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Chico Buarque: de Camões a Amado

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Claudefranklin Monteiro Santos (*)

No último dia 24 de abril, ele estava em Portugal, no Palácio de Queluz (Lisboa), recebendo o Prêmio Camões, ladeado por admiradores e por autoridades, a exemplo do presidente do país anfitrião, Marcelo Rebelo de Sousa, e do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Após quatro anos de espera, ali estava ele, belo e esplêndido, com sua verve e palavras peculiares e cirúrgicas, capaz de rasgar ao meio qualquer peito arrogante e mal-amado. O que me fez lembrar a passagem de uma de suas canções que diz: “Palmas pra ala dos barões famintos / O bloco dos napoleões retintos / E os pigmeus do bulevar / Meu Deus, vem olhar / Vem ver de perto uma cidade a cantar / A evolução da liberdade / Até o dia clarear” (1984).

E passou… Chico Buarque de Holanda (19 de junho de 1978, Catete-RJ). Graças a Deus! Passaram as “tenebrosas transações” e, agora, elas estão vindo à tona como toda a raiva e preconceito de uma cidade inteira contra Geni, que se sacrificou para salvar a humanidade diante do Zepelin prateado (1979). Que esse mesmo Deus pague a toda essa gente hipócrita: “Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir / Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir / E pelo grito demente que nos ajuda a fugir (1971)”.

Quatro dias depois, estava ele em Salvador, na Bahia de Todos os Santos e, também, de Jorge Amado (1912-2001), com Mônica Salmaso (São Paulo, 1971), encerrando, no Brasil, a temporada da turnê “Qual tal um samba?”, que terá uma versão internacional, com apresentações previstas para as cidades portuguesas de Porto e Lisboa. Ao todo, até o dia 30 de abril, 156.600 pessoas prestigiaram o espetáculo nas cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa, Natal, Fortaleza, Recife, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Salvador. “Dois Maracanãs” lotados!

Às voltas com as discussões, muito apropriadas, sobre a lotação perigosa da Concha Acústica e a desorganização na acomodação de grandes públicos, cheguei naquela noite do dia 30 de abril de 2023, acompanhado de minha esposa e de nossos dois filhos. Era o primeiro show de nossa filha, Júlia Gabriele, que chamou a atenção de uma das produtoras do espetáculo e também responsável pela segurança. O lugar estava, absurdamente, lotado! Por isso mesmo, ficamos, temporariamente, em pé numa das saídas de emergência, à direita do palco.

Claudefranklin com Daniela Mercury

Para minha surpresa e alegria, minutos antes das cortinas se erguerem, eis que minha esposa deu conta da presença da cantora Daniela Mercury, de quem sou fã desde a década de 90. Mantendo-se longe da atenção e olhares de todos, naturalmente, esperava um momento oportuno para curtir aquela noite no meio do povo, sem ser notada, de preferência. E, pelo visto, conseguiu. Não por mim, claro, que me precipitei delicadamente ao seu encontro, quando consegui um histórico registro fotográfico com ela, no escuro, sendo iluminados pela gentileza de sua companheira, Malu Verçosa, que, prontamente, acendeu a luz de seu celular. Aquilo, sem sombra de dúvidas, foi a cereja do bolo de uma noite incrível: “Obrigado, rainha. Linda!”, disse-lhe, com gratidão.

E por falar em grandes mulheres, mas que mulher foi aquela que abriu a noite, cantando uma canção infantil de Chico Buarque?! Que voz é aquela?! Alta, com forte presença de palco, reinando em meio a uma banda predominantemente masculina, Mônica Salmaso fez um dos melhores abre-alas para um artista consagrado, que eu já vi em toda a minha vida, recebendo-o com a canção “Paratodos” (1993), na qual a letra, se poderia naturalmente acrescentar seu nome, sobretudo na passagem que diz: “Viva Erasmo, Ben, Roberto / Gil e Hermeto, palmas para / Todos os instrumentistas Salve Edu, Bituca, Nara / Gal, Bethania, Rita, Clara / Evoé, jovens a vista”. Por falar em Gal Costa (1945-2022), Chico dedicou aquela noite e todas as anteriores a ela, falecida ano passado, no dia 9 de novembro, às vésperas deste espetáculo em Salvador, adiado para os dias 28, 29 e 30 de abril de 2023.

Sobre Chico Buarque, há muito queria ir a um de seus shows. Embora numa posição nada boa e desconfortável, sentado no chão, e ao lado do palco, as impressões não poderiam ser as melhores. Na verdade, foi exatamente o que eu esperava: um ícone, um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira, ali, bem próximo de mim, a pouco menos de quatro a cinco metros, pequenino, mas enorme em talento, beleza, fidalguia, genialidade, sabedoria e arte.

 

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(*) Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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