Articulistas

Inviável pela própria natureza

Compartilhe:
Economia Herética

Antes de qualquer coisa, o que vem a ser um povo “inviável”?

Esse é um conceito amplo, difuso e de difícil elaboração. Deriva de formas de enfoque e de resposta às vicissitudes da vida e sofre uma forte influência do momento em que o respondente se encontra.

No entanto, a vida é uma sucessão de subjetividades que precisam ser objetivadas para que se possa chegar a algum objetivo. Logo, será necessário definir o que vem a ser essa tal inviabilidade.

A resposta utilizada neste artigo está num pequeno texto já recorrente nas redes sociais: “O fêmur curado”, que faz alusão a uma réplica dada pela antropóloga ianque Margaret Mead à pergunta sobre qual seria o primeiro sinal de civilização numa dada cultura.

Margaret Mead

Ela explicou que esse feito era sinal de que o agrupamento social estava organizado de um modo em que era possível aos seus debilitados terem acesso a alimento e abrigo ao qual não teriam se vivessem em estado de natureza.

Sem dúvida alguma, uma proeza que somente seria factível onde o indivíduo se vê como parte de uma coletividade e, mais importante ainda, a coletividade reconhece a importância desse indivíduo.

Em suma, sem empatia, proteção e cuidado, não é possível construir uma sociedade civilizada. Então, ampliando esse aspecto, hoje, não é de todo errado afirmar que o brasileiro é um povo inviável!

Assume-se essa premissa porque uma coisa que o povo brasileiro sabe fazer bem é largar à própria sorte os seus vulneráveis. E como perversidade pouca é bobagem, ainda se esmera em culpar seus desprotegidos por sua própria situação.

Mas, por que somos assim?

A principal causa de nossa inviabilidade como civilização é a nossa estrutura econômica. O Brasil surge para o concerto das nações apenas para ser um fornecedor de matéria-prima (alimentos, fibras, óleos e minérios).

Veja que a principal preocupação do cronista Pero Vaz de Caminha era mostrar a El Rey que esta era uma “…terra chã em que, se plantando, tudo dá! ”, e que “ali havia ouro…”. Em nossa certidão de nascimento já estava registrado o nosso calvário.

Logo, o Brasil não surgiu para servir de berço para um povo garantir os meios de sua própria emancipação, mas apenas para prover de commodities os países centrais da economia-mundo.

Ele não existe para si, mas para os outros. E ainda continuamos nessa mesma toada, afinal, nos orgulhamos de repetir: o “ Agro é pop! ” (Sim, ele não poupa ninguém!).

Outro determinante dessa inviabilidade é a Escravidão.

Aqui, um estatuto tão antigo quanto a própria humanidade, ganhou status de elemento central da estrutura produtiva e catalisador das relações sociais, em plena emergência e consolidação do modo de produção capitalista.

Mesmo após o seu fim oficial, ela deixou raízes em nossas formas de gerir a produção de riqueza e de organizar a interação social, fazendo com que, ainda hoje, essas sejam estabelecidas com base na segregação de grandes frações de nossa população.

E expandiu a sua influência a tal ponto que essa discriminação atinge a todos os grupos sociais em situação de vulnerabilidade, sejam eles formados por nativos, pretos ou brancos “quase pretos de tão pobres”.

Perdão pelo lugar-comum, mas Joaquim Nabuco tem razão: “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Duvida? Compare a conduta policial em Paraisópolis e em Alphaville. Deveras semelhantes, não?

Todo o nosso arcabouço social e institucional tem por finalidade mostrar a cada um qual é “o seu lugar” e, dentro de nossas fronteiras, a única minoria realmente protegida pela sociedade são os já muito ricos.

Corolário: o Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo!

Neste país, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total. Ou seja, quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Grosso modo, o que metade da população leva mais de cinco anos para ganhar, os extremamente ricos recebem em apenas um mês.

