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Por Luciano Correia (*)

 

A extrema direita brasileira tem uma característica diferente da direita tradicional, conservadora, crente em seus princípios liberais e em costumes antigos associados à ideia de família. Os radicais de direita brasileiros não creem em nada, além de uma esperança de impunidade para cometer seus crimes, aí incluídos tentativas de golpe de Estado, associação com milícias e narcotráfico, pra ficar nos mais visíveis. Essa turma, ou gangue de pitbulls, pensou, concebeu e realizou um massacre de 121 pessoas para construir uma pauta política. Voltaram a respirar na política, depois da acuação em que se encontravam depois que a opinião pública brasileira começou a se manifestar sobre o lodento Congresso Nacional infestado por essa mesma extrema direita.

Para executar seu plano, contou com um militante fiel, uma figura improvável, desqualificada e incompetente que só no Brasil chegaria ao cargo de governador de estado, e o mais grave, de um estado grande como o Rio de Janeiro. Se bem que… pensando bem, o Rio teve todos seus últimos governantes presos por delinquência e corrupção: Sérgio Cabral, Pezão, Witzel e Garotinho. Cabral pegou 400 e poucos anos. Ficou preso seis. É o padrão da justiça mais cara do mundo. Cabral indicou Fux (we trust) para o STF. Conversando eles se entendem. É o Brasil, zil, zil.

Cesare Lombroso  Foto: Wikipedia

O atual governador, Cláudio Castro, dispensa acareação. Se Cesare Lombroso, o famoso criminalista italiano fosse vivo, não hesitaria nem dois segundos: esse é lombrosiano. A teoria dele é que a criminalidade é herdada por características físicas. Em se tratando do cavernoso Castro: tá na cara. Os 117 mortos eram, na maioria, gente envolvida com o crime. Mas um só morto inocente seria suficiente para fazer da operação um crime. E tem inocentes chorando esse horror patrocinado por um governador suspeito de ligação com as organizações que alega combater.

A operação é uma monstruosidade, mas fez a bandidagem da extrema direita surfar numa onda de aprovação popular. O povo não é burro, sempre faz o que é melhor para ele, conforme sua visão racional do mundo. O ladrãozinho que toma um celular ou uma moto de um classe média como eu e vocês, às vezes tem um gesto de compreensão e perdão. Mas o sujeito fodido desde o nascimento, que ganha salário-mínimo e se vira em sacrifícios pra ter uma moto cinquentinha ou dar um celular a uma filha, carrega um ódio compreensível contra essa pequena delinquência.

A pergunta que alguns fizeram no dia seguinte à tragédia foi essa, fundamental: e a operação Faria Lima, começa quando? Essa pergunta resume o Brasil atual e a raiz da criminalidade que contaminou quase todas as instituições. Ou alguém acha que esses negrinhos pobres, esquálidos, carregando fuzis maiores do que eles, são os que movem o tráfico de drogas e roubo de cargas? Não, são aviõezinhos do tráfico, vendedores de papelotes de cinco gramas e miudezas afins. A Polícia Federal já começou a mostrar que o cérebro de todas as bandidagens, incluindo Bets, moedas digitais e lavagem em postos de combustíveis, está na elegante avenida Faria Lima.

A última vez que fui a São Paulo foi há dois anos, cidade que conheci em 1981 e voltei dezenas de vezes para seus programas culturais, o riquíssimo circuito alternativo de cinema, literatura e os bares da vida. Para fazer meu périplo pelas suas feiras de antiguidade, da Benedito Calixto ou da praça Don Orione. São Paulo sempre me fascinou como uma metrópole cosmopolita, de 1000 povos, mais intensa e febril do que Nova Iorque. Nessa última vez tentaram me roubar duas vezes enquanto eu buscava um carro de aplicativo para minha pousada favorita no Bixiga. Molecotes de bicicleta travestidos de iFood meteram a mão no celular, sem sucesso. Na terceira tentativa, perdi meu Iphone. Não foi na temida região do Centro ou qualquer outra boca de inferninho: eu andava pacificamente pela avenida Paulista, templo do capitalismo brasileiro, como a famigerada Faria Lima.

Avenida Paulista, palco do roubo de celular do escriba Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Roubado sob as fortes luzes da Paulista, justamente em frente a uma viatura da polícia paulista. Os caras não mexeram uma pálpebra. Os puliças do Tarcísio, matadores de pretos e pobres. O silêncio cúmplice dos falsos funcionários da segurança pública do estado de São Paulo contrastou com a solidariedade da população. Na hora, me cercaram de todos os cuidados, atenções e apoios. Um taxista, possivelmente exausto de tanta impunidade, jogou seu instrumento de trabalho por cima do delinquente, que caiu da bicicleta, patinou uns metros pelo chão, mas com habilidade para recolher o celular e desaparecer nas alamedas escuras do lado menos glamuroso da Paulista, na direção do Centro.

Maior do que perdas e riscos, foi o susto de quem nunca tinha sido vítima de um roubo dessa natureza. Dentre as providências inúteis, ainda tentaram me oferecer a bici do ladrão. “Ele te roubou mesmo, então ela agora é sua”. Agradeci a oferta e adverti: “Pode ficar pra você, mas cuidado com a polícia. Ela pode te acusar de roubo”. Essa é a São Paulo de um governador que pretende exportar seu modelo de gestão para o resto do país. Essa é a “nova” São Paulo de Tarcísio e sua polícia capturada para seu ideário fascista. Meu amigo dono da pousada na rua dos Ingleses sempre pergunta quando volto para a velha Paulicéia Desvairada. Fico enrolando com respostas vagas. Sampa Midnight agora só vive nas minhas lembranças.

 

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Luciano Correia

Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

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