Outras palavras

De boas intenções o inferno está cheio… e de falsos profetas, também

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

Diz-se que a máxima é atribuída a John Ray (1627-1705), naturalista britânico, publicada em uma coleção de provérbios, cuja escrita de época é “Hell is full of Good meanings and wishes” (O inferno está cheio de bons propósitos e anseios/desejos). Seja como for, a assertiva segue sendo útil e ajuda a explicar muito do que temos visto no mundo e no Brasil. Preocupa-me demasiadamente a ascensão e influência de “líderes religiosos” que se valem da Palavra de Deus para blasfemar, proferir insultos, disseminar ódio, instaurar o caos e acobertar criminosos contumazes.

Luiz Balsan, em seu livro Teologia Pastoral (2018), apresenta algumas ações típicas para quem se apresenta como pastor, no seu sentido mais teológico e profundo do termo, à luz das Sagradas Escrituras do Cristianismo: guiar, prover, libertar e aliar a humanidade a Deus. E nesse sentido, Jesus se apresenta como a figura maior do Bom Pastor, aquele que dá a sua vida por suas ovelhas, que apascenta e conduz o seu rebanho:

Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai” (Jo 10, 14-15).

Também nas Escrituras, há inúmeras passagens que nos advertem sobre aqueles que não são pastores ou que são falsos profetas, das quais destaco, pelo menos três:

“E surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos” (Mt 24,11);

“Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores (Mt 7,15); e

“E da boca do dragão, e da boca da besta, e da boca do falso profeta vi sair três espíritos imundos, semelhantes a rãs” (Ap 16,13).

Ora, a julgar pela que vimos dizendo até aqui não é uma tarefa difícil reconhecer alguns dos falsos pastores e profetas de nosso tempo, revestidos de moralidade, apregoando-se de homens de bem e de família, defensores dos bons costumes e de toda uma série de falas e, sobretudo, gestos hipócritas, com uma boca vociferante, abjeta, imunda, da qual proferem não a Palavra de Deus, mas, palavrões os mais torpes e impublicáveis, palavras de incitação à desobediência, ao desrespeito, à criminalização e discriminação, à humilhação e ao ódio. Nesse sentido, já nos lembrava Nelson Rodrigues (1912-1980):

“Por trás de todo paladino da moral, vive um canalha”.

Antes que me acusem de intolerância religiosa, devo salientar que a coisa é mais séria do que um “pastor” que na calada da noite se traveste como mulher na desculpa de fazer uma investigação ou mesmo de um padre intolerante que profere impropérios discriminatórios contra a memória e a família da cantora Preta Gil, em pleno lugar santo, qual seja o altar do Cristo. A coisa vai mais além e revela duas preocupações em curso e se sedimentando na sociedade brasileira: a distorção da mensagem de Deus, plenamente revelado em seu filho, Jesus Cristo, e a instrumentalização da religião como poder e projeto de poder.

A retenção do celular e do passaporte do “pastor” Silas Malafaia (a quem parte da imprensa insiste em dizer que se trata de um dos maiores “líderes” religiosos do Brasil, dando moral a quem não se deve, ferindo o sentido mais autêntico da religião e das religiosidades), episódio ocorrido na última quarta-feira, e a subsequente publicação de áudios trocados entre ele e a família Bolsonaro vão além de “conversas normais”. São palavras, expressões e ideias que não deveriam passar pela mente, pelo coração e tão pouco caberem e serem proferidas pela boca de um “pastor” que deveria guiar, prover, libertar e aliar a humanidade a Deus, como nos recorda Luiz Balsan.

E se não quiserem fazer muito esforço de compreensão do que estou dizendo, basta valer-se do método comparativo (verdadeiro/falso) para que a máscara de “pastor” caia aos pés de satanás, seja de Silas Malafaia, seja de tantos outros “profetas” e “líderes” religiosos “cristãos” (sejam quais forem as denominações, católicas e não católicas). Cristianismo não combina com nada do que estamos vendo e ouvindo. Cristianismo é doçura, é libertação e, sobretudo, cuidado, no melhor sentido de zelo/amor. No Cristianismo não há espaço para bestas que gritam, mas para pastores que acolhem, amam e orientam.

Como costuma dizer minha esposa, “estes tipos de ‘pastores’ e ‘profetas’ são almas sebosas”. A meu ver, que nunca tiveram um encontro verdadeiro com o Cristo, que desconhecem a essência de Deus, de seu projeto salvífico, libertador e de amor para conosco, prefigurado desde a Criação, religado pelos patriarcas, anunciado pelos profetas, vivido e propagado pelos apóstolos e santos e santas da Igreja. Quem vive do medo e dele se vale para escravizar muitos, antes de abrir as portas do Céu, conduz suas “ovelhas” para o inferno, de cujas boas intenções está mais do que cheio.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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