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Nilton Santana (*)

 

Por um momento preste atenção aos seus pensamentos. Preste atenção à voz que você ouve dentro da sua cabeça. Essa voz não é você. Se a voz na sua cabeça fosse você, quem a estaria escutando? É como se houvesse dentro de você duas pessoas. Mas qual delas é a verdadeira? Você é um ou você é dois?

Você é o observador silencioso. A voz que fala a todo instante dentro de sua cabeça, te fez acreditar que é você. A sua mente não é você, a sua mente é uma ferramenta. Dito de outra forma: a sua mente é a empregada da sua Consciência e não a sua chefe. Para aqueles que estão em contato com essas ideias pela primeira vez, necessita de tempo para digerir tal verdade.

O primordial aqui é entender que a mente é uma ferramenta, e como ferramenta poderá ser usada pela sua Consciência ou pelo seu ego. O ego neste caso seria aquele que veste a capa da sua mente e te manipula. O ego é um inimigo ardiloso, e como todo inimigo ardiloso utiliza-se de artimanhas. Não há nada melhor para um inimigo do que se esconder, e o melhor esconderijo é dentro de você.

As tradições deram ao ego diversos nomes: é o Diabo, na cultura judaico-cristã; e Maran na cultura budista. O mais importante a se compreender é que o ego é o seu principal adversário e se opõe a tudo aquilo que é iluminação, ou seja, se opõe a tudo aquilo que é ensinamento de Buda ou de Cristo. O ego trabalha com a sua mente.

A mente deve ser a serva e não a senhora. Como serva é uma ferramenta brilhante e deve ser usada apenas em casos pontuais da nossa vida. Buda já havia orientado a respeito dos perigos que é não vigiar a mente. No Dhammapada, um dos livros da sabedoria budista temos a seguinte referência em relação à mente: “A mente é invisível e sutil, difícil de ser vigiada, correndo para onde lhe apraz. Que o sábio a vigie; vigiada é uma fonte de felicidade.”

O problema é que a mente não apenas deixou de ser vigiada, como é constantemente confundida com o próprio vigia. Vigiar a nossa mente, é vigiar o nosso ego. Quando observamos o nosso ego sem qualquer julgamento ele perde a sua força, ele perde o seu poder.

Jesus ao passar pelas tentações no deserto, estava vencendo o seu ego porque era um exímio vigilante, todas as investidas do ego foram ali vencidas magistralmente. Quando vencemos o ego é como se estivéssemos prontos para a nova vida. Diria até que se inicia o nascimento para a verdadeira Vida.

O nascer de novo é algo muito falado nos Evangelhos. Somente se pode nascer em Cristo quando morremos para o nosso ego. No encontro com Nicodemos, Jesus lhes diz: “Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus.”(João 3:3). Encaramos aqui o Reino de Deus não como um local. Mas sim como um estado em que alcançamos. No Evangelho não-canônico do Apóstolo Tomé, Cristo diz que o “Reino de Deus está dentro de vós”. No Evangelho de Lucas há a mesma escrita dizendo que o Reino de Deus está em vós. Podemos entender aqui o Reino de Deus como um estado que o ser humano atinge em sua caminhada ascendente. Em certo nível de maturidade alcança-se a Consciência de Cristo. O Reino de Deus acontece no ser humano, quando este atinge um elevado grau de envolvimento com sua Consciência e passa a viver no “Reino de Deus”. O Paraíso passa a fazer parte da sua vida porque a maneira com a qual relaciona-se consigo mesmo e com o mundo mudou. Agora o seu Eu-Crístico dirige a sua vida. O Eu-Crístico pode ser chamado de Eu-Búdico, Eu-imortal, Eu-maior, Eu, Consciência, Ser, Deus, Eu-divino ou qualquer outro nome que possa ser usado para se referir a um estado de consciência no qual não há identificação com a forma, também denominado de “estado de presença”, ou “estado de iluminação”.

O advento do Reino é o despertar do Cristo interior. E a partir deste momento tudo muda. O Saulo passa a ser Paulo, porque o Cristo interior transborda em toda a sua vivência.

