigadeiro. Se chuviscar, com a tigrada que temos nos volantes, o percurso sobe para uma hora e meia. Joguei a toalha. De modo que hoje, como cantava Caetano bem lá atrás, foi o dia em que eu vim-me embora. Deixei o Mosqueiro com a incômoda sensação de que pode ser definitivo e uma persistente dor no coração com a tristeza do gato Tom. Como se sabia amplamente, nunca gostei de animais, até que na meia idade fui arrebatado pela ternura de um bichaninho malandro, um pé-duro com ar de aristocrata que fez mudar minha visão da vida. Me ensinou o sentimento da compaixão e melhorou meu passeio pelo mundo. Ele me tem como pai, e eu o tenho rigorosamente como um filho. Foi quando conheci o tal amor incondicional, carinho sem taxas e tarifas a pagar. Hoje, enquanto arrumávamos malas e sacolas e recolhíamos tralhas que seguiriam para a nova morada, Tom espreitava silencioso, de longe, num canto cabisbaixo. Tenho certeza de que intuiu nosso movimento lá dentro de sua pequena alma nobre. Olhava, só olhava, sem miar nem pedir nada. A única coisa que vinha dele era uma infinita melancolia. Tom não quis ser como o cachorro que caiu da mudança. Ele é amor puro e sincero, mas é também território. Aquela é a sua casa e lá seguirá, ajudado agora pelos meus amigos no condomínio, vigias e jardineiros que, afinal, já eram os tios daquele intrépido gatinho de elegância inglesa. Deixei, além da saudade, a promessa de todas as quintas fazer o caminho de volta, para um weekend com você, Tom. Como aquele canto de Maria saudando o anjo Gabriel, tão belo e tão doce, no Evangelho de Lucas: você fez em mim maravilhas. Papainho foi ali e volta já.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
5 05America/Fortaleza julho 05America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   golpe para emparedar o governo Lula começou há duas semanas com uma decisão inconstitucional do pior Congresso da história brasileira. Por muito menos, ou melhor, por algo que nem era ilegal nem inconstitucional, o esgoto nacional em que se transformou o parlamento brasileiro deu um golpe e derrubou o governo Dilma. Esse Hugo Motta é um somatório de tudo de ruim que passou naquela cadeira nos últimos anos, um Frankstein político feito das costelas de Michel Temer, Eduardo Cunha, Arthur Lira et caterva. Com Lula não vai haver impeachment. É um golpe branco, a conta-gotas, com o saco de maldades sendo aberto todos os dias sob as mais estapafúrdias desculpas. Lula sangrará em praça pública até que seu governo chegue às eleições do próximo ano exaurido de popularidade, virtualmente condenado a uma derrota. É verdade que ele, o governo, também trabalhou pra isso. Trabalhou não é bem o termo. O melhor seria: deixou de trabalhar conquistas efetivas que fizessem o pobre homem comum lembrar do 13 naquele momento solitário em que se encontrará, ele e sua consciência, diante da urna eletrônica. Apostar em ações como estender a isenção de imposto de renda até cinco mil reais de salário é uma pechincha que não anima nem a chamada militância. O governo Lula 3 não fez nem uma cosquinha no bolso da patrãozada e quando tentaram arrancar 1 por cento de imposto da zelite econômica, a Faria Lima começou a planejar a patifada. Sem a benevolência dos ricos, o churras voltou a ser de coração de galinha e Pitu. E se algum remediado conseguir embarcar num aeroporto, a patroa faz vídeo esculachando essa infâmia. A classe C desembarcou do Paraíso. Nunca o país precisou tanto da liderança e experiência de Lula, mas ele parece vencido pelo tempo, cansaço e pela mediocridade de seu entorno, a começar por um ministério pífio, alguma coisa da Série D, pra ficar nas metáforas futebolísticas que o presidente gosta. Ao seu lado tem uma mulher bonita, que encantou seu coração e trouxe companhia íntima no momento mais difícil de sua vida. Parabéns para o casal, e que só a morte os separe. Mas misturar vida privada com República é coisa de amadores. Janja não tem cargo nem função pública. Mas se sente tão poderosa que ignora formalidades. Interrompe uma reunião com o maior chefe de Estado do mundo, na casa dele, pra palpitar sobre Tik Tok. E Lula não faz nada! Quando o Brasil vetou a entrada da Venezuela nos Brics, o país encolheu ainda mais no conceito internacional de uma grande nação. Vivemos a reboque de Europa e Estados Unidos, apequenados, com Lula perdendo tempo em tirar selfie com figuras abjetas como Macron. Nossa diplomacia é raquítica, de um país que optou em ser sempre uma república de bananas. Quem elegeu Lula foi a diversidade de uma frente muitíssimo maior do que o PT, gente de bem que não queria Bolsonaro nem deseja ver o país cair na mão de outras versões do infame entreguista FHC. Essa gente é quem sustenta nossa democracia. Quando a derrubada de Dilma avançou, assistimos ao rugido grosso do MST prometendo abalar céus e terra contra o golpe. Eu mesmo imaginei as ruas vermelhas tomadas de foices e martelos pela resistência. O que se viu foi o nada absoluto, a covardia cúmplice de lideranças e parlamentares que contaram seus trinta dinheiros de emendas e optaram pelo deixa-disso. Novamente, essas oligarquias das oposições permanecem de bundas sentadas nos gabinetes, enquanto a democracia definha sob um céu de nuvens pela frente. “Lá vem o Brasil descendo a ladeira.”   Compartilhe: [...] Saiba mais...
19 19America/Fortaleza junho 19America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   omo se estivéssemos bem servidos de muitos e bons jornalistas, Sergipe perdeu logo dois num dia só. Dois jovens que fizeram muito pelo desenvolvimento de nosso jornalismo e que certamente tinham muito a fazer na nossa imprensa. Mônica, carioca que chegou aqui como Dantas, e depois voltou a usar o sobrenome Pinto de solteira, teve longa carreira no extinto Cinform impresso, mas passou por outros jornais e fundou revista. Foi a editora da Sergipe +, uma publicação de variedades local infelizmente também extinta. Assessorou a Fecomércio durante anos, construindo afetuosas relações de amizade com vários empresários locais. Era editora-chefe do portal F5 News, dos empresários Fernando Carvalho e Laércio Oliveira. Sou testemunha do carinho que os dois sentiam por ela. Sempre que me encontra, o senador Laércio sequer pergunta o tradicional “Tudo bem?”. A primeira coisa que diz é sempre: “Tem visto nossa Moniquita?” Era assim que eu a chamava. Amigo íntimo do casal Mônica-Sidnei Xambu, frequentei suas variadas casas, aqui ou em Curitiba, como também fui frequentado por eles, fora os incontáveis almoços e cervejadas por aí, por aí. Perco uma grande amiga, Sergipe perde uma grande mulher, além da profissional competente que sempre foi. À certa altura da carreira, incorporou no seu currículo a função de biógrafa, tendo feito belíssimos trabalhos sobre empreendedores como Raimundo Souza (da antiga farmácia Galeno), Raymundo Luiz e tantos outros, incluindo o próprio comércio aracajuano, personagem de uma de suas sortidas biografias. Mônica era uma mineira-carioca que jamais perdeu o sotaque, talvez para não se sentir tão estrangeira nos lugares onde viveu. Do Rio, conservava em Aracaju um grupo só de cariocas como ela e Xambu, aqui estabelecidos há décadas. Uma confraria de amigos muito queridos que se reuniam no seu fechado clube para falar reminiscências da cidade maravilhosa, todos, como ela, puxando até hoje aquele sotaque típico dos cariocáááxxx. Justo quando deu por encerrada sua temporada no frio e insípido Paraná e recomeçar uma nova vida em marcha lenta na sua querida Aracaju, a doença apontou os primeiros sinais. Enfrentou o câncer com um destemor que nunca vi em ninguém mais. Uma leoa rugindo o tempo todo na resistência, pela vida, em alto astral. Foram inúmeras manhãs de sol nascendo e mergulhos na praia em frente à sua casa, que ela festejou como se fossem os últimos, pois que eram mesmos. No último aniversário, em novembro, mesmo dia em que Mamãe completa anos, ela fez questão de minha presença, com um argumento inapelável: “Porque esse é meu último aniversário, Luc”. Tomei uma pancada com tamanha coragem. E voei de Itabaiana do meio do níver de Mamãe para a lendária Atalaia Nova a tempo de pegar a cachaça e a alegria de sua festinha entre amigos. Pouco mais de seis meses depois, ela cumpriu o aviso: nos deixou de novo perplexos, tristes, sem saber o que dizer com a falta que vai nos fazer. Voa feliz, Moniquita! André Barros nunca foi um amigo íntimo. Vivemos de relações cordiais, mas de uma cordialidade que não é dessas que rolam por aí. Um gentleman, de tão educado, coisa rara em Sergipe dos muros baixos. Trabalhamos na CBN Aracaju, na primeira fase da CBN, quando fui encarregado da implantação do jornalismo. Ele, um âncora seguro, conhecedor como poucos da linguagem de rádio e TV, excelente texto. Era, disparadamente, o melhor jornalista e apresentador de rádio da província. Sua competência, lembre-se, nunca foi obra do acaso, senão pelos anos de estrada aqui e fora de Sergipe, nas TVs Globo e Manchete de Brasília, e em jornais. Quando âncora da CBN, eu fazia um comentário diário, num quadro chamado de Liberdade de Expressão. Ele, gentil, provocador, sempre me estimulava abrindo um ângulo novo, fazendo daquela dobradinha um raro momento criativo de jornalismo no rádio. Nos cargos públicos que exerci, sempre me entrevistou com honestidade, perguntando tudo, mas fazendo jornalismo com qualidade, sem ser chapa branca nem ser chancelado pelos pagadores de jabás públicos e privados. Estreitamos mais os laços num café em que ele batia ponto no Riomar. Outro dia, de passagem, eu comentei com ele: “Puxa, você abandonou o posto no café, rapaz? Vamos atualizar nossas conversas, fofocar um pouco”. Ele me contou de problemas de saúde, de forma apressada e superficial. Não me dei conta da gravidade. Esta semana é que vi que não vamos mais tomar nosso café.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
