Cultura Empresarial

Série: Brasil — Geopolítica e Diplomacia: O Rato que ruge

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Por Juliano César Souto (*)

 

Tarifaço :  Improvisação ou Estratégia

 

1. Um alerta que merece atenção

Quando um dos economistas mais técnicos, respeitados e contundentes do Brasil publica um artigo com o título “O Rato que Ruge” — como fez Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e colunista da Veja — é sinal de que há algo estruturalmente errado na política externa brasileira. A analogia utilizada por ele, inspirada no romance satírico de 1955, The Mouse That Roared, retrata com precisão o momento atual: um país com sérias vulnerabilidades internas decide provocar uma potência global em busca de dividendos simbólicos.

2. Entre o rugido e a realidade

Como já mostramos nos artigos anteriores da série Brasil: Geopolítica e Diplomacia, o país abandonou uma política externa de Estado, substituindo-a por discursos performáticos em organismos multilaterais, alinhamentos ideológicos e gestos improvisados de retaliação simbólica.

A retórica recente de desafio aos EUA, associada à defesa de uma moeda alternativa ao dólar na reunião do BRICS, às ações judiciais do STF contra big techs americanas e à contínua exposição midiática de autoridades brasileiras, compõe o enredo de uma estratégia com claros objetivos de política interna — especialmente para fortalecer a base eleitoral governista às vésperas de um novo ciclo eleitoral.

2.1 . As isenções que revelam o verdadeiro jogo

A publicação oficial do Annex I pelo governo americano, que detalha os produtos isentos da sobretaxa de 50%, desmonta a tese de que a retaliação seria apenas um gesto simbólico ou improvisado. Ao contrário, a seleção dos setores isentos revela uma estratégia cuidadosamente calibrada por interesses de Estado — não por impulsos pessoais de governantes.

Entre os produtos poupados da tarifa estão aeronaves civis, petróleo cru, gás natural, celulose, suco de laranja, fertilizantes, alumina, partes de turbinas e motores, computadores e componentes automotivos. São todos bens cuja taxação causaria prejuízos também à economia americana, por envolver cadeias de suprimento globais, interdependência empresarial ou pressão de lobbies internos.

Já os setores mais afetados pela sobretaxa — calçados, têxteis, móveis, carnes processadas, aço e alumínio beneficiados — correspondem, em sua maioria, a áreas com menor impacto estratégico direto para os EUA e forte peso na geração de empregos e divisas para o Brasil.

Essa seletividade comprova que diplomacia e comércio internacional continuam sendo instrumentos de Estado, orientados por interesses de longo prazo, mesmo sob governos populistas ou imprevisíveis. A retaliação foi milimetricamente construída para punir o Brasil sem penalizar setores sensíveis da economia americana — o que reforça a assimetria de poder e a fragilidade do Brasil ao entrar nessa disputa sem preparo técnico nem base diplomática sólida.

Mais do que a defesa de uma “moeda alternativa ao dólar”, o estopim dessa crise está na crescente hostilidade institucional brasileira contra empresas de tecnologia norte-americanas. As decisões monocráticas do STF, com forte exposição midiática e ameaça de multas bilionárias contra plataformas digitais (as chamadas big techs), geraram forte reação do Congresso e da diplomacia dos EUA, que passaram a tratar o Brasil como país pouco confiável para investimentos em tecnologia e liberdade de expressão.

Ao se posicionar contra as big techs de forma isolada, politizada e sem interlocução diplomática prévia com Washington ou com a OMC, o Brasil criou, com suas próprias mãos, o pavio da retaliação. E, ao manter o tom de confronto nas redes sociais e nas cúpulas multilaterais, deu aos EUA o pretexto necessário para acionar sua máquina tarifária — com impacto direto sobre setores da economia brasileira que nada têm a ver com a briga.

3. Os riscos de brincar com o tabuleiro global

A ausência de um embaixador dos EUA no Brasil, o silêncio dos BRICS após a sobretaxa americana e o isolamento crescente do Brasil em fóruns internacionais são sintomas de uma política externa que perdeu rumo, previsibilidade e profissionalismo.

As tarifas impostas por Donald Trump (mesmo que juridicamente frágeis) são politicamente eficazes. Elas reposicionam o Brasil como alvo, não como interlocutor, e tornam ainda mais difícil qualquer negociação bilateral racional.

4. O teatro como palanque

A atual estratégia externa parece seguir o roteiro de “The Mouse That Roared”: provocar para capitalizar politicamente a própria fragilidade. Trata-se de transformar o palco internacional em palanque doméstico — e converter tensões econômicas reais em narrativa eleitoral de confronto.

Como alerta Schwartsman: “Pode até fazer sentido, do ponto de vista político, rugir na esperança de dividendos eleitorais em 2026. Mas não há dúvida sobre quem sairá mais machucado nessa pancadaria, por mais estúpida que seja a iniciativa americana.”

5. Conclusão

A política externa precisa voltar a ser um instrumento técnico, altivo e estratégico de defesa do interesse nacional. O Brasil não precisa escolher um lado — precisa defender o seu, com coerência, diálogo e visão de longo prazo.

A história já mostrou que provocações simbólicas podem render aplausos passageiros, mas cobram faturas irreparáveis.

“Quando a política externa vira palanque interno, o preço é pago pela sociedade — com juros, correção monetária e décadas de atraso.”

Nota explicativa:

A expressão “O Rato Que Ruge” (The Mouse That Roared) tem origem literária e simbólica: é o título de um romance de 1955, adaptado para o cinema em 1959, protagonizado por Peter Sellers. A trama satiriza um pequeno país fictício, o Grão-Ducado de Fenwick, cuja economia está em colapso. Suas lideranças, ludibriadamente, decidem declarar guerra aos Estados Unidos — esperando perder e receber assim auxílio internacional. Surpreendentemente, acabam vencendo, capturam um cientista com uma arma poderosa e conseguem concessões econômicas e de mercado dos EUA.

Sentido original da expressão

A narrativa simboliza um ato teatral de confronto por parte de um ator pequeno, cujas consequências acabam invertendo as expectativas — um gesto grandioso de forma desproporcional, carregado de ironia política.

Síntese da metáfora original:

A desproporção entre força real e discurso simbólico revela que, em certas circunstâncias, atores pequenos podem, por acidente ou cálculo, alterar o equilíbrio global — ou se beneficiar da imprevisibilidade das grandes potências.

Motivação e Reflexo do Pós-Guerra

O romance é uma resposta direta ao cenário pós-Segunda Guerra Mundial:

Crítica à política externa americana, que premiava inimigos derrotados com reconstrução (Alemanha, Japão).

Ironia sobre a lógica da ajuda externa como mecanismo de controle e influência.

Alusão à guerra fria e ao uso simbólico de conflitos para ganhos estratégicos.

Aplicações e Releituras (1955–2025)

 

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Juliano César Faria Souto

Estanciano, 61 anos, Administrador de Empresas graduado pela Faculdade de Administração de Brasília, com MBA em Gestão Empresarial pela FGV. Atua como sócio-administrador da FASOUTO, empresa do setor atacadista distribuidor e autosserviço.

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