Cultura Empresarial

Brasil no novo tabuleiro: riscos, oportunidades e o preço da omissão

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A guerra invisível entre potências e o futuro das nações emergentes

 

Por Juliano César Faria Souto (*)

 

Vivemos um momento histórico de transição geopolítica. A rivalidade estrutural entre Estados Unidos e China molda não apenas os grandes conflitos militares do momento, mas também as oportunidades (e ameaças) para potências emergentes como o Brasil.

1. A nova guerra fria: EUA x China

A nova disputa global vai muito além da economia. Trata-se de uma competição por hegemonia em diversas frentes:

Tecnologia: chips, IA, 5G;  Energia: fontes e rotas seguras; Moeda: tentativa de desdolarização por parte da China; Narrativas: valores democráticos X soberania nacional, pluralidade cultural X padronização ocidental.

Os EUA tentam conter o crescimento chinês de forma indireta:

Na Ucrânia: mantêm a Rússia ocupada, esgotando seu poder e impedindo alinhação estratégica plena com Pequim.

No Oriente Médio: Israel x Irã serve para desestabilizar um dos principais fornecedores energéticos alternativos à China.

2. O Brasil cercado por um mundo em ebulição

Se o Brasil permanecer inerte, as consequências são claras: instabilidade alimentar e energética afetará nossa segurança e nossa economia; perda de protagonismo comercial e diplomático nos grandes acordos multilaterais; dependência externa em temas como cibersegurança, regulação de IA, e cadeias de suprimento.

3. O que está à mesa para o Brasil

Riscos:

O Brasil corre o risco de perder espaço nos mercados globais devido à sua forte dependência da exportação de commodities, especialmente para a China, enquanto enfrenta crescentes barreiras comerciais e ambientais impostas por Estados Unidos e União Europeia.

A relação com o Ocidente tem sido marcada por gestos diplomáticos protocolares, mas com resultados limitados. O Brasil segue sendo tratado como parceiro secundário, alvo frequente de exigências ambientais e medidas protecionistas.

Na prática, temos desperdiçado oportunidades concretas de inserção internacional. Um exemplo emblemático é o Acordo de Associação entre Mercosul e União Europeia, em negociação há mais de duas décadas e ainda não ratificado, reflexo da falta de articulação política e de alinhamento estratégico. Enquanto isso, países como Chile, Vietnã e México avançam em tratados bilaterais que ampliam o acesso a mercados e garantem segurança regulatória às suas cadeias produtivas.

Outro caso ilustrativo é a neutralidade mal compreendida do Brasil diante da guerra na Ucrânia: sem aplicar sanções, sem propor mediações e sem apresentar iniciativas concretas, o país viu seu espaço diplomático ser ocupado por nações como Turquia e Índia, que, mesmo fora dos polos hegemônicos, atuaram como interlocutores relevantes.

Mesmo em temas que o Brasil detém vantagens comparativas — como biodiversidade, matriz energética limpa e potencial agrícola — o país ainda não conseguiu transformar seus atributos em liderança geopolítica. Fóruns sobre clima, transição energética e desenvolvimento sustentável têm sido oportunidades perdidas para exercer protagonismo.

Em contrapartida, a China tem adotado uma estratégia consistente e pragmática. Mais do que negociar, tem se posicionado como parceira estratégica da América Latina, com foco em interesses mútuos de longo prazo: investe em infraestrutura, realiza compras de commodities com previsibilidade e firma parcerias tecnológicas e energéticas relevantes.

Essa falta de posicionamento estratégico expõe o Brasil ao risco de um duplo isolamento — tecnológico, energético e diplomático.

Oportunidades:

Assumir protagonismo no diálogo Sul-Sul e no BRICS ampliado.

Atuar como ponte entre Ocidente e Oriente, com autonomia e equilíbrio.

Explorar seu diferencial em estabilidade institucional, segurança alimentar, matriz energética limpa e capacidade diplomática ambiental.

4. O que fazer?

O primeiro passo é reativar nossa diplomacia como instrumento de Estado:

Reprofissionalizar o Itamaraty, resgatando sua autonomia e capacidade técnica a serviço de um projeto de Estado e não de governo.

Propor iniciativas regionais realistas, voltadas à América do Sul e à cooperação Atlântica Sul.

Incentivar o debate estratégico nacional, projeto de Estado ,  sobre temas que hoje nos atingem: segurança cibernética, transição energética, política industrial e papel do Brasil no novo G20.

5. Conclusão

Os conflitos em curso, especialmente Israel X Irã, podem escalar a qualquer momento. Se o Brasil continuar calado, outros falarão e decidirão por nós. Mas se recuperarmos nossa altivez estratégica, podemos deixar de ser plateia e voltar a ser ponte.

Mais do que isso: podemos sonhar grande novamente. O Brasil tem potencial humano, territorial, energético e diplomático para se tornar uma terceira força global, liderando um bloco Sul-Sul mais integrado, soberano e pragmático.

Um bloco que não seja condicionado pelos conflitos e interesses externos, mas que construa alternativas para um desenvolvimento inclusivo e sustentável.

Esse é o desafio. Essa é a oportunidade. Essa pode ser a nossa missão.

Te convido, leitor, a refletir comigo: que nação queremos deixar para nossos netos?

Uma pátria subdesenvolvida, assistencialista e satélite opaco das potências — ou um Brasil protagonista do seu destino, inclusivo e empreendedor?

Na próxima semana, voltaremos com o Artigo 3 da série:

“Neutralidade sem ação é irrelevância.”

 

 

Leia  o artigo 1 da série:

Guerra de Titãs: EUA x China e os conflitos regionais Israel x Irã e Rússia x Ucrânia

 

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Juliano César Faria Souto

Estanciano, 61 anos, Administrador de Empresas graduado pela Faculdade de Administração de Brasília, com MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Atua como sócio-administrador da FASOUTO, empresa do setor atacadista distribuidor e autosserviço.

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