12 12America/Fortaleza junho 12America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por  Luciano Correia (*)   ncelotti chegou para salvar a pátria de chuteiras. Já está se brasilizando. Foi ao Cristo Redentor pegar uma bênção com um desses padres da moda e tomou água de coco em Copacabana. Os repórteres de TV, com a intimidade que ninguém lhes conferiu, já o tratam por “Carletto”, o apelido italiano logo transplantado para a terra das palmeiras e sabiás. Corre o risco de dar certo, afinal, só a presença de alguém com autoridade no comando de uma molecada corrompida desde o berço já melhora o astral. Foi o que vimos nas duas partidas: ganhamos de meio a zero para a apatia que nos goleava há tempos. A corrupção no futebol de Pindorama, vê-se agora, não era monopólio da cartolada. Os exemplos de Lucas Paquetá e Bruno Henrique cometendo faltas em campo para favorecer apostas de parentes longe dos gramados é só a pontinha do iceberg das Bets compradoras de resultados. Na Copa da Rússia em 2018, famílias dos jogadores não podiam passar do portão do hotel da seleção. Dos mortais comuns, me refiro. Num dos andares do hotel a famiglia Neymar, leia-se pai & filho, dava festas nababescas que faziam o corredor tremer de luxúria. Ai se as garrafas vazias de Stolichnaya falassem… Talvez um dia alguém fale. O futebol brasileiro não é melhor nem pior do que o resto do país: as igrejas católicas e, sobretudo, as evangélicas. A universidade pública e, pior ainda, as privadas. As câmaras, assembleias e o Congresso Nacional. As artes e os artistas, se não em maioria, pelo menos metade deles. Nesse país que se tornou improvável, nem a pureza das meninas de 15 anos existe mais. Tudo se degenerou na poeira da corrupção financeira ou moral, da violência verbal gratuita nas redes e da lacração. Bolsonarismos de direita e de esquerda assolam o país, só diferindo conforme a cor da bandeira, se vermelha ou auriverde. Ancelotti não é ingênuo nem menino. Mas deixou de ganhar mais milhões do que o que ganha na Arábia e preteriu convites para os Estados Unidos porque queria justamente estar no lugar onde está, treinando uma seleção de futebol, que, no seu imaginário de pebolista, era um sonho idílico, algo que não passa mais na cabeça daqueles 11 jogadores em campo e, muito menos, da massa embrutecida nos camarotes e arquibancadas. No futebol europeu também se vê coisas que até Deus duvida, mas o ser humano às vezes age como exceção pra confirmar a regra. Ancelotti, diante dos vários Maracanãs de uma gente que só quer levar vantagem, dentro e fora das quatro linhas, é um poeta em seu transe de artista. Que São Jorge do Futebol o proteja de nossas iniquidades.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
9 09America/Fortaleza junho 09America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   omo diria Drummond, havia uma comunicação no meio do caminho. Ou há uma incomunicação nesse caminho atrapalhado por pedregulhos. O governo da atual prefeita de Aracaju consegue o mérito de a cada semana produzir feitos ainda piores do que na anterior. É um mergulho para o nada, para o caos absoluto, uma marcha da insensatez. Sempre imaginei que não daria certo. Eu e todas as torcidas do Sergipe, Confiança e Itabaiana juntas. Só o eleitor não sabia, essa figura improvável que os marketeiros chamam, quando estão entre eles e suas cachaças, de homem cabeça-de-repolho. Estes, honestos de propósitos, esperançosos de que a antipolítica seja melhor do que a velha política, só quebram a cara. Acho que a ficha deles, dos eleitores, caiu ainda na comemoração da vitória, quando a prefeita deixou o microfone de seu palanque ser tomado por um daqueles dois inomináveis itabaianenses que há décadas corroem da pior forma a já corroída política sergipana. O ex-governador Déda sofreu o diabo na mão desses irmãos. Há quem diga, inclusive, que sua doença se agravou e abreviou muito sua vida graças aos dissabores vividos no processo de aprovação do Proinvest, um programa de obras que só passou pela Assembleia Legislativa local após a autorização desses poderosos homens das sombras. Quando a eleita apareceu feliz e risonha na festa da vitória, mas já ali coadjuvando um espetáculo conduzido pelo presidente-dono do seu partido, o eleitor, mesmo o mais ingênuo, jogou fora suas esperanças de que alguma coisa pudesse melhorar. E aí começou o cortejo de infortúnios. O sistema de transporte, historicamente tido como péssimo, conseguiu piorar mais. A coleta de lixo, idem, com uma empresa que foram buscar sabe-se onde, sem estrutura, expertise e capacidade técnica. A cidade virou um lixão desde 1º de janeiro, mas o pior da crise sempre será o dia de amanhã, que consegue ser mais caótico do que o de hoje. Como se não bastasse o péssimo desempenho, amador e despreparado, nós, os contribuintes, tivemos de assistir a uma briga de egos entre a dona da cadeira de prefeita e seu ególatra vice, um sujeito que toda vez que olha para o mundo só consegue enxergar a própria imagem. Daí, arranjaram um bode: é a comunicação, culpado de todas as desgraças. Logo providenciaram uma falastrona para ser o cavalo-de-troia na execução da “política de comunicação” do secretário. Depois redobraram a aposta na criação de um porta-voz estilo anos 50, a cafonice mais apropriada à gestão mais cafona de todos os tempos. O porta-voz até modulou o tom para supor vagamente que os vereadores não deveriam, por assim dizer, botar a faca no pescoço da prefeita. Mas foi o bastante para ouvir grunhidos de pitbulls, tal a veemência dos ataques desferidos à sua possível incontinência verbal. Ele latiu manso como um pequinês, mas não importava: os torpedos tinham o endereço do gabinete da prefeita. O velho Ulisses Guimarães dizia que política é namoro de homem, metáfora que a gente precisa adaptar quando se trata de mulheres. A prefeita não entendeu isso ainda. Parece que está numa gincana do seu grupo escolar em Lagarto, insultando adversários e jogando para a plateia. Nisso ela é mesmo uma outsider: nunca gostou da política e odeia a categoria, embora se beneficie e aposte nessa negação como jogo pra torcida, meio de vida para ganhar eleições como a que ganhou, se vendendo ao eleitor pelo que não é. Enquanto pula de uma crise a outra, vai surfando em questões morais ainda piores do que os governos que combateu. Agora mesmo, mal a rusga com a Câmara começou a contagem de mortos, feridos e debandados, surge o estranho aluguel de um carro blindado, ao indecoroso custo de 312 mil reais por ano para o contribuinte. Mas quem, afinal, estaria propenso a disparar tiros ou rajadas contra uma prefeita eleita incontestavelmente e ainda querida de grande parte da população? O problema desse tipo de medida é que ela é sugerida por quem conhece os fornecedores do serviço, gente da mesma área, colegas de patota. Esse é, pelo menos, o grande imbróglio da prefeita no dia de hoje. Mas amanhã… bem, amanhã será outro dia — e nunca é tarde para as armações ilimitadas dessa gestão, tão farta em promover novas emoções.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
29 29America/Fortaleza maio 29America/Fortaleza 2025Compartilhe:     Por Luciano Correia (*)   Unimed me mandou uma cartinha. Pensei que era pro meu filho pequeno, usuário desta conceituada empresa em todo o Brasil, não tão conceituada em terras de Serigy. A cartinha dele, aliás, nunca teve utilidade, afinal, a conta só chega quatro ou cinco dias depois de esgotado o prazo de pagamento. É evidente que desde cedo desisti do boleto por correios e quito a mensalidade on line. Mas esta era endereçada a este locutor que vos fala. De modo que abri entre conjecturas pueris: teria por acaso esta missiva o fito de me cumprimentar pelo meu aniversário? Na verdade, essa data é em abril, mas em se tratando de Unimed, ela não mede pontualidade na hora de levar o abraço de aniversário aos seus associados. Ainda especulando sobre o possível teor da singela cartinha, pensei com meus desconfiados botões: já sei, reduziram a mensalidade e aumentaram o leque de hospitais para nos atender naquelas horas difíceis que todo mundo passa enquanto nasce, cresce e morre. Infelizmente também não era isso. E antes que cansem vossas paciências com outras divagações, vamos logo ao ponto: a mensagem era tão somente uma certificação de pagamento em dia, atestado insofismável para quem, alegando em falso, poderia supor minha condição de velhaco. Achei genial, em se tratando de Unimed. Só faltou algum reconhecimento pelo cumprimento de uma obrigação. Não precisavam palavras vãs, salamaleques formais, nem beijinho, nada disso. Um simples: “Parabéns por ser um bom pagador” já aliviava a ânsia deste velho coração tão carente de gentilezas. Civilizada por carta, a Unimed deve muito na vida real. Recentemente, cortou dos usuários locais o atendimento aos dois melhores hospitais de Aracaju, São Lucas e Primavera. Se alguém de fora de Sergipe ouvir más histórias sobre a Unimed, vão ficar sem entender, afinal, a empresa é excelente prestadora do serviço no país inteiro. Vivi cinco anos no Rio Grande do Sul e sou testemunha disso. Tenho muitos outros depoimentos semelhantes. Colegas da UFS que fizeram doutorado em Minas e experimentaram um atendimento de primeira em BH. Idem para São Paulo, enfim, para o Brasil que vai dando certo. Sergipe, a exemplo do nosso futebol rumo a todos os rebaixamentos, acompanha a sina da irrelevância também no atendimento à saúde. E quem busca saída na Unimed local, saída muito cara, por sinal, vai se habituando a um serviço de quarta divisão. Do jeito que as outras coisas nesse estado estão indo, só falta a Unimed gritar a plenos pulmões: “Euuuu, sou sergipanaaaa, com muito orgulhoooo, e com eficiência nenhuma…”   Compartilhe: [...] Saiba mais...
22 22America/Fortaleza maio 22America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   ais de cinco mil prefeitos se reúnem em Brasília para um convescote disfarçado de Marcha dos Prefeitos. É uma churrascada com uísque dos melhores barris pagos com meu, seu e nosso dinheiro. Nos bastidores da imprensa na corte brasiliense se diz abertamente que nesses períodos o preço da carne alugada, o serviço oferecido pela mais antiga profissão do mundo, sofre uma disparada inflacionária. A jecada berra grosso: em reunião com Lula, ainda lascaram uma estrepitosa vaia no presidente da República. Longe o tempo em que se respeitava autoridades. Sou de uma época em que a gente se levantava quando o professor entrava na sala de aula. O presidente da nação, fosse quem fosse, seria sempre “O Presidente”. Mesmo opositores profissionais instalados em Brasília ou nos estados, se dirigiam à autoridade máxima do país com algum respeito. Agora, até os comedores de putas ousam desancá-lo em rede nacional, on line. De todo modo, essa conta é troco, perto da farra das emendas resultada da transformação do regime político do país em parlamentarismo orçamentário, essa excrescência aprovada por um Congresso de costas para o povo. O pior é que os recursos não saem de governo nenhum, senão do nosso bolso, afinal, pagamos a maior carga tributária do mundo, para sustentar o campeão mundial da corrupção. Nisso de pagar impostos também somos campeões, mas só nós, o povo. Num levantamento de 2023, do Banco Mundial, fomos disparadamente o país que mais trabalhou para pagar impostos, num total de 2.600 horas no ano. Isso é mais que o dobro do segundo colocado, a Bolívia, com 1.080 horas trabalhadas. No sentido contrário, as Maldivas são o país com menor carga tributária: nenhuma hora de trabalho realizada para pagar impostos. Os Emirados Árabes vêm a seguir, com 12 horas e a Suíça é o oitavo, com 63 horas. Dá para entender, afinal, nenhum desses países sustentam o Congresso mais caro do mundo ou o Judiciário mais caro do planeta. Após as vaias ao presidente, um dos jornalões do mercado avisou: “Acende o alerta do governo”, num misto de torcida e euforia, como bem sabemos quando tentamos olhar os jornais por dentro de suas vestes. São pequenos adendos ao cortejo de desgraças que, de fato, existem, somadas às que poderiam ser evitadas. No primeiro caso, a explosão da roubalheira do INSS, concebido, administrado e captado no governo Bolsonaro, um sujeito em cuja biografia a pecha de ladrão funciona como uma gota no oceano. O problema é que o atual governo já manda no INSS há dois anos e meio, portanto só agora, após denúncias, resolveu tomar providências, sendo que a primeira delas foi a mobilização de sua milícia digital para apontar o dedo para Bolsonaro. Para piorar o que já não vem bem, a primeira dama, em viagem à China, se mete numa conversa entre dois chefes de estado, um deles o gestor da maior economia do mundo, para reclamar do Tiktok. Numa hora em que o silêncio valia ouro, o presidente defendeu-a publicamente, aconselhado sabe-se lá por qual tipo de marketing político. Em vez de tratar da estabilidade do próprio lar em praça pública, Lula deveria era explicar como alguém sem cargo no governo o acompanha numa caravana oficial em viagem de trabalho. Querem mais desgraça? Pois a primeira dama confirmou tudo o que foi noticiado, disse que faria de novo, ironizou, gargalhou e botou o velho fantasma da misoginia no bolo. Essas são as opções que teremos em 2026. Nessas horas sempre lembro da canção de Chico Buarque, Acorda Amor, na qual o personagem, com medo da visita da polícia na porta de casa em plena madrugada, recorre à única alternativa que restava naquela agonia: “Chame o ladrão, chame o ladrão”, cantava o grande Chico.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
