Vista aérea de Aracaju, capital de Sergipe Foto: Ana Lícia Menezes
Por Alexandre Lemos (*)
A separação de Sergipe da Bahia, formalizada pela Carta Régia de 8 de julho de 1820, foi mais do que uma simples “recompensa” régia: resultou de pressões econômicas da elite açucareira, de cálculos estratégicos de D. João VI e de uma disputa político-militar que se estendeu de 1820 a 1824[1][2]. Este relatório reconstrói, em detalhes, o contexto colonial que antecedeu a emancipação, identifica as lideranças envolvidas, descreve a organização inicial da província e analisa as resistências internas e externas ao novo status jurídico-político.
Contexto Colonial: dois séculos de subordinação à Bahia
A capitania de Sergipe, criada em 1590 e incorporada à Bahia logo depois, atuou por mais de 200 anos como “capitania subalterna”, fornecendo gado, açúcar e algodão ao porto de Salvador[1][3]. O crescimento da agroindústria açucareira no vale do Cotinguiba, a partir de meados do século XVIII, ampliou tensões sobre os impostos cobrados em Salvador e fomentou o desejo de autonomia fiscal entre os senhores de engenho sergipanos[4][5].
Consequências econômicas da dependência
A revolta de 1817 e a “gratidão régia”
Quando a Revolução Pernambucana irrompeu em 1817, Sergipe, ao lado da Bahia, enviou tropas realistas contra os revolucionários[9][10]. Felisbelo Freire e vários cronistas posteriores interpretam a Carta Régia como prêmio à lealdade sergipana[1][2]; Maria Thetis Nunes acrescenta que D. João VI enxergava, ainda, ganhos administrativos ao criar províncias menores diretamente subordinadas ao Rio de Janeiro, reduzindo o poder dos grandes capitães-generais[4].
A Carta Régia de 8 de julho de 1820
O texto, remetido ao conde da Palma, governador da Bahia, ordenava: “Que a Capitania de Sergipe d’El-Rei tenha um Governo independente do da Capitania da Bahia”[11]. Cinco pontos merecem destaque:
| Elemento | Conteúdo | Papel político |
| Forma | Decreto unilateral de D. João VI[12] | Afirma soberania régia sobre províncias |
| Data | 08-07-1820[1] | Marco simbólico do feriado estadual |
| Nomeação | Brigadeiro Carlos César Burlamaqui como primeiro governador[13] | Implantar poder régio local |
| Justificativa | “Bom regime do Reino do Brasil”[11] | Reorganizar aparelho imperial |
| Limitações | Sem tropas próprias em Sergipe[14] | Facilitou reação baiana |
Carlos César Burlamaqui
Oposição interna
| Grupo / Liderança | Motivação contrária à emancipação | Base de apoio |
| Senhores de engenho do sul (ligados a Salvador) | Manter privilégios fiscais na Bahia[18] | Triângulo Santo Amaro-Lagarto-Estância |
| Legião de Santa Luzia (Nabuco de Araújo) | Defesa da ordem constitucional lusa pós-Revolução do Porto[19] | Milícias rurais do rio Real |
| Comerciantes baianos instalados em São Cristóvão | Receio de perder acesso exclusivo ao açúcar sergipano[20] | Feiras locais e armazéns |
Lideranças favoráveis
Criadores de gado do agreste (Joaquim Martins Fontes) e sertanejos (José Leite Sampaio) defenderam a separação, buscando reduzir taxas de passagem de tropas e couro impostas pela Bahia[1][15].
Entre a deposição e a Junta Provisória (1821-1822)
Após a queda de Burlamaqui, a Bahia invalidou a Carta Régia e reintegrou Sergipe como comarca em agosto de 1821[17]. A Revolução Constitucionalista no Porto exigia centralização na metrópole, reforçando a pretensão baiana de recuperar o território[2][21]. Contudo, o retorno de D. João VI a Lisboa afastou garantias militares portuguesas, abrindo espaço para nova mobilização autonomista no fim de 1822[10].
