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A casa dos poemas regidos a óleo e torque

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Germano Viana Xavier (*)

CASA DAS MÁQUINAS, livro de estreia de Alexandre Guarnieri. Livro de poemas, um petardo diferenciado no rol do que já li. Um estudo poético sobre a maquinaria do mundo, com ou sem seus parafusos-fusos que apertam e afrouxam os nossos eixos de homem-humanidade, fator que pode ou não combustionar o rumo de todas as coisas. Poemas-válvula, poemas-rebite, poemas-cilindro, poemas-lâmpada, mecanophrenya generalizada. Repito: um petardo diferenciado no rol dos livros que já li, e olha que não foram poucos até aqui, no auge de meus 38 anos de idade e – bota aí… – uns 25 de amor à literatura, em especial à poesia.

Livro de capa preta. Livro de tarja assim também. Ele remedeia, ele escancara, ele previne um cancro maior, ou melhor, uma pane sem solução. Previne o caos com câncer da atualidade, já que o sistema já está instalado de tal maneira a nos sufocar os caminhares – uma prevenção do olhar, sim. Aí está: o componente zero da poética de Guarnieri neste livro é talvez um olhar absurdado através da fumaça das chaminés das fábricas, um olhar alterado sobre o barulho das maquinarias e de seus pontos de ferrugem, um músculo retesado diante da ameaça de domínio intercontinental por meio desses lestrigões da modernidade.

Luminária acesa, o poeta opera todos os botões antes da decisão que fataliza uma produção de opinião: o homem sabe que sabe. Duas válvulas de neurose na mente aturdida do homem mecânico mundial. Discos rígidos da memória para um backup urgentíssimo acerca do que fomos antes da invenção de tantas quinquilharias eletro-hidráulicas e etc. Três engrenagens atormentadas pela ínfima certeza de um dia a falha geral descambar na realidade. Quatro motores ligados rompendo a ânsia pelo capital monopolizado de agora e de sempre e de até quando? Poemas com cinco cilindros justapostos batendo sob um virabrequim de máculas e enjoos. A humanidade está pulsando em prol de uma robotização satânica que disfarça bem o mal. Onze rebites cravados na alma do ser, na alma do não-ser, na alma do sim e do não.

O que ainda pode uma máquina de datilografia num mundo de computadores megavelozes?

Na alameda industrial, o poeta saca o módulo inaugural, a pedra filosofal que rompe a inércia da vida transmoderna. A casa das máquinas somos nós. Casa e máquina, nós. Seres de neon, brilhantes, efervescentes entidades fabricadas para o uso, minerados com as dragas drágeas da dor escorrida pelas esteiras de metal e borracha. Qual a bitola certa para a mesquinhez da vida que levamos? Por que não atritamos mais diante das desventuras que nos abalam? Perdemos força? Perdemos?

Catálise pesada é a angústia de nascer e morrer na repetição, encantados pela música do trabalho a entorpecer até o mais rude ouvido. Poemas para uma marcha, para um batalhão desgovernado e alinhado aos mesmos conflitos diários de monotonia. Roupa suja de graxa, almoço frio, líquidos que entram goela adentro para lubrificar os pistões nossos de cada dia, dai-nos hoje um instante qualquer de inatividade!

– Não, diz a Máquina-Mor!

Tipos impressos em prensa desalinhada somos nós, seres humanos maquináveis, manobrados por outros seres humanos maquináveis. Cosmogonia sonora das turbinas que defloram infâncias, adolescências e jovialidades ingênuas.

– Vamos dormir que o cabeçote não aguenta! Vamos dormir que o século XX já veio!

CASA DAS MÁQUINAS é um livro de poemas escritos com o peso da poluição e com o medo do acidente central, que pode fazer com que tudo estanque no meio do caminho. Guarnieri escreveu não um livro com poesia, mas antes um livro que despoetiza o falso brilho dos cromos, um livro que atiça mais a gofada nebulosa dos escapamentos de enxofre e que nos torna tóxicos e pecadores pelo simples fato de permitirmos a existência supervalorizada de tais máquinas animadas e sem coração.

 

__________

(*) Germano Xavier nasceu em Iraquara, Chapada Diamantina-Bahia, em 1984. É jornalista pela UNEB e mestre em Letras pela UPE. Publicou o livro Clube de Carteado (Franciscana, 2006). Seu livro de contos intitulado Sombras Adentro (ainda não publicado) foi finalista do IV Prêmio Pernambuco de Literatura (2016). Em 2021, publicou o livro O Homem Encurralado (Penalux); e em 2022 , Esplanada do Tempo, que compreende a segunda parte da Trilogia do Centauro. Escreve para encontrar o equador de todas as coisas.

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Germano Viana Xavier

(*) Nasceu em Iraquara, Chapada Diamantina-Bahia, em 1984. É jornalista pela UNEB e mestre em Letras pela UPE. Publicou o livro Clube de Carteado (Franciscana, 2006). Seu livro de contos intitulado Sombras Adentro (ainda não publicado) foi finalista do IV Prêmio Pernambuco de Literatura (2016). Em 2021, publicou o livro O Homem Encurralado (Penalux); e em 2022 , Esplanada do Tempo, que compreende a segunda parte da Trilogia do Centauro. Escreve para encontrar o equador de todas as coisas.

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