8 08America/Fortaleza maio 08America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   esde que retomei escrever semanalmente no portal Só Sergipe, tenho assuntos acumulados para tratar nas próximas colunas. Alguns até ficando um pouco desatualizados, face ao frenesi que tem movimentado o obituário nas últimas semanas. Crônicas mundanas, filmes vistos e corrupção de antes e de agora ganham, pois, uma refrescante trégua, porque calhou de nos últimos meses uma lista de pessoas raras e fundamentais se despedirem desse mundo cada dia mais sem graça. Essa semana Sergipe perdeu Raymundo Luiz, uma espécie de Papa da comunicação local, onde fez tudo e o fez com talento, arte e ética. Raymundo se confunde com a própria história do rádio sergipano, onde fez escola, dirigiu profissionais e programas, lançou ideias e colheu o reconhecimento de ter feito do rádio um instrumento da educação, da cultura e da informação. Onde pôs a mão, trabalhou com seriedade e elegância, um gentleman que jamais vi levantar a voz ou perder a paciência. Conheci Raymundo ainda rapazinho, quando publicava em Itabaiana, no colégio Murilo Braga, um jornal com tiragem de 1.200 exemplares. Foi como fundador, editor e dono do Cebolão que, juntamente com meu colega Blanar Roberto, também fundador, editor e dono, que viemos conhecer os estúdios da velha Rádio Jornal AM na Rua da Frente, ao lado do Diário de Aracaju, jornal dos Diários Associados de Assis Chateaubriand. Eram cerca de 10 da manhã e eu encontrei Raymundo, diretor da rádio, sozinho na redação, à frente de uma máquina, redigindo para os noticiários e programas da emissora. Raymundo é de uma época em que o rádio usava um negócio chamado roteiro. Mesmo quando predominava o improviso, ele estava dentro de um roteiro pré-estabelecido. Nada era por acaso, nem havia esse rádio feito da vaidade e dos intere$$e$ econômicos de proprietários e apresentadores de programas. Muitos anos depois de minha aventura no Cebolão, quando eu já havia trocado o curso de Engenharia na UFS para fazer Jornalismo na UFBa, voltei a encontrá-lo no comecinho da fundação da Rádio e Televisão Aperipê, a RTA reconfigurada pelo então governador João Alves, que fez da velha Difusora AM, estatal, uma rede educativa com TV e rádios AM e FM. Recém-chegado de volta a Sergipe, fui a Raymundo pedir emprego na TV. Ele disse que já tinha o quadro completo, que lá não precisava de gente, mas que a Secom do Estado, que ele dirigia, precisava de um jornalista com conhecimento político. Indicou uma máquina de escrever e pediu um editorial sobre a formação da Aliança Democrática em Sergipe. Tratava-se da composição nacional envolvendo PDS e Frente Liberal (PFL) para pôr fim ao regime militar e eleger Tancredo Neves presidente. Em Sergipe, a aliança envolvia a dissidência do PDS de Augusto Franco, comandada por João, e o líder das oposições no estado, Jackson Barreto. Sentei na máquina e em uns 10 minutos puxei o papel e entreguei a Raymundo o editorial que seria o passaporte para meu primeiro emprego, no governo de Sergipe. Raymundo leu, gostou e disse: “Tá contratado, você vai trabalhar comigo junto à Secom e produzir esses textos políticos”. Eu, tão imaturo quanto burro, bati o pé: “Mas eu queria na TV, Raimundo”. E segui desempregado. Sim, no dia seguinte, entre aborrecido/envaidecido, vejo meu editorial publicado na página de opinião do principal jornal do estado, o Jornal de Sergipe de Nazário Pimentel: “A Aliança Democrática em Sergipe”. Esse episódio jamais turvou minha admiração e respeito por Raymundo, uma das poucas pessoas a quem atribuo o adjetivo de fidalgo. Raymundo era um doce de pessoa, mesmo vivendo a vida inteira no ninho pantanoso da política, com gente traiçoeira, arapucas e falsidades. Foi um homem autêntico e que viveu a vida numa plenitude que podemos dizer: foi um homem rico. Invejava o carinho imenso que devotava à sua esposa Lurdinha quando ela já idosa e doente exigia cuidados. Seguramente, além de todos os cuidados que recebia, sua amada mulher ganhava diariamente um bálsamo ungido de um amor raro, profundo, a melhor de todas as provas de amor que alguém poderia dar. E ele, embora já bem idoso, passeava pelas redes sociais com a alegria de um menino brincando, exibindo orgulhosamente em textos e fotos sua grande paixão por Lurdinha. Era comovente. Raymundo Luiz da Silva foi o profissional impecável, competente e cheio de realizações que outros tantos colegas registraram essa semana. Como homem foi ainda maior, da relação com os amigos à devoção à família, como mostra a maneira como tratou a esposa, na juventude e na velhice, na saúde e na doença. Mas tem outro dado da vida pessoal de Raymundo que talvez explique o ser humano especial que foi: sua paixão pelos curiós. Criou dezenas, tudo conforme a legislação, fazendo do canto desses bichinhos uma das trilhas musicais de sua vida. Desportista, comentarista esportivo dos melhores, também bateu uma bola na juventude, vestindo a camisa, nos anos de 1950, da minha querida e sofrida Associação Olímpica de Itabaiana, o Tremendão da Serra, campeão sergipano por onze vezes. Voa, Raymundo, meu velho e querido amigo, na trilha de seus amigos/amados curiós. Compartilhe: [...] Saiba mais...
1 01America/Fortaleza maio 01America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   final, a história de que a seleção brasileira de futebol passaria a entrar em campo vestindo camisas vermelhas era ou não era uma fantasia inventada pelos profissionais da desconstrução da realidade, fazedores de fake news? Agora, com a honesta CBF se pronunciando, 48 horas após o boato, já podemos dizer que a possibilidade de termos um escrete vermelhinho virou pó. Sim, a CBF tem um lá um mal-assombrado que ganha uma fortuna no melhor emprego do mundo e não faz uma obrigação mínima, uma simples declaração, depois de dois dias do circo pegando fogo. O circo pegando fogo. Sim, num país onde o debate de ideias sumiu inclusive e principalmente no campo da esquerda, o que outrora chamávamos de opinião pública passou a se exercitar, pra não perder o ritmo, em temas como este do uniforme escarlate. Mas se é nesse mundo que vivemos, distópico e intoxicado, é dentro dele que teremos que tecer nossas conjecturas. Senão aqui, onde então, se não há outro mundo, como cantavam os Novos Baianos. O fato da CBF ter negado peremptoriamente que essa ideia não prospera, não significa necessariamente que se tratava de notícia falsa. Dentre os analistas experts que desde a terça-feira se revezam em profundas análises sobre o tema, alguns diziam que, a ser verdade, era, de fato, “um grande golpe de marketing”. Hummmm. Vamos lá. Se na essência desse golpe genial de marketing estava uma negação veemente à vulgarização que a horda bolsonarista impôs ao fardamento da seleção nacional, não custa perguntar se no rol fabuloso e diverso do arco íris não existiriam outras cores capazes de marcar posição contra a vilipendiada camisa amarela. Isto considerando que os tais gênios do marketing nem lembraram que o segundo fardamento é o azul há décadas, tão ou mais lindo que o amarelo, além de tudo porque, afinal, azul é a cor do mar. Já que ignoraram o belo azul, caberia experimentar o branco e o verde, ambos presentes numa coisa chamada bandeira brasileira. Ou a bandeira também se encontra cancelada no mesmo pacote que condenou a amarelinha ao degredo? Mas, se ainda assim não quisessem nenhuma cor deste símbolo também usado à exaustão pela escória golpista, restariam outras opções na paleta de cores ofertada pelo deus das cores. Um marrom, que tal? Rosa choque, para agradar os novos donos da esquerda brasileira, tão longe de Marx e Lênin, tão perto do frisson das redes. Ou cores que ninguém mais fala, como bonina. O problema com o vermelho era evidente. Votei no vermelho tantas vezes antes. Deixei de votar em algumas eleições por candidatos que considerava melhores. Todos de esquerda. Esquerda sem festa, sem caviar nem verbas de emendas. Mas nos dois últimos pleitos tive de voltar aos vermelhos, face ao fascismo que apontava no horizonte com Bolsonaro destampando a tampa de um inferno que sempre esteve ali, só que envergonhado. Mas é triste ver um país tão rico e diverso, tão criativo e dinâmico, reduzir-se a duas versões maniqueístas do bem e do mal, sendo que os dois sabem e se nutrem disso. Se retroalimentam em causa própria. Se o outro não existisse, urgia inventá-lo. Num contexto desses, pensar numa camisa vermelha é acender o palheiro, criar uma falsa polêmica que, ao final, não serve pra nada, afinal qual a importância dessa seleção de cabeças-de-bagre, comandada pelos piores treinadores do futebol mundial e dirigida por uma das entidades mais corruptas desse país gigante em corrupção? Gol que é bom, pimba na gorduchinha, nada. Que ninguém esqueça: se a seleção é a pátria de chuteiras, somos o país do 7 x 1, uma humilhação que nunca vai passar. E depois dessa vergonha, em vez de tomarmos a própria (vergonha), só fizemos piorar. Botar a seleção de vermelho, no contexto em que pensaram, seria ideologizar uma das poucas paixões que ainda são consenso neste país. Ou, para usar o termo correto para os atuais senhores do poder, aparelhar o nosso futebol, como fizeram e fazem com tudo que põem a mão. Mas mais do que isso, seria uma estrondosa burrice. Não sei de qual cabeça saiu esse pensamento tresloucado. A comunicação do governo, como numa peleja de futebol, sofreu substituição: saiu Paulo Pimenta e entrou Sidônio Palmeira. Conheço Sidônio dos tempos de movimento estudantil na UFBa. Ele era presidente do DCE e depois da UEE baiana. Rapaz inteligente, loquaz. Como marketeiro das campanhas de Lula e de muitas outras, repete a performance competente. Nos comerciais de TV ou nas notícias do Google já se sente a presença do seu trabalho, uma mudança positiva. Mas a “sacada marketing”, se passou por ele ou sua gente, foi uma bola fora sem qualquer eficácia, ou, pelo contrário, um tiro no pé, ônus sem bônus. Todavia… todavia havia alguém fashion no caminho. E pensou que a militância ficaria tesudinha numa camiseta vermelha. Mas democracia não é isso? Nas arquibancadas a galera pode viajar por todo o arco íris, afinal, se até o Tremendão da Serra tem um fardamento preto (e, pior: faz sucesso!), por que não torcer pelo Brasil com uma vermelhinha insinuante? Mas gol que é bom…   Compartilhe: [...] Saiba mais...
