Vista aérea da cidade de Bristol, Inglaterra Foto: Wikipedia
Por Tácio Brito (*)
No vasto e complexo mosaico da Maçonaria, cada rito é um universo em si, um caminho com sua própria história, filosofia e simbolismo. Como um mestre maçom iniciado e exaltado ao Grau do Real Arco no Rito Americano (popularmente conhecido como Rito de York), sempre me fascinou a forma como nossas tradições se ramificaram e evoluíram. É com esse olhar, de quem conhece uma das grandes correntes do rio maçônico, que me volto para uma de suas anomalias mais fascinantes: o Rito de Baldwyn, um sistema de “tempo imemorial” que sobrevive como um fóssil vivo, confinado à cidade inglesa de Bristol.
O que torna o Rito de Baldwyn tão singular não é apenas sua antiguidade, mas sua arquitetura. Ele integra, em uma única e coesa jornada, elementos que na maioria das outras jurisdições — incluindo a minha — permanecem rigorosamente segregados. É um vislumbre de como a Maçonaria poderia ter sido antes que as grandes unificações e padronizações traçassem as fronteiras que hoje conhecemos. Seu nome, uma homenagem aos reis cruzados de Jerusalém, como Balduíno II, já nos transportam para uma era de cavalaria e fé cristã, um caráter que o rito preserva com orgulho. Esta não é apenas uma análise acadêmica; é uma exploração de um primo distante e misterioso, guiada pelas obras de historiadores como Keith B. Jackson e, especialmente, David Harrison, cujas recentes pesquisas e traduções rituais nos abriram portas para este mundo esquecido.
As origens do Rito de Baldwyn estão envoltas naquela bruma de tradição oral que o conecta aos Cavaleiros Templários medievais, mas é no século XVIII que sua história documentada emerge das sombras. O artefato pivotal é a Carta de Compacto de 1780, um documento que não apenas estabeleceu formalmente o “Supremo e Real Acampamento da Ordem dos Cavaleiros Templários”, mas que também deu ao rito sua espinha dorsal organizacional. A liderança de figuras proeminentes como Thomas Dunckerley, que se tornaria Grande Mestre dos Cavaleiros Templários da Inglaterra em 1791, cimentou a autonomia e o prestígio de Bristol.
Contudo, o verdadeiro teste de fogo veio no início do século XIX. A União de 1813, um evento monumental que unificou as Grandes Lojas rivais dos “Antigos” e dos “Modernos”, trouxe consigo uma onda de padronização que ameaçava apagar as tradições locais. Diante de uma tendência que muitos viam como uma secularização e simplificação dos rituais, Bristol assumiu uma postura de guardiã. O Rito de Baldwyn tornou-se um santuário para graus e práticas que corriam o risco de extinção, como o Cavaleiro da Espada e da Águia e a Ordem de Kilwinning. Essa resistência foi tão feroz que, em 1856, o Acampamento de Baldwyn chegou a declarar independência do corpo nacional dos Templários, o Grande Conclave, alcançando uma reconciliação em 1862 que, crucialmente, reafirmou sua soberania sobre seus graus de cavalaria. Décadas depois, um tratado com o Supremo Conselho 33° garantiria sua independência também sobre o grau de Rosa-Cruz.
A expansão do rito foi mínima e deliberada. Algumas Cartas Constitutivas foram emitidas, notavelmente para Adelaide, na Austrália, onde os rituais de Baldwyn persistem até hoje. Mas, em essência, ele permaneceu como o tesouro de Bristol, um bastião contra a uniformização, uma amálgama viva de práticas que a maioria da Maçonaria inglesa havia deixado para trás.
O Rito de Baldwyn compreende sete graus, que guiam o maçom por uma jornada integrada através da Maçonaria Simbólica, do Real Arco e das Ordens de Cavalaria. O acesso é exclusivo, por convite, para Mestres Maçons que já foram exaltados ao Real Arco em um Capítulo de Bristol. A progressão é a seguinte:
Mesmo a regalia, como o antigo avental com o pelicano usado no sétimo grau, ecoa uma prática que, em outros lugares, se tornou obsoleta, servindo como um testemunho visual da idade e da singularidade do rito.
Para mim, como um maçom do Rito de York, a persistência da cerimônia da “Passagem dos Véus” é o ponto de ressonância mais poderoso. Este ritual, que representa a jornada da alma através de barreiras simbólicas em busca da Verdade Divina, foi removido da prática padrão do Real Arco inglês em 1835. No entanto, ele sobreviveu não apenas em Bristol, mas também na Escócia, na Irlanda e, de forma proeminente, nos Capítulos do Real Arco do Rito de York americano. Esta é uma ponte viva, uma prova de nossa ancestralidade comum, anterior à União de 1813.
O Rito de Baldwyn é mais do que uma curiosidade histórica; é um exemplo eloquente da natureza adaptativa e, paradoxalmente, conservadora da Maçonaria. Ele nos ensina que a força de uma tradição não reside apenas em sua capacidade de se modernizar, mas também em sua coragem de preservar. As pesquisas de acadêmicos como Harrison e Jackson nos permitem hoje apreciar a profundidade deste rito, conectando-o não apenas à história inglesa, mas a um período de intenso sincretismo esotérico em toda a Europa.
Estudar o Rito de Baldwyn é, em última análise, um convite para celebrar o pluralismo maçônico. É um lembrete de que, sob a bandeira da Fraternidade, existem muitos caminhos, e alguns dos mais belos são aqueles que foram zelosamente guardados, esperando para compartilhar sua luz com as novas gerações de estudiosos e maçons.
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