Na França, o 50% mais pobre fica com algo em torno de 22,4% da riqueza e o 1% mais rico, com 11,2%. Na Alemanha, é 18,5% para a metade pobre e 12,5% para o 1% mais rico. Na Dinamarca, essa relação é de 23,4% para 10,7% em favor dos mais pobres.

Esses números mostram que extrema concentração de renda não é coisa de povo civilizado. E nós somos o maior concentrador de renda dentre as 20 maiores economias do planeta.

Claro que o Brasil não é de todo ausente de sistemas de proteção social. Por sinal, ele é o país com o maior volume de gasto nesse setor em toda a América Latina e Caribe. Contudo, a sua marca, nos últimos anos, tem sido a de destruir tudo o que foi construído nessa área desde a redemocratização.

E com requintes de crueldade!

Ao mesmo tempo em que somos o povo que, no passado, criou o Sistema Único de Saúde (SUS), atualmente, nós apoiamos a aprovação do Teto do Gasto, da Lei da Terceirização, das Reformas Trabalhista e da Previdência e, para piorar, já começamos a ver com bons olhos a ideia de que “mais empregos, somente com menos direitos!”.

Não é por acaso que, se em 2015, o Governo Federal gastou com Saúde, Educação e Segurança Pública um volume de R$ 1.056,68 por brasileiro ao ano, em valores de julho de 2020, no ano passado, essa mesma média per capita caiu para R$ 1.018,23 anuais.

Com efeito, desde essa data, a desigualdade de renda voltou a crescer, a fome retornou a assombrar os lares, a mortalidade infantil recrudesceu e a letalidade policial disparou. E tudo isso com o vívido apoio eleitoral do povo brasileiro.

Afinal, sistematicamente, ele vem votando em candidatos cujo discurso é claramente favorável ao desmonte das estruturas de apoio a vulneráveis, de proteção social e de redistribuição de renda.

Reafirmando a sua histórica tendência em abandonar os mais fracos, para o brasileiro, vulnerabilidade social é “mimimi”, não uma chaga a ser combatida, e assistência social é “coisa de vagabundo”, mas nunca um vetor de cidadania e dignidade.

Por isso que somos inviáveis como civilização, porque a nossa opção política é pela exacerbação das diferenças, pelo silêncio ante as iniquidades e pelo aumento do poder político dos ricos. A nossa escolha tem sido a de fortalecer quem já é forte e a de enfraquecer quem já é fraco.

Definitivamente, empatia, proteção e cuidado não é a nossa praia!

(*) Emerson Sousa é Mestre em Economia e Doutor em Administração

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

Compartilhe:
Emerson Sousa

Doutor em Administração pelo NPGA/UFBA e mestre em Economia pelo NUPEC/UFS

Posts Recentes

Morre o jornalista Osmário Santos; o sepultamento será hoje, às 16 horas, no Colina da Saudade

Logo mais às 16 horas, será sepultado o corpo do jornalista Osmário Santos, que morreu…

12 horas atrás

“Somos gigantes na matriz energética”, destaca Fábio na Comissão da União Europeia

No terceiro dia de agenda da II Missão Internacional do Consórcio Nordeste, a comitiva do…

13 horas atrás

Prefeito Edvaldo anuncia reajuste de 4% para os servidores públicos

O prefeito Edvaldo Nogueira apresentou nesta terça-feira, 14, um pacote de projetos e decretos que…

2 dias atrás

Caixa libera abono do PIS/Pasep para nascidos em maio e junho

Cerca de 4,4 milhões de trabalhadores com carteira assinada nascidos em maio e junho podem…

2 dias atrás

Em Brasília, Edvaldo busca soluções para problemas financeiros dos municípios

Durante viagem a Brasília nesta segunda-feira, 13, o presidente da Frente Nacional de Prefeitas e…

3 dias atrás

Prefeitura realiza reunião estratégica para avançar nos estudos da ponte Aracaju/Barra

Representantes da Prefeitura de Barra dos Coqueiros e do Governo de Sergipe se reuniram nesta…

3 dias atrás