24 24America/Fortaleza abril 24America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   erdemos Ivan Valença, o bruxo, como gostava de chamá-lo o poeta Amaral Cavalcante. Leva consigo parte importante da história do jornalismo em Sergipe. Jornalista desde os 14 anos, mais adiante se arriscou num projeto grandioso: a fundação do Jornal da Cidade, em sociedade com Nazário Pimentel. Sua maior passagem, no entanto, foi pela Gazeta de Sergipe, a brava Gazeta Socialista de Orlando Dantas, onde foi editor e lapidou para o mercado profissionais como Ancelmo Góis. Até hoje Ancelmo tem Ivan como um guru, um pai profissional a quem devota admiração, carinho e respeito. Conheci Ivan nesse período da Gazeta, mas foi na empresa que ele montou no início dos anos 80 que passei a ter uma convivência mais próxima, de colegas e amigos que nos tornamos. Além do extraordinário jornalista, também era um inovador, um cara que trouxe novidades para a provinciana Aracaju em vários momentos. A empresa a que me refiro era onde se fazia a composição e diagramação de dezenas de jornais que pipocaram naquela quadra da redemocratização do país, com muitos títulos alternativos dirigidos a públicos específicos, segmentados ou não. Foi o serviço oferecido por ele que livrou jornais e jornalistas do árduo trabalho de composição e diagramação. O semanário Folha da Praia, que fez história na imprensa alternativa de Sergipe, foi um desses veículos beneficiados com essa visão de modernidade trazida por Ivan Valença. Comecei na Folha em 1981, ainda estudante de jornalismo na UFBa, quando o feitio do jornal era, literalmente, um trabalho artesanal. Isso fazia da redação uma festa de gente estranha e esquisita, malucos de todos os tipos que escreviam ou iam lá para fumar unzinho e trocar uma prosa com Amaral. Eu vinha para Aracaju nos feriados mais longos e ia complementar minha formação naquela universidade brutal e criativa da redação da Folha, com mestres como Fernando Sávio, Ilma Fontes, Henrique Barbudos, Odil Teles, Marcos Cardoso, Carlos Magno, Roninho, César de Oliveira, Iara Vieira, Zenóbio Melo e outros tantos, sob a batuta do genial Amaral Cavalcante. Quando Ivan chegou no mercado com sua inovação maravilhosa, um pouco desse furdúncio da redação perdeu o ritmo, mas compensou com a nova convivência com o bruxo na rua Sete de Setembro, ali perto da Rodoviária Velha. Ivan era também um fã da Folha da Praia e dos seus principais articulistas. Crítico de cinema sem igual no estado, Valença esteve algumas vezes em Cannes e outros festivais de cinema importantes. Além de conhecer muito o assunto, abriu em Aracaju uma das primeiras locadoras de vídeo, ainda em VHS e depois em DVD. Quando o videocassete estava chegando por aqui, aí por 84 ou 85, ele me ligou dizendo da novidade e que tinha feito a encomenda de alguns aparelhos. Escolhera alguns poucos amigos em Aracaju para participar dessa compra e me incluiu entre os eleitos. Foi assim que passei a ser proprietário de um belíssimo videocassete Philco-Hitachi com controle remoto por fio (Sic!) e que ainda trazia de cortesia a ocorrência de pequenos choques elétricos quando ia ligá-lo. Com sua visão antecipada das coisas, estava também criando clientela para o futuro negócio da videolocadora. Cansei de passar lá em finais de tarde para pegar dois ou três títulos. Se nessas ocasiões eu topasse com ele no balcão, era conversa pra mais de uma hora, de cinema, jornalismo, política e coisas assim. No final da vida, talvez cansado de um país que definitivamente não deu certo, virou-se para posições liberais e de direita. Mas sempre fiel a seu pensamento lúcido e o combate civilizado. Foi o suficiente para ser cancelado em todas as esferas. Foi atacado sem piedade e sem considerar sua história e relevância na vida política e cultural de Sergipe.  Depois de perder sua fiel companheira Ana há alguns anos, figura de personalidade forte e inteligente, foi-se deixando abater pelas doenças e perdendo o gosto pela batalha da vida. No silêncio melancólico de uma casa de repouso, triste, pensativo e solitário, deu adeus a esse mundo que não o interessava mais. Estupendo jornalista Ivan Valença!   Compartilhe: [...] Saiba mais...
27 27America/Fortaleza janeiro 27America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   ão fosse pelo belo João, este rapaz de dois anos que irresponsavelmente coloquei neste mundo virado pelo avesso, eu até torcia para o circo pegar fogo, comigo e a canalhada dentro. Mas meu inocente bebê não merece o apocalipse que se avizinha, de modo que, mesmo irracionalmente, aposto em vivermos sossegados do lado de baixo do Equador. Trump derramou um juízo final em decretos presidenciais na mesma madrugada em que tomou posse. Enquanto dançava valsa com aquela mulé esquisita e seu estranho chapéu, soltava jorradas de decretos-bombas, dando início finalmente ao fim do mundo. O “programa” de Trump é um cavalo de pau tão doido que a gente às vezes pensa que não é um filme de comédia pastelão. Ao mesmo tempo, o personagem é tão sem noção que, vá lá, talvez tenha coragem de explodir o mundo com ele dentro. É diferente dos populistas de esquerda, que prometem mundos e fundos e não entregam nada. Aqui, até agora, Lula isentou de impostos os assalariados de até cinco mil, mas travou o Benefício de Prestação Continuada com o argumento cínico de que havia gente fraudando o sistema, enquanto os parasitas da Faria Lima levam 52 por cento do orçamento da nação para girar a ciranda do mercado financeiro. E pela primeira vez na história colocou teto no salário-mínimo. Até então conhecíamos o salário-mínimo, que já era um piso minimante necessário à sobrevivência, embora sem dignidade. Agora inventaram o teto. Hoje o Brasil tem o segundo pior mínimo da América Latina. Só perde para a Guatemala. Já Donald Trump é um político que em algumas situações fala a verdade. Se ele promete inferno, podem esperar labaredas, choro e ranger de dentes. A ver pelas primeiras medidas, todas tão impactantes que levam insegurança ao próprio país dele. A ameaça de tomar o canal do Panamá, anexar o Canadá e Groenlândia e mudar o nome do Golfo do México são tão estapafúrdias que só aumentam a desconfiança de cientistas americanos de que o novo presidente está em pleno processo de demência. De todo modo, vamos aguardar os próximos capítulos. Alguém que promete restaurar a grandeza de um país em ruínas, com a moeda ameaçada e milhões morando nas ruas só pode estar delirando. Talvez o que estejamos assistindo mesmo seja a derrocada final de um império. Mas o melhor da festa foi a crônica social. Os deputados brasileiros, igual aos juízes, os mais bem pagos do mundo, com diárias em dólares e hotéis de luxo, dando com a cara na porta da posse. Eduardo Bolsonaro e sua fogosa madrasta não conseguiu convites nem para a série J do cerimonial. Assistiram a tudo de um telão num ginásio a alguns quilômetros do banquete oficial, num frio de renguear cusco, como se diz no meu Rio Grande. Na noite anterior participaram de um regabofe da direita americana, mas, a contragosto de milicianos de sua estirpe, tiveram que bancar a conta do farnel. Além dele, seu pupilo mais “refinado”, o também ultradireitista Tarcísio de Freitas saudava, boné de Trump na cabeça, “a vitória do conservadorismo, do patriotismo, da prosperidade, da liberdade”. Como alguém que afirma querer melhorar o Brasil, como Bolsonaro ou Tarcísio, dois seguidores fiéis de Donald Trump, podem torcer por alguém que pensa isso do nosso país, um louco com poder, dinheiro e armas nas mãos que promete sobretaxar produtos brasileiros e nos impor sanções? Lembrando a clássica frase do então embaixador brasileiro Juracy Magalhães em Washington nos anos 60, nem tudo que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Deveremos ir mais longe: quando é bom para os EUA, seguramente é péssimo para o Brasil. Só quero ver os deputados da bancada do agronegócio sair dessa esparrela.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
18 18America/Fortaleza janeiro 18America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   A República tremeu por causa de um Pix. Nossa combalida res-pública, que começou com um golpe militar perpetrado contra o Imperador D. Pedro II, nunca foi lá uma instituição que merecesse, ao menos, ser citada em maiúscula. Sempre esteve mais para república de estudante: bagunçada, instável e insegura, barulhenta e anárquica. Mas sem a formidável alegria que impregna o ar das inocentes repúblicas estudantis. A nossa, a Grande República brasileira, pouquíssima republicana, é impura de corpo e alma, palco das iniquidades, traições, roubalheiras e covardias. Está mais para uma república de bananas. Por um post mal-feito, um Pix pagou a conta. E a turba doentinha que milita na direita nacional fez cavalo de batalha de sua jornada sem causas nem ideias. Para essa gente estúpida, um Pix basta para fazer dele uma limonada, capturá-lo, chacoalhá-lo e esparramá-lo em muitas versões fictícias, a matéria-prima de sua plataforma eleitoral. Não havia nada de novo, mas a reafirmação de decisões anteriores normatizando algumas operações financeiras, medidas corriqueiras que visam muito mais a proteção da economia e do bem comum do que mover o radar da Receita Federal à cata de novos tributos. Mais tributação é o que não poderia ser mesmo. A classe média, a média baixa e os pobres – sim, eles também – já estão demasiadamente esfolados para sofrerem novas mordidas do leão, num país que dispensa impostos de ricos, justamente dessa canalhada que produziu os fake news. Eles e seus puxa saquinhos. Foi deprimente ver gente tão pobre quanto os que habitam o lado de cá da linha divisória levar adiante a escrotidão em forma de mensagens, como a do deputadozinho mineiro Níkolas Ferreira. Num dos raros grupos de que “participo”, vi uma figura abjeta que um dia foi meu aluno brandir um vídeo absolutamente mentiroso e ainda expressar um deprimente sarcasmo sobre quem ousou questionar o embuste. No grupo, constatei depois, pululam petistas estrelados, digo, aboletados em gordos CCs da viúva federal, mesmo que vivam uma vida parasitária, igualzinha à da elite que denunciam. Os boavidas não servem nem pra defender um governo que eu, que não sou petista nem governista, defendo por dever de cidadania. Estamos perdidos e, por hora, não há luz no fim do túnel. O mais constrangedor é saber que toda essa balbúrdia começou após um erro grosseiro de comunicação, uma publicação extemporânea, publicada sem contextualização ou sem o que o pessoal do marketing chama de administração de crise. Foi pífio, ainda mais no momento em que o governo trocava a guarda de sua política de comunicação.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