Reconhecimento imperial e formação da Junta Governativa
Em 5 de dezembro de 1822, semanas após declarar o Brasil independente, D. Pedro I expediu Carta Imperial confirmando o decreto de 1820 e elevando Sergipe à categoria de “província de segunda ordem”, totalmente desligada da Bahia[22]. Uma Junta Governativa Provisória de cinco membros foi instalada em 1 de outubro de 1822[23]:
| Cargo | Nome | Região de influência |
| Presidente | José Mateus da Graça Leite Sampaio | Cotinguiba[23] |
| Membro | Guilherme José Nabuco de Araújo | Santa Luzia[23] |
| Membro | Dionísio Rodrigues Dantas | Agreste[23] |
| Membro | Domingos Dias Coelho e Melo | Litoral Sul[23] |
| Membro | José Francisco de Menezes Sobral | São Francisco[23] |
A presença simultânea de autonomistas e de antigos aliadistas baianos (Nabuco) reflete um equilíbrio político frágil[23][24].
Primeiros governadores regulares (1823-1825)
A Lei Imperial de 20 de outubro de 1823 extinguiu as juntas e criou o cargo de presidente provincial[25].
| Nº | Governante | Início | Fim | Nota |
| 1 | Manuel Fernandes da Silveira | 05-03-1824 | 15-02-1825 | Primeiro presidente efetivo[26] |
| 2 | Clemente Cavalcanti de Albuquerque | 15-02-1825 | 25-06-1825 | Renunciou por motivos de saúde[26] |
| 3 | João Vieira da Cunha | 25-06-1825 | 15-04-1826 | Reorganizou tesouraria[26] |
Estrutura administrativa inicial da província
Organização territorial e escolha da capital
São Cristóvão manteve-se capital até 1855, quando Aracaju foi fundada para concentrar exportação açucareira pelo rio Sergipe[11]. A falta de um porto oceânico adequadamente abrigado limitava a arrecadação provincial, motivo recorrente nos ofícios enviados ao Rio de Janeiro na década de 1830[24].
Resistências pós-1823
Embora a confirmação imperial tenha encerrado a disputa legal, continuaram:
Dinâmica socioeconômica nas décadas iniciais
O açúcar permaneceu carro-chefe da receita; em 1825 havia cerca de 220 engenhos, dos quais metade no vale do Cotinguiba[5]. A pecuária de corte expandiu-se no sertão, impulsionada pela abertura de feiras em Gararu e Propriá[1]. A arrecadação provincial subiu 18% entre 1824 e 1830, mas 60% da despesa ainda ia para salários de tropas e manutenção das câmaras municipais[24].
Estrutura fundiária e trabalho
Memória, Identidade e Datas Comemorativas
A recuperação oficial do “8 de julho” como feriado estadual ocorreu em 1880; já o “24 de outubro” foi suprimido da Constituição estadual em 2000 após pressão de comerciantes[32]. Exposições recentes destacam a participação de batalhões pardos, como os Granadeiros de Santo Amaro, resgatando protagonismo popular no processo emancipatório[29].
Conclusão
A emancipação política de Sergipe foi um processo prolongado (1820-1824) que conjugou interesses econômicos locais, estratégias da monarquia luso-brasileira e disputas regionais intensas. Resistências baianas adiaram a efetivação do decreto régio, e conflitos internos entre elites agrárias dividiram o território até a confirmação de D. Pedro I. A construção da província exigiu negociações delicadas para equilibrar grupos rivais, organizar finanças precárias e criar uma identidade política distinta — a sergipanidade — que ainda hoje se celebra a cada 8 de julho.
Linha do tempo resumida (1817-1824)
| Ano | Evento | Impacto |
| 1817 | Sergipe apoia a repressão à Revolução Pernambucana[9][10] | Ganha “créditos” junto à Coroa |
| 08-07-1820 | Carta Régia de D. João VI emancipa Sergipe[12][1] | Cria capitania independente |
| 25-07-1820 | Nomeação de Burlamaqui governador[13] | Início do novo governo |
| 20-02-1821 | Posse de Burlamaqui em São Cristóvão[4] | Formalização local |
| 18-03-1821 | Deposição de Burlamaqui pela Bahia[15] | Reversão temporária |
| Ago 1821 | Cortes de Lisboa “incorporam” Sergipe à Bahia[17] | Suspensão do decreto |
| 01-10-1822 | Instalação da Junta Governativa sergipana[23] | Autoridade autônoma |
| 05-12-1822 | Carta Imperial confirma emancipação[22] | Separação definitiva |
| 05-03-1824 | Manuel F. da Silveira assume presidência[26] | Consolidação institucional |
Com esses marcos, Sergipe atravessou da condição de comarca submissa à Bahia a província autônoma do Império, estabelecendo as bases de sua administração, sua economia e sua identidade cívica.
(*) Venerável Mestre da ARLS Clodomir Silva, nº 1.477
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