No Evangelho de Tomé, existe a alusão ao ego-mental humano como se este fosse um leão, e o homem precisa sujeitá-lo: “Bendito o leão comido pelo homem, porque o leão se torna homem! Maldito o homem comido pelo leão, porque esse homem se torna leão!” A parte humana é tida como o Eu, sendo a nossa parte divina, e a parte egoica é tida como o leão. Utiliza-se a palavra “comido” como sinônimo de algo a ser assimilado, aqui a palavra “comido” designa quem perdeu a batalha, perder a batalha é ser assimilado. Dentre as pessoas há aquelas que são assimiladas pelo ego e outras pelo Eu, não existem meios termos aqui. Ou o Eu é integrado ao seu ego, ou o seu ego é integrado ao Eu. Um dos dois será escolhido para ser senhor e o outro para ser servo.

No Escrito Gnóstico vemos a dualidade entre o Eu e o ego, entre o Homem e o leão, entre o Divino e o diabólico. A caminhada animal é aquela onde o leão é sempre ouvido em suas ações e o Humano emerge somente em lampejos momentâneos e não-habituais sendo delimitado pelo leão. A caminhada para o Humano inverte a relação: O Humano é sempre ouvido em suas ações e o leão emerge apenas em lampejos momentâneos não-habituais sendo controlado pelo Humano. Dois estados diferentes representados em escritos antigos por símbolos distintos e muito profundos.

O estado de iluminação é falado em outras tradições com diferentes nomes, no hinduísmo existe a noção de Átman, ou seja, a centelha divina que habita em cada ser humano. O objetivo seria o de unir ou religar o homem a esta centelha que já se encontra em seu íntimo. O islã afirma que conhecer a si mesmo, é o mesmo que conhecer Allah. Compreende-se que Deus está mais visível nas camadas profundas do Humano.

Tal centelha divina é também falada pelo apóstolo Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.” (Gálatas 2:20) Paulo deixa nítido que havia se ligado à centelha divina que habitava o seu íntimo, à essa centelha Paulo dá o nome de Cristo. A vitória de Cristo no íntimo de Paulo é tão imensa e profunda que, quando acontece, o personagem bíblico muda até mesmo de nome. Há o Saulo imaturo e dominado pelo Ego que ao entrar em contato com o seu Cristo Interior amadurece e passa a ser chamar Paulo. O Cristo agora habita nele, por isso, a partir dali nasce o Paulo. É o segundo nascimento do qual Cristo faz referência. A batalha interior havia sido vencida por Cristo, uma vez que o seu ego era vencido, Cristo (Eu-Crístico) passou a viver em seu interior. Morria ali o Saulo, e nascia ali o Cristo. Neste caso, o apóstolo Paulo deu a sua forma de Consciência profunda o nome de Cristo. O Batismo também carrega esta simbologia: a partir do momento em que se é batizado acontece a morte simbólica do humano e o nascimento simbólico do divino no humano. O mergulho nas águas é a nossa morte, e o emergir das águas é o nascimento, o nascimento para o Reino de Deus.

Quando alguém nasce para o Reino de Deus, isso acaba se manifestando em sua vivência. A vivência interna ilumina a vivência externa. Não importa se a pessoa fala muito ou fala pouco, o que importa é que qualquer atitude exala a paz interior. Jesus diz no Evangelho de Tomé que “ninguém acende uma lâmpada e a põe debaixo do velador nem em local oculto, mas sim no candelabro, para que todos os que entram e saem vejam a luz.” A luz interna sempre emana não somente no agir e no dizer, mas na simples presença. Há pessoas que somente por estarem presentes transmitem Amor.

 

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Referências

BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

Dhammapada: caminho da lei; Atthaka: o livro das oitavas: doutrina Budista ortodoxa em versos/tradução, adaptação e prefácio e notas Georges da Silva. – 2 ed. – São Paulo: Editora Pensamento Cultrix, 2020.

KHAN, Hazrat Inayat. Mensagem Sufi de Liberdade Espiritual. [s.l.]: Textos para Reflexão, 2023.

O Quinto Evangelho/tradução e notas de Huberto Rohden. São Paulo: Martin Claret, 2005.

 

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Nilton Santana

Nascido em Aracaju, professor de História, membro da Loja Estrela de Davi e amante dos estudos sobre religiosidades e mitologia

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