9 09America/Fortaleza janeiro 09America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   ano de 2025 começou com novas administrações municipais em todo o país, inclusive naqueles em que os titulares foram reeleitos. Como disse o prefeito do Rio – e acredite quem quiser – a gestão que começa agora não tem nada a ver com a que se extinguiu em 2024. Mas não estamos aqui para inferir as falas do prefeito carioca, um globetroter que conseguiu a proeza de ser apoiado pelo PT e pela extrema direita, com pitadas de milicianos pra temperar a democracia da cidade maravilhosa. Cuidemos da vida, afinal. Melhor: cuidemos de nossas cidades, que é onde ficam nossos quintais, a escola dos nossos filhos e as calçadas pouco famosas onde as pessoas padecem e se acidentam por irresponsabilidade do poder público. Do ponto de vista político, as eleições municipais foram uma tragédia para as esquerdas, com a maior vitória da direita e extrema direita de toda a história. É lamentável, porque na quadra histórica em que nos encontramos, uma vitória tão insofismável pode influenciar diretamente o pleito de 2026, onde nossa bruxuleante democracia será novamente posta à prova, com grande risco de retornarmos ao patamar de 2018. Mas antes de chorarmos espaços e conquistas perdidas, temos de olhar para dentro e fazermos um mergulho em nossas práticas e ideias, testá-las sob a luz do sol para saber se resistem ao debate público. Quais as razões dos fracassos eleitorais? Candidatos ruins, descolamento da realidade? Culpa do povo? A terceira opção é a menos provável para explicar os insucessos, até porque não dá para trocar de povo. Talvez de ideias, pessoas, práticas etc. Ideologizar as explicações com análises simplistas também resolve. Quem sabe, talvez, pensar em gestão. Será que o povo é tão burro, ou haverá lógica nas suas escolhas? Um exemplo: ex-morador por cinco anos do Rio Grande do Sul, em São Leopoldo, ali nas franjas de Porto Alegre, torci pela vitória de Maria do Rosário na capital gaúcha. Ela foi subindo na reta final do primeiro turno e dava a impressão que vinha crescendo, o suficiente para derrotar o ultrabolsonarista Sebastião Melo no segundo turno. Ainda mais depois da incompetência e descaso revelados durante as enchentes que motivaram a pior tragédia da cidade em décadas. Mas os portoalegrenses disseram um retumbante SIM à sua gestão e o reelegeram para mais quatro anos. Sabe-se lá a explicação para uma coisa dessas. O certo mesmo é que as eleições, diferente do que dizem bolsonaristas dos quatro quadrantes, não foram roubadas. Aqui em Sergipe temos um caso emblemático. Com máquinas nas mãos, uma deputada na Assembleia e dinheiro farto em caixa, a gestão de Nossa Senhora do Socorro, segundo maior colégio eleitoral do estado, foi veementemente rejeitada nas urnas, juntamente com sua candidata. Pode parecer surpresa, mas se análises rigorosas e honestas fossem coisas correntes nos grupos de jornalistas e comunicadores locais, tal derrota teria sido cantada de véspera. E nem daria muito trabalho, indo atrás de fatos, declarações do ex-prefeito e dos seus opositores. A maioria das conclusões poderiam ser tiradas de uma entrevista do prefeito eleito, Samuel Carvalho, à TV Sergipe. O diagnóstico apresentado pelo novo prefeito é de destruição dos serviços públicos de uma cidade, a começar pela Saúde, onde uma pessoa tinha que esperar quatro ou cinco meses – ou mais, conforme o caso – para uma simples consulta médica. Depois, a via sacra dos exames. De todo quadro dantesco encontrado na bela e acolhedora Socorro, o mais grave, conforme o atual gestor, foi o da Educação, onde, dentre outras coisas, se gastava uma fábula por ano com os carros que atendiam o gabinete da então secretária. Eram carros para a titular, chefe de gabinete, secretárias e amigos da secretária que residem em Aracaju. Enquanto isso, os índices de escolaridade e alfabetização chafurdam em números vergonhosos, mesmo que secretários e assessores desfilassem semanalmente por Brasília e até São Paulo e Rio de Janeiro em busca de recursos. A questão dos carros talvez seja a contribuição mais concreta que a Educação dava à conta de dois milhões de reais gastos pela prefeitura só com carros para a elite privilegiada dos seus secretários e aspones. Ex-servidores da prefeitura de Socorro demitidos nas gestões do ex-prefeito, ex-padre, acreditem, não recebiam as devidas indenizações. Parece mentira, em se tratando da administração pública no século 21, com órgãos fiscalizadores devidamente instalados e até um Ministério Público específico do trabalho. Com tudo isso, eles ignoraram solenemente as instâncias controladoras e seguiram sem pagar direitos até o último dia de mandato. Questionada certa vez sobre o desrespeito flagrante à lei, a secretária das muitas viagens e pouco resultados esquivou-se com uma pérola de cinismo: “Isso não é comigo, é lá com o gabinete do prefeito”. O exemplo de Socorro pode ser estendido para dezenas de outros municípios sergipanos, mas fiquemos com este, que se situa nas bordas de nossa capital. Colocar o ingrediente político numa análise que procure explicar o resultado eleitoral no município, portanto, não ajuda numa avaliação que se pretenda isenta e correta. Em vez disso, melhor do que qualquer pesquisa encomendada, é bater na porta de um morador, de preferência da gente simples que habita Socorro, e perguntar: você gostou da administração passada? A resposta, não precisa repetir aqui, está nos boletins de apuração da eleição no município.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
2 02America/Fortaleza janeiro 02America/Fortaleza 2025Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   edição de 31 de dezembro da Folha de S. Paulo traz uma matéria sobre o que o jornal aponta como “fim da lua de mel” entre o governo e o setor cultural, aludindo a uma imagem de “fim de festa”. A reportagem parte de uma carta publicada pelos realizadores audiovisuais denunciando uma “falta de rumo na política cinematográfica nacional”. As razões para esse diagnóstico resultam da decisão do governo federal, apresentada numa Medida Provisória, de reduzir os recursos previstos para a Lei Aldir Blanc II, de 3 bilhões anuais para metade desse valor. Para entender o caso: a Lei Aldir Blanc previa originalmente o repasse de R$ 15 bilhões para o setor artístico, através de depósitos anuais de R$ 3 bilhões até 2027. O Ministério da Cultura explica o corte pela baixa execução dos recursos dos primeiros repasses, de apenas 208 milhões de reais num total de 3 bilhões. E condiciona futuras liberações à execução do que foi pago até agora. Tem razão o Ministério da Cultura, e olhe que esse é um órgão do governo que quase nunca tem razão em quase tudo. A não aplicação mostra as fragilidades de um setor que muito berra e pouco trabalha, afinal, não há explicação para que os recursos da União sigam dormitando nas gavetas de estados e municípios. Secretarias, fundações e gente para executá-los é o que nunca faltou. Agora mesmo a ministra Margareth Menezes exibiu numa entrevista à EBC os fartos números de uma Conferência Nacional de Cultura, gabando-se de ter levado mais de cinco mil delegados ao convescote oficial em Brasília. Pelo visto, a Conferência não serviu pra nada, nem mesmo pra apaziguar os ânimos dos segmentos que agora brandem uma nota pública denunciando o abandono do cinema e audiovisual. Por outro lado, tal como a política cultural do governo Bolsonaro, que substituiu o Ministério por uma Secretaria, dando o tom da importância que essa área tinha no seu governo, o atual Ministério do governo Lula não mudou muita coisa. Com Bolsonaro foi até mais fácil executar a Aldir Blanc I. Como o presidente e toda sua equipe tinham horror à cultura, só promulgou a Lei porque era imposição do Congresso. No seu notório desprezo pelas artes, repassou os recursos e deixou que estados e municípios se virassem para a execução. Quem tinha expertise com leis federais conseguiu fazer da Aldir Blanc um instrumento de política cultural para a população, a exemplo de nossa gestão na Funcaju, com 100% dos recursos aplicados, um dos seis melhores índices em todo o país. No governo Lula o Congresso também impôs a execução da Paulo Gustavo e das demais edições da Aldir Blanc II, esse assunto de que trata a matéria da Folha. Mas o Ministério da Cultura de Margareth, aparelhado de cabo a rabo pelos identitários, sob inspiração de Janja da Silva, botou inúmeros bodes na sala, como a exigência de implantação de Plano, Conselho e Fundo Municipal de Cultura. Nós mesmos, como ainda não tínhamos plano nem fundo no município de Aracaju, corremos para aprontar um projeto de lei no apagar das luzes do primeiro semestre, com a Câmara prestes a entrar no recesso junino. Corri aos vereadores e pedi a todas as bancadas o apoio para a aprovação do plano. As animosidades entre Câmara e gestão foram momentaneamente esquecidas e as leis foram aprovadas por unanimidade. Qual não foi minha surpresa quando, na noite de 10 de junho, véspera do prazo final para municípios se tornarem aptos a receber os recursos, assistimos à ministra Margareth anunciar em suas redes a dilatação do prazo, implicando num adiamento de todo o cronograma de execução das leis. A decisão, conforme eu advertira junto a dezenas de artistas sergipanos, deveria atrasar o repasse dos recursos, o que de fato ocorreu. O pior de uma canetada dessas, além do pouco respeito aos estados e municípios que se esmeram em fazer o dever de casa, é a péssima mensagem que passa para um setor que busca, antes de tudo, por profissionalizar-se. Nem Bolsonaro chegou a tanto. Mas voltarei a esse tema outras vezes. Isso é só uma introdução sobre o relato de uma experiência governamental na área da cultura. Temos muito que conversar.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
27 27America/Fortaleza dezembro 27America/Fortaleza 2024Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   televisão está perdendo relevância numa velocidade maior do que esperávamos com a ascensão das redes sociais. Uma amostra empírica, mas verdadeira: das novas gerações, poucos veem novelas, por exemplo. Com o jornalismo, matéria-prima elementar desse grande meio que dominou as comunicações do mundo desde os anos 50 do século passado, não é diferente. Até porque a grande maioria consome suas informações sem preocupação ou rigor pelas várias redes, sobretudo o WhatsApp. É evidente que muitos estão comprando gato por lebre, mas é notório também que só a Internet permitiu quebrar a panelinha dos grandes tubarões da mídia mundial. Mas a facilidade de acesso a um tudo de conteúdos culturais e o poder de cada um em criar seu próprio canal torna a TV um personagem do passado, em franco declínio. E, com ela, o espetáculo também perde seu brilho. Um dos últimos grandes astros desse show que jamais poderia parar morreu ontem, aos 80 anos. Ney Latorraca era um gigante dos palcos e das telas, espaços que dominou com maestria e charme, tornando, com seu desaparecimento, a festa ainda mais pobre. E triste. Vi novelas entre a infância e adolescência, no auge da Rede Tupi e depois da Globo. Mesmo assim, via capítulos alternados, com minha audiência disputada por um outro programa muito mais interessante: a vida nas ruas, entre o futebol nos campinhos de areia, banhos em rios e açudes e visita aos pomares alheios. Mas nunca esqueci de Estúpido Cupido, a última telenovela da Globo em preto e branco. Era uma romântica homenagem aos anos 60, do rock’n’roll, do twist e de uma juventude rebelde e sem causa nenhuma além dos namoricos e bailinhos de garagem. Ney interpretava o lambreteiro Mederix, um misto de galã e líder de banda, um latin lover irresistível que fazia par com a bela Françoise Forton. Na trama de Mário Prata, os valores da contracultura e da mudança de comportamento eram o pano de fundo de uma produção que, me permitam os contemporâneos, põe no chinelo essas bobagens que hoje infestam as novelas e, por isso mesmo, deixaram de interessar a uma juventude ocupada com outras coisas. Mederix, o charmoso Mederix de Latorraca, foi um ícone que me acompanhou para sempre. Nunca mais olhei para esse grande da dramaturgia brasileira sem lembrar de seu personagem em Estúpido Cupido. De tal maneira que jamais voltei a ver Ney atuando, salvo em flashes ligeiros. E também nunca mais vi novelas. Minha última foi Dancin’ Days , de Gilberto Braga, quando este ainda não tinha sucumbido ao próprio brilho. Foi vítima desse mal tão comum na TV: ofuscou-se de tanto olhar para o espelho. Ney Latorraca foi embora e levou consigo mais um grosso pedaço do grande espetáculo que fez da televisão brasileira uma indústria cultural rica, poderosa e controversa, mas relevante. Seu desaparecimento mergulha a TV ainda mais numa decadência com a qual seus donos e dirigentes não conseguem lidar. O rádio em Sergipe No mesmo dia de ontem, nos deixou o radialista Dantas Mendes. Poucos dos atuais ouvintes de rádio sabem quem era esse rapaz. O rádio também vive seu ocaso e o rádio sergipano, mergulhado em traficâncias despudoradas com o poder público, ainda mais. Dantas vinha de uma linhagem dos antigos Disc-Jóqueis da faixa AM, âncoras de programas quase que totalmente musicais que dominavam manhãs, tardes e noites. Tinha uma voz grave, sonora e um estilo contido, sempre simpático e gentil com seu público. Já foi importante nas grades de programação como as da Atalaia, Liberdade, Difusora e Jornal, todas AM, todas também sepultadas na memória do que um dia foi o grande rádio sergipano. Atualmente fazia um programa na Aperipê, onde fui seu chefe por quatro anos. Nunca deu trabalho. Pelo contrário. Nos últimos anos também atuava como anunciante ao vivo de promoções em supermercados, forma de complementar a renda de uma profissão lamentavelmente desvalorizada. De vez em quando eu cruzava com ele num desses super e ele, microfone em punho, bradava com sua voz potente: “Olha quem está aqui, Luciano Correia, colega jornalista” e tarará tarará para o supermercado inteiro ouvir. Era um encanto o querido Dantas. Que fique registrado na memória do nosso rádio.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
5 05America/Fortaleza dezembro 05America/Fortaleza 2024Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   e Mosqueiro, modéstia à parte, entendo um pouco. Pra cá me mudei em outubro de 1994, portanto já tenho mais de trinta anos no pedaço. Na verdade, hoje, com as mudanças implantadas pela prefeitura de Aracaju para reordenar a chamada Zona de Expansão, já não moramos num povoado, mas num bairro. De quebra, por algum geolocalizador ou pela força dos búzios, viramos Gameleira. Mosqueiro mesmo está um pouco mais adiante de onde amarro meu burro. Da mesma forma, também posso dizer que conheço um pouco de Areia Branca, Matapuã, São José, Robalo e Aruana. Somos um paraíso com ingredientes de inferno. Vim viver aqui porque, tabaréu do agreste, sempre fui fascinado pelo mar. Arranjei um cantinho a 600 metros das areias que beijam nossa porção de Atlântico, o que para mim é uma riqueza sem igual. Daí me achar no Paraíso. O inferno, como dizia Sartre, são os outros. No caso, a falta de comércio, escolas e posto de saúde, transporte precário, ausência de abastecimento da Deso e desprezo da Energipe, a antiga estatal de energia. Como se sabe, esses bairros que compõem a Zona de Expansão constituem uma península entre rio e mar, ponta que significava também o fim de linha da distribuição de energia. Isto significava um péssimo serviço, cortes e apagões frequentes resultando na queima de eletrodomésticos, prejuízo que invariavelmente sobra para o desgraçado consumidor. Era assim no tempo da Energipe, melhorou 0,01% com a privatizada Energisa. Quem quiser saber o quanto vale a tal cidadania, entre com um recurso na Energisa para ser ressarcido dos prejuízos causados por alguma de suas frequentes quedas de energia. Hoje o Mosqueiro já não é um fim de linha, após a ponte Joel Silveira, que nos ligou a Itaporanga. Mas a qualidade da rede de distribuição de energia continua calamitosa. Não há uma só semana em que os carros da privatizada companhia deixem de fazer reparos aqui e ali, uma espécie de tapa-buracos da corrente elétrica que só nós sabemos. Mas de resto, a civilização foi chegando. Um ou outro mercadinho onde se vende uma cerveja que não fosse Skin, posto de saúde, linhas de ônibus pela Rodovia dos Náufragos e Inácio Barbosa e a festejada estreia da Deso. Se considerarmos nossas praias limpas, as mais limpas do Brasil, e as prainhas do rio Vaza Barris, estamos no paraíso. Nosso inferninho fica por conta da Gisa elétrica, a sucedânea do cabide de empregos da Energipe. A reação à nova investida contra esses cinco bairros, no entanto, motivou um desses raros momentos de mobilização e luta cidadã em favor de uma causa justa e comum. Como em 2013, quando assacaram essa insanidade contra nós, as reações foram desde as civilizadas, como debates na Câmara e Assembleia Legislativa, até as brutas, como fechamentos de rodovias e avenidas para chamar a atenção. E se a voz do povo é mesmo a voz de Deus, os homens que um dia vão bater o martelo final sobre com quem fica esse território disputado, essa Gaza tropical nordestina,  imagino que não vão querer ficar do lado do inferno. Disso já cuidam os cortes de energia elétrica na nossa querida zona, no bom sentido, claro.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
24 24America/Fortaleza outubro 24America/Fortaleza 2024Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   O primeiro turno das eleições em Sergipe movimentou como nunca as redes digitais com os erros e acertos que isto representa. Essa esfera pública digital cada vez mais substitui a antiga esfera, essa também já caracterizada por uma Ágora eletrônica, nas décadas em que rádio e televisão foram absolutamente hegemônicos na condução da sociedade. Do terreno concreto mesmo, só restaram as famigeradas carreatas com seus minidiscursos e a sujeira dos santinhos nas ruas no dia da votação. Todo o resto é disputa nas redes. A mudança de patamar, do analógico para o digital, por si só não representa avanços ou recuos. Nesse aspecto, a Internet é usada para o bem e para o mal. O importante na ascensão das novas mídias é a capacidade de cada um se tornar um emissor, cada cidadão pode ser uma voz, uma TV ou algo ainda mais avançado. Isso rompe com o monopólio da era eletrônica, quando um centro emissor, sem interações ou contrapartidas, gerava conteúdo para milhões. Por outro lado, o mau uso pode representar também a desgraça desse novo espaço público digital, como, aliás, estamos acostumados a ver. O primeiro turno em Sergipe aprofundou a banalização das pesquisas eleitorais, com cada freguês encomendando os resultados que lhe convinha, para fazer barulho com números impressionantes sobre sua pretensa superioridade. Não foi, portanto, uma “guerra das pesquisas”, mas o abuso irresponsável de um recurso legítimo e importante no processo político. Tava mais para uma guerra de fake news. Os tais institutos, pois, junto com seus partidos contratantes, foram os primeiros derrotados. Mas há um derrotado maior na primeira rodada das eleições, e esse nos é muito caro: o jornalismo propriamente dito. Se por um lado as redes permitem que cada ator social produza suas narrativas, essa liberdade não pode abusar dos princípios que definem a produção jornalística, tão simples e objetivas que são. Se fosse assim, que continuássemos dependentes do autoproclamado “jornalismo profissional”, uma pretensão da imprensa corporativa que busca assegurar seu domínio na opinião pública vendendo uma ideia de que os outros não fazem jornalismo, mas narrativas individuais e amadoras. Jornalismo não precisa ser “profissional”, porque esse conceito carrega interesses ideológicos e comerciais camuflados. Tampouco pode ser uma construção de narrativas a serviço de partidos, chefes políticos ou grupos privados cujas mensagens desprezam a realidade e distorcem a interpretação do mundo. Aqui se viu de tudo, anomalias como “jornalista de dados”, cientistas políticos cumprindo a missão de jagunços midiáticos a serviço de neocoronéis de uma esquerda sem discurso, analistas posicionados na folha de pagamento de candidatos se esforçando para provar que suas análises tinham um pingo de honestidade, aí sim, profissional. O resultado dessa patacoada eleitoral foi a desmoralização do sagrado direito à informação, a notícia como serviço público, o que, desgraçadamente, só confere ainda mais irrelevância a uma atividade que tem sido a maior vítima da proliferação dos canais “informativos” da Internet. As causas dessa desgraça contemporânea são muitas, mas não trataremos disso por ora. É até compreensível que, diante desse cenário de pulverização do mercado de trabalho jornalístico, os trabalhadores da área busquem sobreviver no patamar digital se adaptando aos novos formatos. Mas a mudança do ambiente jamais deve prescindir dos princípios éticos, tão básicos e simples, que constituem os protocolos jornalísticos no mundo inteiro. O jornalismo é uma conquista do Iluminismo e graças a ele temos conseguido o equilíbrio mínimo no funcionamento do mundo moderno, fiscalizando as ações dos poderes públicos e dos agentes privados. Fazer comunicação sem observar esses critérios é mais criminoso do que o silêncio das censuras, sejam quais forem os fins e os meios.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
26 26America/Fortaleza setembro 26America/Fortaleza 2024Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   abe aquela cena da queima de livros em praça pública, protagonizada pelos nazistas em 1933? De todas as monstruosidades perpetradas pela Alemanha de Hitler, esta sempre é lembrada. E olhem que foram inúmeras, infinitamente mais bárbaras do que uma fogueira de ideias. Mas a imagem de um governo perseguindo livros e autores é muito forte, daí ela nos acompanhar até hoje, mesmo nesse mundo distópico em que estamos mergulhados e condenados. É o que penso, às vezes, quando lembro de um livro produzido em terras sergipanas, no recente ano de 2010, por um sociólogo/historiador/compositor/antropólogo/poeta/escritor/ensaísta, o baiano Antônio Risério. Trata-se de Uma História do Povo de Sergipe, publicação feita sob encomenda da então Secretaria de Planejamento e Gestão do governo de Sergipe, com o objetivo de trazer para os tempos atuais um compilado das obras dos grandes historiadores sergipanos, dos clássicos aos contemporâneos, preenchendo assim uma lacuna no rarefeito e precário ensino de História de Sergipe. Conforme diz o próprio autor em nota introdutória, o livro não tem a pretensão de buscar documentos novos ou visões inéditas sobre nossa história, mas, a partir da vasta historiografia disponível, promover um diálogo entre autores, oferecer novos contextos e entregar uma obra “para reforçar processos de conhecimento e autoconhecimento”, numa espécie de intervenção político-cultural num tom ensaístico. Cheguei ao livro pelos atalhos que a leitura me propicia a cada dia, cavando um poço e encontrando, além da prometida água fresca, novos tesouros. Antes de chegar ao livro, eu já era iniciado nos textos feicebookianos e nos livros do próprio Risério. Soava esquisita a omissão ou desprezo em relação ao livro no paupérrimo mundo intelectual da taba aracajuana. Da universidade e da maioria dos seus acadêmicos, pior ainda, afinal, como dizia o Barão de Itararé, de onde menos se espera é que não sai nada mesmo. Interessado na temática, e carente de abastecer minha histórica ignorância sobre nossa própria história, comecei uma caça ao livro ainda em 2021. Nas instâncias do governo estadual, ninguém tinha a mais vaga informação. Procurei contato com a gestora encarregada da encomenda ao historiador baiano, sem sucesso. Soube depois que ela vive já há alguns anos fora do Brasil. Voltei minhas buscas entre os moradores de nossa planície, especialmente junto ao ex-marido da mãe da ideia. Novamente, sem sucesso, com direito a um sonoro desprezo. Comecei a ficar intrigado com a incrível corrida de obstáculos para chegar à obra, afinal, se era ignorada pelos acadêmicos burro-cratas que infestam as universidades, ao mesmo tempo era referenciada por gente de opinião qualificada. O que se escondia por trás da negação de um trabalho cujo maior pecado, se pecado houvesse, seria o de ter chegado tão tarde às fartas e sortidas prateleiras literárias sergipanas, pra não dizer medíocres e modorrentas? Eis que um belo dia – e sempre há um belo dia no caminho, como as pedras de Drummond – resolvi arriscar a pergunta à coordenadora de uma biblioteca muito cara a mim, a Ivone de Menezes, mantida pela Funcaju. Qual não foi minha surpresa quando a bibliotecária Verônica me informa: “Sim, seu Luciano, nós temos dois exemplares”. Desde aquele mesmo dia mergulhei nas quase 700 páginas de Uma História do Povo de Sergipe, vencidas em menos de três meses, trabalho de fôlego, de leitura agradável, que vem cumprir uma função essencial na formação de estudantes, pesquisadores e mesmo professores. Ou, pelo menos, deveria vir para isso. Não veio, porque o livro mergulhou num nebuloso ocaso rumo à quase total invisibilidade. Mesmo atendendo aos objetivos pretendidos por quem patrocinou o livro na esfera governamental, a obra seguiu uma carreira maldita, ou pior, foi jogada no indesejável túmulo do esquecimento. Que funcionários de governos cumpram caninamente as “ordens superiores”, é de se esperar, mas estranhei o silêncio cúmplice da dita intelectualidade da província, alguns deles, inclusive citados – e bem citados – pelos seus trabalhos, historiadores contemporâneos sérios que acabaram ajudando a obscurecer o trabalho de Risério. Depois, foram surgindo possíveis explicações para o banimento do livro, mesmo por cima de sua extraordinária qualidade como texto histórico e literário. Revoltado pelo autor ser um historiador “de fora”, mesmo aqui da irmã Bahia, o governador da época enfureceu-se com a decisão de legar a tal forasteiro a tarefa de reescrever nossa história, no lugar de um sergipano da gema. O governador em questão, meu amigo, homem culto, leitor febril, conhecedor como poucos de cinema e de História, infelizmente se rendeu à torpe tentação do bairrismo. Pouco depois, passeando pela histórica Itaparica, avistei Risério no barzinho no Largo da Quitanda, possivelmente o mesmo em que bebia outro grande escritor com pés fincados em Sergipe, João Ubaldo Ribeiro. Como nunca fui de tietagens, até porque jamais cultivei ídolos, admirei meu grande escritor à distância, pelo fascínio que o conjunto de sua obra nos provoca, e pelo autor em si. Até fiquei com vontade de perguntar pelo livro, mas resisti à tentação e segui para outra bodega. Um dia finalmente troquei dois dedos de mensagens com Antônio Risério, dessa vez no conforto seguro e distante do Facebook. Ele confirmou a história do silêncio do livro, pela razão aqui apontada, mas queixou-se de outras imprecisões, aí não mais por culpa de censura. Disse que o trabalho fora publicado antes da hora, sem que ele tivesse dado uma forma final ao último capítulo. E o pior: sem sequer uma revisão, coisa que constatei na minha leitura. Também classificaram o autor como “publicitário”, atividade que Risério de fato já exerceu, mas que soa ridícula diante das outras áreas em que atua, ainda mais porque é a menos relacionada com a produção de um livro com essas características. Ponto positivo para quem encomendou o trabalho e alguns pontinhos negativos pela negligência na finalização da obra. Quanto à atitude do governador da época, é compreensível seu apego aos autores da terrinha, mas, se não queria que um estrangeiro recontasse nossa história, que o fizesse por mãos locais. Quem sabe a providência de destinar o livro à geladeira do esquecimento nem foi dele, talvez providenciada por um algum aspone querendo bajular o chefe. É também evidente que a comparação com a queima de livros é uma metáfora exagerada, ainda mais no contexto atual, de uma figura sensível, um intelectual refinado e cosmopolita. Mas toda vez que se investe contra livros, não deixamos de lembrar do pior exemplo da história.   Compartilhe: [...] Saiba mais...
7 07America/Fortaleza setembro 07America/Fortaleza 2024Compartilhe:   Por Luciano Correia (*)   esses dias deixei o litoral para mergulhar no interior do Nordeste, dessa vez a propósito de ir a Campina Grande ver meu time jogar, com um pit stop de dois dias em Caruaru. Desde um pouco antes da pandemia, fiz esse percurso mais de uma dezena de vezes, sobretudo o roteiro que inclui Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe e Toritama. Não se trata ainda de um Nordeste profundo, levando em conta outras microrregiões desses dois estados muito mais intensas, do ponto de vista do clima, da geografia e da cultura, mas, de qualquer forma, difere muito da cultura dos nossos litorais, um outro Brasil tão pasteurizado que Milton Nascimento já cantava (ou denunciava?) há décadas. Totalmente contra o fluxo, tenho sistematicamente ignorado praias e marchado para lugares como Petrolina, Juazeiro, Juazeiro do Norte, Recôncavo Baiano, Canudos, Caldas do Jorro, Paulo Afonso, Triunfo, além dos já mencionados. E quando digo que não dá pra enquadrar a maioria dessas cidades nas categorias de rincões tradicionais, que ainda guardam nos seus limites certos amálgamas do barro sertanejo que os forjaram, é porque se tratam de notáveis centros urbanos vivendo extraordinários surtos de desenvolvimento econômico. Em horários de muito movimento, a exemplo do final do dia e começo da noite, essas cidades se enchem das luzes dos carros e de suas largas vias, numa elétrica movimentação que dá conta de sua transformação em verdadeiras metrópoles. São centros regionais dotados de enormes anéis viários, obras que só vemos nas maiores capitais, com viadutos, pontes e pistas duplicadas e com uma joia rara no país da indústria de multas e pouco planejamento: sinalização vertical e horizontal funcionando sob critérios técnicos. Nas estradas, idem. Enquanto nós mendigamos por recursos federais para terminar a duplicação de uma rodovia que já duram 30 anos, essas cidades são servidas de boas estradas, algumas duplicadas. No entorno de Caruaru a face árida das colinas está sendo tomada pelo verde de condomínios horizontais e espigões que furam o céu de cidades como Toritama, polo têxtil que acompanha o boom realizado por Caruaru e que hoje se espalha para Santa Cruz do Capibaribe, gerando empregos, tirando muita gente da pobreza, abrindo uma variedade de novos negócios e criando uma poderosa classe média e uma nova classe de ricos que moram em apartamentos tão sofisticados como os encontrados na região dos Jardins, em São Paulo. O Futebol Futebol, como digo sempre, é muito mais do que a peleja nas quatro linhas e a paixão das arquibancadas. É também uma questão de identidade, onde as pessoas, na falta de outros fatores de coesão social, se encontram nas cores de um time. Num país de fraca cidadania, com instituições apodrecidas e cada vez mais obsoletas, nada mobiliza as multidões. Como dizia um antigo poeta de rua nos muros de Aracaju: “só uma bola me consola”. É claro que ele aí estendia a dimensão para outras bolas, sobretudo as que abrem as portas da percepção. E foi movido por esses sentimentos que me joguei na estrada para ver com meus olhos os 90 minutos de um espetáculo épico, desses que certamente só temos muito raramente. O Itabaiana representa a cidade onde fui viver ainda criança, começando ali uma relação de pura paixão, onde clube e cidade se confundem na mesma coisa. Em 1998 tivemos quase na Série B do campeonato brasileiro, e só não conseguimos por conta de uma pendenga entre jogadores e a diretoria, que na época foi intransigente em relação ao prêmio a ser pago aos vencedores. O resultado foi o que a história registrou: boa parte dos atletas passou a noite num fervilhante cabaré de Goiânia, entre copos e putas, preparando o terreno para a sonora goleada que tomamos do Anapolina por 5 x 0. Nesse ano glorioso de 2024 fizemos uma campanha ascendente, competente, bem dirigida por um treinador carismático que tinha o time na mão. Os jogadores, por seu turno, diferente do que é comum hoje em dia, deram o suor com amor, como se todos fossem filhos da velha Itabaiana-Grande. E depois de dois mata-mata, fomos para o duelo final com o Treze de Campina, uma equipe valente, também bem treinada, com uma torcida feroz, no melhor e pior sentido. Passei maus bocados pra entrar no campo vestindo minha farda tricolor, que tive de tirá-la, para minha segurança. Na saída, após a épica partida que resultou na nossa classificação, vi os itabaianenses um a um zarparem do local em carros particulares enquanto eu sobrava cada vez mais solitário num terreno ermo e sombrio. Por sorte, a Polícia Militar da Paraíba garantiu a saída dos últimos tricolores com segurança e dignidade, uma simples ação administrativa que me fez redobrar a confiança e admiração por todo o povo e governo paraibanos. À exceção dos violentos torcedores do Treze, evidentemente, de quem ouvi desaforos e impropérios, dedos médios esticados e ameaças berradas em tom selvagem. Estamos na série C do Campeonato Brasileiro, se não ainda um paraíso, mas seguramente uma estação bem próxima. Para alegria e festa desse velho e cansado coração.     Compartilhe: [...] Saiba mais...
Compartilhe:
Luciano Correia

Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

Posts Recentes

Consciência, identidade e desenvolvimento: A força das múltiplas raízes do povo brasileiro

  Por Heuller  Roosewelt Silva Melo (*)   plenitude da nossa sociedade depende intrinsecamente da…

13 minutos atrás

Previsão indica probabilidade de chuvas moderadas a intensas em Sergipe nos próximos dias

  O Governo de Sergipe, por meio da Gerência de Meteorologia e Mudanças Climáticas da…

13 horas atrás

Ecossistema Local de Inovação da Grande Aracaju é apresentado a jornalistas

  Por Antônio Carlos Garcia (*)     Ecossistema Local de Inovação (ELI) da Grande…

15 horas atrás

Confira o funcionamento dos órgãos estaduais no feriado e no ponto facultativo

  O Governo do Estado informa que, na próxima quinta-feira, 20, em virtude do feriado…

20 horas atrás

Comunicação Assertiva para Empreendedores: O segredo para um Final de Ano de Sucesso!

  Por Diego da Costa (*)   final de 2025 se aproxima, e com ele…

22 horas atrás

Inscrições para o comércio na Vila do Natal Iluminado 2025 acontecerão na segunda-feira, 24

  Antes marcada para o dia 21 de novembro, data foi alterada devido ao ponto…

1 dia atrás